Ragendra de Sousa é um guru em
matérias económicas ligadas à agricultura nas suas mais diversificadas
temáticas. Domina os assuntos pelo peito, cabeça e pés como poucos. Quando toma
a palavra em conferências, seminários e workshops são poucos os que sonecam,
murmuram ou continuam a teclar nas redes sociais. É bom de verbo e se agiganta
em cultura geral. Ouvimo-lo em vários eventos nos quais sempre arrancou
aplausos pela forma metódica, didática e calma como disserta e, sobretudo, pela
defesa das suas posições recorrendo a exemplos simples do dia-a-dia. Isso lhe
confere um tique único e quase inabalável. Tem um currículo prenhe de feitos académicos que o
obrigam a viver dividido entre a academia e o circuito empresarial para onde é
chamado para “dizer da sua justiça” tudo o que sabe sobre o percurso económico
do país e até mesmo para cogitar no futuro.
A Reportagem do JORNAL DOMINGO entendeu ouvi-lo sobre a
mecanização agrícola, tema que ele conhece da ponta do cabelo à unha do dedo
mindinho porque teve o privilégio de trabalhar na Mecanagro, empresa que
funcionou nos anos que se seguiram à Independência Nacional e que respondia
pelo sector. Acedeu ao convite feito sem colocar o mais ínfimo
empecilho, apesar da sua agenda carregada. No dia e hora marcada compareceu no
local descontraído como quem vai dar uma aula. Sentou-se, pediu um café
descafeinado, uma garrafa de água das Pedras Salgadas e um cinzeiro. Com o pedido satisfeito e as apresentações concluídas,
partimos para a conversa. Rebuscamos a história da mecanização agrícola do
país, com fulcro no período posterior à independência e avançamos para a
actualidade. Foi nesse rebuscar do passado que Ragendra explicou
que a Mecanagro funcionou sem registo legal. Nesta empresa, Ragendra de Sousa
chegou aos píncaros da direcção e recorda que o principal constrangimento foi o
facto da mesma ter sido criada de cima para baixo e de ter em mãos missões
quase impossíveis e intervenções políticas complexas. Conta que a Mecanagro tinha que gerir, manter e
conservar, o parque de máquinas que o país tinha, que era composto por marcas
de todas as origens possíveis, o que tornava difícil a sua gestão. Por outro
lado, tinha que prestar serviços de lavoura e gradagem de machambas e só
receber o pagamento no final de cada campanha, o que lhe deixava sempre numa “saia justa”
contabilística. Mais adiante, e na sequência do IV Congresso do
partido Frelimo, foi tomada a decisão de que aquela empresa devia assistir aos
pequenos camponeses, o que abriu espaço para mais uma dor de cabeça. Os
tractores e outros equipamentos agrícolas passaram a ser levados para o
interior onde lavravam meio hectare. Pelo caminho, estes meios eram usados para o
transporte de pessoas e carga até à extinção já previsível da empresa na
sequência do recrudescimento da guerra, calamidades naturais e dificuldades de
gestão dada a sua dimensão majestática, pois, estava representada até ao nível
de distritos e localidades. No que se refere à actualidade, Ragendra de Sousa
afirma que se deve levar avante a “Estratégia de Mecanização Agrária” que o governo
aprovou recentemente e ressalva que o Estado deve intervir na criação de
condições em infra-estruturas para que os pequenos e médios produtores se
possam alavancar e se transformar o potencial que existe em oportunidades.
“Mecanizar a nossa agricultura é uma obrigação. Esta é a vara
mágica para o sector. De outro modo, teremos um crescimento económico sem
desenvolvimento e sem inclusão. Faça-se o que a ciência já provou”,
defende.
Mecanizar não é espalhar tractores
“A agricultura é a base do nosso desenvolvimento”.
Este lema é conhecido pelos moçambicanos de cor e salteado. Porém, dos cerca de
16 milhões de hectares de terra arável que o país dispõe, apenas quatro milhões
são aproveitados. O economista Ragendra de Sousa diz que o segredo está na
mecanização agrícola que é um conceito diferente detractorização que,
segundo ele, é espalhar tractores. Senhoras e senhores, convosco, o economista
Ragendra de Sousa!
O governo tem estado a
adquirir tractores e a criar aquilo a que se convencionou chamar de Parque de
Máquinas. Estaremos, por essa via, a caminhar para a tão almejada mecanização
agrícola?
Tenho dito para se tirar o nome “Parque de Máquinas”
porque não responde ao objectivo que se pretende. Por outro lado, distorce e
levanta fantasmas sem nenhuma razão.
Porquê?
O Parque de Máquinas é apenas uma componente; o que se
pretende é criar Centros de Serviços.
Qual é a diferença?
O Parque de Máquinas é apenas um alpendre onde as
máquinas estão estacionadas e quando você precisa vai buscar para lavrar,
enquanto os Centros de Serviçosrequerem vários aspectos para se decidir sobre a
sua localização, nomeadamente a aptidão dos solos, densidade populacional e
proximidade de mercados. Há ainda elementos acessórios que são a
disponibilidade de infra-estruturas e de terra agrícola. No caso da terra temos
16 milhões de hectares aráveis e só estamos a usar 4 milhões. Por outro lado,
os Centros de Serviços são também diferentes porque não vão aceitar a
agricultura dispersa. Pode minimizar essa demanda com tecnologia apropriada.
De que forma?
Se aparece um camponês que quer se isolar, o gestor do
Centro de Serviços pode dizer: “Você quer ficar aí? Leva uma enxada mecânica e um boi. Eu não vou
até lá. Posso lavrar e gradar para ti aqui. Venha semear aqui”.
A ideia é mudar a
estrutura agrária actual. Será isso?
Exacto. O Centro de Serviços vai ser um espaço de
transformação tecnológica da estrutura agrária e de correcção da dispersão.
Enquanto se corrige a dispersão, presta-se assistência ao pequeno para ser
médio e grande. É acima de tudo um centro de investigação socio-económico, onde
se vai ajudar o camponês a fazer um plano de negócio, intermediação financeira
e recolha de excedentes. E, para recolher a produção dos pequenos camponeses
vai se incentivar o uso de carroças. Não precisa usar viaturas 4X4. Pode também
ser um local de montagem e produção de carroças. É um núcleo onde tudo gira
para provocar a mudança estrutural e aumentar a produção por aumento de área.
Faltou acrescentar o
aumento da produtividade…
Para responder à produtividade entrariam os agrónomos
que sabem que quando se deixa de cultivar em curvas e se passa a fazer em linha
a produtividade aumenta porque as raízes não se tocam e, por isso, o poder
germinativo é maior.
Mesmo usando sementes
comuns?
Pode até ser com a semente do camponês. Sem semente
melhorada. Mas toda esta coisa que lhe digo tem custos e benefícios.
Os custos são muito
altos?
R. S. - São consideráveis. Estou a falar dos custos de
instalação das infra-estruturas que não precisam ser prédios, um pré-fabricado
serve porque não é para ficar. A ideia é o Estado promover a transformação e
criar condições para que os camponeses se tornem auto-suficientes e depois
sair. Há muitas infra-estruturas do Instituto de Cereais abandonadas que podem
ser aproveitadas. O que levamos para o campo é o saber e a capacidade
organização.
“ONE MAN SHOW”
Mas, porque é que o
Estado deve sair?
Porque para o pequeno e médio agricultor o aluguer de
máquinas não é atractivo. Veja aqui em Maputo quantas betoneiras circulam?
Alguma é do Estado? O Estado se meteu nesse negócio? O mercado por si resolveu.
Porque surgiram muitos prédios que precisam de brita e concreto, o sector privado
viu a oportunidade e agarrou. O distrito de Malema, em Nampula, tem mais de 30
mil pequenos agricultores, mas ninguém quer ir lá alugar um tractor. Em Malema
temos o potencial, mas não temos a oportunidade.
Oportunidade é via de acesso, informação, e a
combinação de potencial com infra-estruturas, incluindo informação, transforma
potencial em oportunidade. Quando esta combinação não é feita lhe garanto que o
mercado não resolve. A vontade privada não aparece por ausência de economia de
escala. Veja o exemplo da região de Nante, na província da Zambézia que tem
maios de 70 mil agricultores e o Estado pode ir para lá criar, fazer o mercado
crescer e depois sair e voltar mais tarde para cobrar impostos.
Na palestra que deu há
dias disse que muitos agentes económicos têm dificuldades de fazer progressos
porque querem fazer tudo sozinhos. Chamou-os de “one man show”…
Isso é um facto, mas volto a insistir no papel do
Estado que deve ser de promoção de infra-estruturas, que é capital de base. Qualquer
processo de produção requer Capital, Trabalho e Terra. A Terra está aí, o
Capital o Estado já pôs. E o Trabalho? O “one man show” não é um problema do
moçambicano. É um problema universal e afirmo com segurança porque a minha tese
foi um estudo de mais de 54 países.
Pequenos negócios
propiciam a tendência de ser “one man show”?
Isso deriva da dimensão do negócio. Veja o que faz a
pessoa da barraca. Tem que se preocupar com quatro caixas de cerveja, duas de
refresco, geleira e pouco menos. Isto ele faz sozinho. Mas quando passa de
quatro para 150 caixas e quer continuar “one man show”, a sua qualidade de
serviços cai. A isto se chama de crise de crescimento.
Como superar esta
“crise de crescimento”?
Reconhecendo isso, vamos fazer parceria público-privada.
Mas, logo a seguir se nota que o moçambicano não tem capital. Então está a ver
esse público-privado? É mais uma vez um arranjo administrativo.
ESPALHAR TRACTORES
Compreendo, mas queria
que recuássemos. Esta sua visão sobre Centros de Serviços tem algum acolhimento
por parte do governo?
A ideia está escrita, foi ao Conselho de Ministros e
foi aprovada. Não entendo por que voltaram a chamar de Parque de Máquinas. A
“Estratégia e Mecanização” foi feita com base na experiência de países da
região e não só.
Talvez o que se
pretende é sermos únicos e fazer coisas novas…
Não podemos ser únicos. A roda já está inventada,
temos é que usá-la.
Concorda que a
aquisição e distribuição de tractores que tem estado a ser feita representa o
início da mecanização agrícola?
Olha, acabou a Mecanagro (Empresa Estatal) e não houve
mais mecanização. Começou atractorização.
O que é tractorização?
É comprar tractores e espalhar por aí sem um estudo
sobre a capacidade de gestão do beneficiário final. Por exemplo, no distrito de
Funhalouro estão dois tractores, Massey Fergusson, de 70 cavalos, parados junto
à administração porque não tem combustível. Também foi montado um gerador na
administração e um tanque de 1500 litros, mas a administração só consegue
comprar 20 litros. Este é o mundo real nosso.
Já agora, o governo
avançou com a construção de silos que são uma componente importante da cadeia
de produção agrícola. Também está errado?
Os silos são carroça a frente dos bois.
E os Parques de
Máquinas ou Centros de Serviços, o que são?
São a carroça no seu devido lugar para começar a
andar, mas sem bois. Só terá bois quando tivermos uma boa gestão. Até aqui
estes centros estão a falhar porque houve um interregno em que o mercado
emperrou por causa de vários factores, incluindo guerra e cheias e o que
passamos a fazer foi espalhar tractores.
Quando teremos uma boa
gestão?
O grande problema é que já compramos o equipamento e
esse é outro erro de palmatória. O país está a fazer o mesmo que fez há 30 anos
com as auto-combinadas. Primeiro comprou e depois pensou.
Ainda se vai a tempo de
resolver?
Vamos a tempo de corrigir porque o conhecimento está
mais maduro. Há parques que se transformam em centros rapidamente porque é só
uma questão de conceito. Penso que já deviam ter começado a fazer concursos
públicos a dizer que “no sítio X queremos fazer isto. Moçambicanos, a gestão disto deve
ser feita assim. Quem quer? Organizem-se!”. Com os Centros de
Serviços o país pode resolver o problema de desemprego urbano e de jovens.
Tenho muitos jovens que sabem fazer contas no papel e podem se mover para
viverem no campo. E te garanto que não voltam mais à cidade.
Isso pode ser feito em
locais como Chókwè, em Gaza, e Nante que são grandes infra-estruturas
paralisadas?
Chókwe, Nante, e outros não estão estagnados. Estão
pouco publicitadas. Nante está a produzir arroz.
O arroz de Nante tem
custos de produção elevados que comprometem o preço ao consumidor e a
sustentabilidade do próprio projecto…
É verdade, mas é preciso perceber que nos países
asiáticos, onde se cultiva o arroz que consumimos, a cultura de trabalho é
milenar. Nós não temos isso. Os antropólogos podem explicar melhor. Trabalhar
para o colono não era coisa feita com prazer. Porém, o colono foi embora e por
vezes quem o substituiu é pior. Porque não sabe, vai maltratar o trabalhador,
quando na Europa e nos Estados Unidos o bom empresário é o que melhor trata o
trabalhador que é o seu principal aliado. Mas isto são outras discussões.
“MECANIZAR É UMA
OBRIGAÇÃO”
Isso é uma obrigação. Não fazer isso vai nos levar a
ter um crescimento económico sem desenvolvimento e sem inclusão. Isto parece a
vara miraculosa, e é. Eu tenho a certeza porque resulta de 10 anos de estudo.
Não tenho que ser agradável. Faça-se o que a ciência já provou. Haverá
problemas, mas estamos aqui para corrigir.
Que tipo de problemas?
Problema de agências de crédito, assimetrias de
informação, tecnologias, economia de escala, entre outros, mas é preciso
começar para ir resolvendo.
Se vier o problema de
crédito, como se resolve?
Resolve-se com a concessão de crédito a grupos e não a
indivíduos. Aquele que não paga sai e os outros vão “massacrá-lo”. Para as
assimetrias de informação vamos usar rádios comunitárias na língua local.
A minha experiência
manda dizer que tudo isso está a ser feito nos distritos, mas nunca mais
chegamos lá. Onde está o problema?
Falta-nos a ligação principal que é a cidade e o campo
que é feita pela rede comercial. Substituímos a rede comercial formal pelo
comércio informal que não resolve. A característica de comércio informal é a
incapacidade de formar stock e não se faz comercialização agrícola sem stock
porque o armazenamento custa dinheiro. Vá a Angónia, em Tete, que é uma terra
fértil que se cospes pode nascer qualquer coisa. Tens comércio lá? O Centro de
Serviços pode fazer isso. A parte da rede comercial não é tarefa do Estado. O
Estado deve transformar o comerciante informal em formal e, se falhar, vai
buscar paquistaneses, burundeses, somalis, entre outros. O que se pretende é
resolver o problema dos camponeses que devem ter um sítio para vender a preços
justos.
Fala-se muito da
agricultura sul-africana. Será que o exemplo do vizinho não nos serve?
A África do Sul tem 34 por cento de desemprego entre a
sua população negra porque a agricultura foi mecanizada com subsídios. E
subsidiar seis milhões de pessoas, de uma população de 50 milhões, é possível.
Mas o contrário não é.
Não corremos esse risco
de criar desemprego com a mecanização?
A ideia não é fazer mecanização de substituição de
factores de trabalho por máquinas. É mecanização complementar. Por isso é que
digo que é mecanizar e não tractorizar. A tractorizar é substituição porque
consiste em lavrar, gradar e até colher com máquinas ou chamar a população para
colher. Nós não estamos a procura disso. Queremos para o sector familiar a
mecanização complementar.
Lições do passado que valem para o futuro
O país já esteve bem em
termos de mecanização agrícola. O que propiciava esse cenário?
É preciso perceber que na estrutura colonial o Estado
intervinha nos serviços de extensão agrícola e aluguer de equipamentos com
tractores, debulhadoras manuais de cereais, entre outros. Estas máquinas eram
usadas pelos pequenos e médios camponeses e nunca pelo sector familiar porque
as áreas de produção deste sector eram muito pequenas e dispersas o que tornava
a mecanização difícil. Aliás, esta é a característica fundamental do sector
familiar. Áreas pequenas e dispersas.
Com a chegada da
Independência muito equipamento foi abandonado. O que se fez a seguir?
O Ministério da Agricultura tinha um Departamento de
Mecanização que teve a tarefa de inventariar todo o equipamento de natureza
agrícola existente no país.
Para fazer o quê?
Essa foi a questão que se colocou a seguir. Para ser
honesto, veio a influência do modelo de modelo centralizado, com unidades de
direcção ramais da área do Caju, Pecuária, Arroz, entre outras, que, no fundo,
eram grupos de pessoas que tentavam gerir a situação de abandono.
Sem rumo?
Estas direcções formavam uma Unidade de Planeamento
para a Comissão Nacional do Plano. Os dois interesses casavam-se bem. Por um
lado estava tudo abandonado e, por outro, o modelo centralizado que precisava
de uma Unidade de Planeamento.
O que quero perceber é como
se chegava à produção?
Foi do Departamento de Mecanização que se criou a
Mecanagro que, entretanto, nunca foi legalizada em Boletim da República. Era
uma Empresa Estatal (E. E.) em formação. Nunca teve uma criação legal na óptica
jurídica.
Qual devia ser a função
desta empresa?
A Mecanagro tinha múltiplas funções. Tinha que gerir,
manter e conservar o parque de máquinas que o país tinha, o que implicava ter
mecânicos e peças sobressalentes. Mas, logo à partida veio a primeira
dificuldade que foi o número de marcas. Tínhamos John Deere, FIAT, Landin,
Massey Fergusson, Ford, ou seja, todas as marcas que existiam no mundo. Essa é
a doença comum das empresas criadas de cima para baixo.
Tinha que fazer
intervenções no campo?
A segunda era prestar serviços de mecanização, ou
seja, fazer lavouras e gradagens que são as tarefas mais difíceis e que exigem
muita força mecânica. Mas, também fazíamos sementeiras, sachas e pulverizações
mecânicas como actividade secundária. Lavrar e gradar era outro bico-de-obra.
Porquê?
Porque quem tinha que produzir arroz e responder por
ele eram as empresas agrícolas, mas quem tinha que preparar os solos era a
Mecanagro, o que levava a lutas permanentes.
Lutas?
Nós dizíamos que lavramos e o dono da empresa
agrícola dizia que a lavoura era má.
E qual era o resultado
disso?
A produção não aparecia. Este é uma discussão que a
Mecanagro nunca conseguiu ultrapassar. Por vezes lavrava-se e a semente chegava
tarde demais, ou havia um problema financeiro que comprometia a sementeira,
entre outros. Porém, quando se ia ao balanço era mais fácil dizer que a
Mecanagro lavrou mal.
Muito mau…
Onde se provou que esta doença era grave foi aquando
da reestruturação do Chókwe porque a Mecanagro foi chamada mais tarde quando as
auto-combinadas já tinham sido importadas e estavam no Porto de Maputo.
Chamaram-nos para ir tirar as máquinas porque as baterias estavam
descarregadas. Foi aí que soubemos que se comprou aquele equipamento. E mais
uma vez, havia erros de especificação e a logística não foi estudada. Por causa
disso, as 120 auto-combinadas foram para o Chókwe a andar por estrada, o que é
um erro crasso. Uma máquina agrária não pode fazer 200 quilómetros por estrada.
Isto é só para perceber as várias coisas envolvidas.
E dinheiro havia?
Esse foi outro problema que Mecanagro enfrentou pois,
sendo uma empresa de prestação de serviços, a sua potencial receita era depois
da colheita. Assim sendo, a Mecanagro, tinha que ter seis a sete meses de
financiamento bancário. Para a comodidade da altura, o banco financiava o ano
todo. Faltava o pagamento no final porque as empresas não vendiam directamente
no mercado. Entregavam à Agricom e o pagamento por vezes não acontecia.
Que dimensão tinha a
Mecanagro?
Esse era outro grande problema. Era uma empresa de dimensão
nacional com representação até no distrito e localidade e, na época, não
tínhamos telefones, carros e estradas como temos hoje. Outro constrangimento
era a qualidade da força de trabalho.
Pode decifrar?
Simples. Depois da independência ficamos com os
mecânicos dessas empresas mas, os gestores foram embora. Ficamos com operários
de execução e os novos gestores não tinham tido acesso a nenhum cargo de
gestão. Esta combinação leva-me a concluir que a Mecanagro nasceu mal.
Sobreviveu, o tempo que sobreviveu sempre no meio de turbulência.
Podemos concluir que
não cumpriu com a sua missão?
Cumpriu com todas as dificuldades porque do Chókwe
saiu arroz colhido por máquinas. A produção agrícola do sector estatal nunca
foi zero. Mas, o IV Congresso fez a grande viragem da visão económica do país
ao definir que esquecemos os camponeses e os pequenos privados. Esta decisão
aumentou as dores de cabeça da Mecanagro.
Como assim?
Se já tínhamos dificuldades em prestar serviços às
empresas agrárias estatais que tinham 200 hectares, por força da decisão do IV
Congresso tínhamos que satisfazer o sector familiar. Daí começou o
táxi-tractor. O tractor andava quatro quilómetros para ir lavrar um ou dois
hectares e ninguém controlava um tractorista que tinha o tanque cheio. Começou
a haver venda de combustível e os tractores passaram a ser usados para o
transporte de passageiros e carga. Tudo isto aconteceu e a Mecanagro não tinha
condições de controlar.
(Texto de Jorge Rungo)
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