O escritor moçambicano Mia Couto defende um debate mais
alargado sobre a paz, não só entre os políticos mas também na sociedade civil.
Em entrevista à DW África, fala ainda sobre os escândalos de corrupção no país.
Os moçambicanos vivem ainda uma paz com prazo de validade. O Governo
moçambicano e o maior partido da oposição, a RENAMO, acordaram em cessar as
hostilidades até 4 de Maio. Esta é a terceira trégua consecutiva, algo que
alimenta as esperanças dos moçambicanos numa paz definitiva. Durante a Feira do
Livro de Leipzig, que terminou a 26 de Março na Alemanha, a DW África falou com
o escritor Mia Couto sobre a situação política, o combate à corrupção e a falta
de transparência em Moçambique.
Questionado se faz sentido que o destino do
povo, em discussão apenas entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, não possa
também ser decidido pelo povo, em termos de debate alargado? Mia Couto
respondeu: Acho que Moçambique tem as duas coisas - tem algum espaço de
liberdade democrática. Por exemplo, os jornais que existem no país criticam
abertamente a situação; as pessoas falam. Nunca senti propriamente medo de dizer
o que pensava dentro de Moçambique, o que não é uma coisa muito comum hoje em
dia no mundo. Ao mesmo tempo, acho que há assuntos que deveriam ser mais
debatidos. A paz seria um deles. Mas também entendo que há questões que deviam
ser debatidas no Parlamento, e isso envolveria um terceiro partido político, o
MDM [Movimento Democrático de Moçambique], que se sente excluído da negociação.
É uma coisa esquizofrénica: [a RENAMO] é um partido político e, ao mesmo tempo,
é um exército, com armas. Quando está feliz discute no Parlamento e quando não
está ataca as pessoas e os carros nas estradas. Tudo isso parte de uma base
errada. Agora, quando se trata de discutir questões de uma guerra, como fazer
terminar um assunto militar, também entendo que tem de haver conversações
"fechadas". Sobre os escândalos de corrupção têm abalado o país e
membros das elites políticas têm os seus nomes associados a esses escândalos. A
Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Gabinete Central de Combate à
Corrupção (GCCC) têm mostrado um esforço extra, embora tímido, para esclarecer
alguns desses casos. Essas iniciativas resultam de uma pressão interna e
externa ou trata-se de mera vontade de trabalhar? Mia Couto respondeu: acho que
as duas coisas são verdade. Há uma pressão exterior muito forte. Dentro do
próprio sistema, da própria FRELIMO, [também] há uma posição que pretende que o
assunto seja da responsabilidade de quem o causou, e essa posição foi assumida,
por exemplo, pela bancada da FRELIMO na Assembleia da República – não é uma
coisa tão minoritária assim. E eu estou muito curioso para saber como se
resolve um assunto destes, que realmente envolve compromissos de gente muito
poderosa no país.
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