ØO voto maioritário em favor da
oposição nas províncias de Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é
manifestação de determinadas expectativas e reivindicações dos eleitores, e a
frustração dessas expectativas e reivindicações só pode provocar novas tensões
e a contestação da actuação governamental a nível nacional, até ao ponto em que
poderá haver apoios significativos de quebrar a unidade nacional e promover a
constituição duma república secessionista.
Os resultados das eleições de 15 de Outubro 2014 aprofundaram a expressão
territorial da divisão política de Moçambique.
Indiferentemente à contestação dos resultados, em muitos aspectos justificada,
os resultados atribuem uma vantagem incontestável ao partido da oposição Renamo
em Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa, onde a Renamo, com ou sem
coligação com o MDM, pode bloquear os trabalhos das assembleias provinciais.
Esta expressão territorial dessa clivagem política profunda tem correlação com
os níveis relativamente mais fracos de desenvolvimento económico e social
justamente nesses territórios, Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e
Niassa.
A votação em protesto contra o Governo nacional não teve expressão a nível do
poder local nas eleições municipais porque a Renamo tinha boicotado as eleições
autárquicas.
Assim existem uma distribuição e concentração de preferências e alianças
político-partidárias que não encontram expressão institucional efectiva.
Onde a oposição tem uma clara vantagem sobre o partido do Governo isso
reflecte-se unicamente na composição das assembleias provinciais. Porém, como
determina o Artigo 142 (Assembleias provinciais) da Constituição, no seu
número 2, a competência das assembleias provinciais é estritamente reduzida e
limitada a fiscalizar e controlar a observância dos princípios e normas
estabelecidas na Constituição e nas leis, bem como das decisões do Conselho de
Ministros referentes à respectiva província;e limitada a aprovar o programa do
governo provincial, fiscalizar e controlar o seu cumprimento.
Desta forma, as assembleias provinciais estão condenadas a funcionarem como
órgão de acalmação do Conselho de Ministros e do governador provincial,
nomeado pelo Governo nacional.
Esta regra constitucional do artigo 142 já não corresponde à realidade
resultante da eleição por sufrágio livre e igual dos membros das assembleias
provinciais.
O voto maioritário em favor da oposição nas províncias de Sofala, Manica,
Tete, Zambézia, Nampula e Niassa é manifestação de determinadas expectativas e
reivindicações dos eleitores, e a frustração dessas expectativas e
reivindicações só pode provocar novas tensões e a contestação da actuação governamental
a nível nacional, até ao ponto em que poderá haver apoios significativos de
quebrar a unidade nacional e promover a constituição duma república
secessionista.
As cinco variantes da Renamo
A Renamo desde o fim do ano de 2014 tem vindo a sugerir cinco principais
variantes de reformas institucionais para responder à anomalia acima
identificada.
1) Estado secessionista
Em primeiro lugar tem havido apelos à constituição dum novo estado e de uma
república secessionista. Estes apelos desanuviaram-se mediante a falta de
reacções positivas na região e a nível internacional indicando assim o risco de
uma tal estratégia vir a desencadear uma guerra secessionista com
consequências desastrosas, tal como no caso da guerra do Biafra na Nigéria.
2) Regiões ou região autónoma
Em segundo lugar, a Renamo fez exigências de que as províncias em que a oposição
obteve clara vantagem eleitoral deveriam ser reconstituídas em regiões
autónomas, seguindo o exemplo constitucional das regiões autónomas dos Açores e
da Madeira, em Portugal. O principal defeito desta proposta é de criar dois
tipos ou duas categorias bem diferentes de órgãos da administração
territorial, as províncias tal como existem e as regiões autónomas que se iriam
sobrepor às seis províncias visadas (Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e
Niassa) pondo em causa princípios fundamentais da Constituição tal como a
unidade nacional, a proibição de discriminação na base da naturalidade, origem
ou associação tribal, podendo encorajar uma “somalização” do país.
3) Proclamação de “outras autarquias” nos termos do artigo 273, n.º 4 da Constituição
A sugestão é de se poder constituir as “regiões autónomas” desejadas pela
Renamo em termos do número 4 do artigo 273 da Constituição, sobre as
“categorias das autarquias locais”, considerando que este dispositivo da lei
constitucional determina que “a lei pode estabelecer outras categorias autárquicas
superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da
povoação”. Assim, em vez de “regiões autónomas”, passariam as novas entidades
administrativas a ser denominadas “províncias autónomas”, mas em termos de
direito administrativo seriam consideradas “autarquias locais”.
A sugestão é da autoria dum professor da UEM, um ex-cooperante francês,
Gilles Cistac. O plano sofre do defeito fundamental de se tratar duma
sugestão de aplicação oportunista e contra senso da lei constitucional, nomeadamente
do disposto no artigo 273 da Constituição. A restante redacção do artigo 273
define as autarquias locais como sendo os municípios (cidades e vilas) e as
povoações (postos administrativos) ficando assim excluído que as “outras
categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do
município ou da povoação” poderiam incluir províncias.
A norma do artigo nunca fora concebida nem permite conceber a criação de
estruturas administrativas paralelas ao nível das províncias, ou criar
autoridades “provinciais” que poderiam substituir-se às províncias existentes,
sem alteração do texto constitucional.
Os efeitos práticos dum plano que inevitavelmente resultaria na criação de
administrações provinciais paralelas e a concorrer uma com a outra, sendo uma
vinculada ao Governo central e a outra a representantes ou delgados eleitos,
seriam desastrosos para a boa administração e preservação dos mais básicos
princípios do Estado de Direito. Inevitavelmente iriam provocar os mais sérios
conflitos entre diferentes braços da administração estadual qua acabariam por
paralisar todo e qualquer progresso do desenvolvimento humano e económico. É
alarmante imaginar-se que a mais simples actividade do cidadão iria ficar
sujeita ao licenciamento e fiscalização por duas administrações que iriam
concorrer uma com a outra, ficando o indivíduo sujeito a obter licenças de
ambas as administrações da Renamo e ainda da administração do Estado, vinculada
ao Governo nacional (da Frelimo), podendo se imaginar facilmente que uma delas
poderá cancelar ou retirar a sua autorização, enquanto a outra administração
poderia decidir exactamente o contrário. Deve-se descartar por essas razões
este “Plano Cistac”.
4) Reforma da Administração Territorial
Para evitar o aparecimento de desigualdades fundamentais na administração
territorial, pode considerar-se uma reforma mais profunda, em que as 11
províncias de Moçambique poderiam ser transformadas e absorvidas em 4 regiões
administrativas autónomas (região Norte constituída por Niassa e Cabo Delgado,
regiões Centro Norte e Centro Sul, e região Sul).
As novas regiões administrativas autónomas corresponderiam às tendências
globalmente seguidas e implementadas em mais de 100 países para racionalizar,
modernizar e descentralizar a administração territorial do Estado. Este tipo
de reforma constitucional iria beneficiar de vastos apoios materiais e técnicos
de organismos especializados nesta matéria do Banco Mundial, e de apoio dos
maiores parceiros económicos de Moçambique. Porém, tratando-se duma reforma
constitucional e da organização do estado bastante profundas, necessitará de
ao menos um período de reflexão, adopção e implementação de dois a três anos.
5) Alternativa Conselho Nacional das Províncias
A quinta alternativa orienta-se no modelo constitucional da África do Sul onde
existe um segundo órgão legislativo que representa o poder e os interesses
regionais constituídos em províncias. O artigo 60 da Constituição da África do
Sul estabelece um Conselho Nacional das Províncias constituído por dez
delegados por cada província. Visto que na África do Sul os governos
provinciais são eleitos pelas assembleias provinciais, não existe entrave
contra a nomeação de parte dos delegados para o Conselho Nacional das
Províncias a partir do governo provincial. Em Moçambique onde o governador e o
governo provincial são efectivamente nomeados pelo Conselho de Ministros a
nível nacional, a nomeação dos delegados para um futuro conselho nacional das
províncias teria de ser feita pelas assembleias provinciais nas 10 províncias
que têm assembleias provinciais.
Desta forma, um futuro conselho nacional das províncias em Moçambique poderia
criar a curto prazo e ainda no decorrer da actual legislatura um órgão cuja
composição dependeria das assembleias provinciais e seria assim
maioritariamente constituído por delegados pertencentes à oposição. Em consequência,
o lugar de presidente desse conselho nacional das províncias caberia ao
primeiro e mais favorecido candidato dos partidos da oposição.
Em termos de protocolo, em estados com estrutura semelhante bicameral, o
presidente da segunda câmara legislativa seria sempre o número 3, a seguir ao
chefe do Estado e presidente da assembleia nacional.
As funções do futuro conselho nacional das províncias em Moçambique poderiam
ser equilibradas e mistas, de participação no processo legislativo, com
direito de veto suspensivo, direito de interpelação para a fiscalização de normas
pelo Conselho Constitucional, bem como de fiscalização da boa governação, por
exemplo na matéria de atribuição de licenças para a exploração dos recursos
naturais e endividamento do país, e ainda de participação nas nomeações para
o preenchimento de vagas no Conselho Constitucional, e outros tribunais, e
possivelmente um direito de veto em relação ao preenchimento de certos cargos
tal como os ministérios-chave da defesa, interior e finanças.
A opção da criação duma representatividade das assembleias provinciais a nível
nacional tem vantagens evidentes. Não requer uma reforma da administração
territorial profunda e imediata. Pode ser implementada com relativa facilidade
e em curto prazo por meio duma curta reforma constitucional que acrescentaria
uns 4 ou 5 artigos a seguir ao artigo 199, artigos 199a, 199b, 199c, e 199d,
bem como uma alteração do artigo 133 no que diz respeito à enumeração dos
órgãos de soberania.
No mais importante, este projecto ultrapassa um bloqueio institucional corrente
que pode pôr em perigo a unidade nacional.
O conselho nacional das províncias poderá aliviar a pressão secessionista,
criando um órgão de expressão a nível da política nacional para as
reivindicações agudas em certas regiões do país, desta forma reinseridas no
debate e foco da política nacional. Este aspecto é fundamental em Moçambique
onde todas as decisões orçamentais e sobre a concentração e distribuição do
desenvolvimento são tomadas a nível central. Não é solução suficiente de o
governo nacional tentar do seu melhor entendimento responder às carências a
nível regional ou de certas províncias. É necessário permitir que os delegados
eleitos nessas províncias tenham a oportunidade de apresentar e defender
posições e propostas próprias, ficando assim integrados no processo das
tomadas de decisões e vinculados a essas decisões.
Em última consequência, a instituição dum conselho nacional das províncias iria
contribuir de maneira decisiva ao melhoramento da imagem do país como destino
saudável e de estabilidade para os grandes investimentos projectados.
(Prof. Dr. ANDRÉ THOMASHAUSEN/Investigador De Política Africana)
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