O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, numa
entrevista ao SAVANA, além de avaliar os primeiros 15 dias da trégua dedois
meses, iniciada a 3 de Janeiro, Afonso Dhlakama fez um prognóstico após os
60 dias e manifestou esperança de um consenso para
um terceiro acordo de paz, que lhe vai permitir regressar a Maputo, e que os
seus membros saiam dos esconderijos.
Como avalia a trégua?
Em termos de cumprimento da trégua, posso dizer
que a coisa está a andar. Não esperávamos que andasse desta maneira, mas está a
andar normalmente, tirando algumas violações, por parte da Polícia, das fademos
(Forças Armadas) e da FIR (Intervenção Rápida) em áreas isoladas. Mas em geral,
em termos de cumprimento, não provocar a Renamo, posso dizer até que, pela
primeira vez, a Frelimo está a tentar cumprir. Se formos a fazer uma comparação
com o cessar-fogo de 1992, quando assinei o Acordo Geral de Paz, com o ex-presidente
Joaquim Chissano, a Frelimo continuou, por quase um mês, ou 35 dias, a atacar
as forças da Renamo. Mesmo quando assinei com o ex-presidente Armando Guebuza, em 5 de Setembro de 2014, os militares
governamentais continuaram a violar, provocar, atacar, mas, desta vez, não
posso mentir, não houve nenhuma posição da Renamo, depois de termos anunciado a
trégua, que tenha sido atacada pelas forças governamentais. Mas há aquelas
violações, em que se rapta um membro da Renamo que está a andar por aí. Isso o
nosso porta-voz do partido, o António Muchanga, já reportou por várias vezes, embora
os comandos provinciais da Polícia, como de Tete e de Manica, andem a
desmentir. Mas isso é verdade, porque o que Muchanga tem dito é aquilo que o
partido reporta e ele, na qualidade de porta-voz, tem reportado aos órgãos de
comunicação social. Posso aqui detalhar. Temos agora, depois
que cessamos fogo, na semana passada, quatro desmobilizados nossos, que saíam
dos distritos de Ile e Lugela, na província da Zambézia, em direcção à base em
Morrotone, portanto, saiam das suas casas desarmados, porque são pessoas civis,
e porque desceram perto duma posição das fademos (FADM) e FIR de Morrotone,
foram raptados e desapareceram até hoje.
E há três dias foram pegos elementos da
população e desapareceram, sendo que neste momento os seus familiares estão à
sua procura, na mesma posição de Morrotone, quase na EN1, perto do cruzamento que
liga Ile à estrada nacional. Aqui mesmo na Gorongosa, tem havido problemas sérios, mas nós temos trégua para
as pessoas andarem livremente. No entanto, aspessoas, a população em geral e simpatizantes da
Renamo, eu não digo até membros da Renamo, quando chegam à vila Paiva (vila da
Gorongosa) para comprar um saquito de farinha, com esta fome e tudo, são investigados.
Perguntam-lhes onde é que levam esta comida, se esse saquito é para entregar a
membros da Renamo, é-lhes arrancado tudo, são espancados, às vezes algumas
famílias desaparecem. Isto é constante nestas zonas de Lourenço, de Nhataca e
de Mucodza, zonas a leste da vila da Gorongosa e está a aborrecer muito a
população. O mesmo acontece na sede do distrito de Tambara, já na província de
Manica, em Nhacolo, em que tem sido também raptadas pessoas, nos bairros. É o
caso de um professor no posto administrativo de Nhacafula, que foi morto por
elementos das fademos (FADM) e da FIR e toda a população viu. Pegaram-no, mataram-no
e o corpo desapareceu. Isto foi-nos reportado já na sexta-feira, da semana
passada. São estas pequenas coisas, que deixam de ser pequenas, porque
preocupam as pessoas e as populações ligam para mim, a dizer “presidente
Dhlakama, afinal você deu trégua apenas para dar livre circulação às pessoas de
negócios, enquanto polícias da Frelimo continuam a proibir a
livre movimentação dos membros da Renamo ou da população, impedem-nos ter contacto com a
Renamo”. Portanto, é este o problema e espero abordá-lo com o Presidente Nyusi,
porque ele havia prometido que daria ordens para parar com essas coisas todas.
Eu quero informar os membros do Governo, sobretudo
a Polícia de Intervenção Rápida, mesmo as Fademos (FADM) e a Polícia da
República de Moçambique (PRM), que esta trégua não foi feita apenas para facilitar
os membros da Frelimo a andarem livremente, ou para as fademos (FADM) saírem de
Maputo para Gorongosa e Nampula de carro. É para toda a gente andar, nisso os
militares da Renamo não podem nem levar armas e ir passar perto da posição das
forças da Frelimo. Porque há trégua, os homens da Renamo podem andar a civil
também daqui para Beira, daqui para Maputo e, se forem apanhados no
machimbombo, não podem ser sequestrados. É que parece que o Dhlakama deu a
liberdade para Frelimo fazer e desfazer e as populações, membros, simpatizantes,
comandos militares da Renamo já não se estão a sentir bem, estão a criticar-me. Questionam- me:
“presidente, afinal o que é isso, nós não podemos andar na estrada, a Frelimo
revista-nos e tudo. Nem podemos chegar numa vila e fazer compras livremente,
afinal esta trégua foi para dar liberdade à Frelimo, enquanto membros da Renamo
são sequestrados”. Portanto, quero apelar para que haja colaboração de facto,
assim como já havia falado com o Presidente Nyusi para que colaborasse. Não
estão a atacar as bases da Renamo, mas esta coisa de continuar a sequestrar membros
da Renamo, lá em Morrotone (Zambézia), em Nhacolo (Tambara), mesmo em Guro e a prender
as pessoas que vão comprar coisas na Gorongosa tem de acabar. Apelo aos
dirigentes da Frelimo, para que tenhamos sucesso no presente e no futuro e
criarmos a confiança. Ninguém quer derrubar a Frelimo, ninguém quer esconder um
do outro, queremos é a paz para todos nós. Que os radicais da Frelimo dêem
liberdade ao Presidente Nyusi, no esforço que ele está a tentar fazer e esperemos
que os mediadores cheguem rapidamente para retomarmos com os pontos que estão
na agenda e possamos concluir o acordo. Há coisas que podem ser concluídas até Março,
mas outras questões podem se arrastar, e também criarmos um ambiente de
harmonia e confiança junto dos parceiros, desde a cooperação internacional,
todas essas dívidas e desconfianças de que Moçambique é um país para se matar. Mas nós não somos bichos,
que andamos no mato a disparar de qualquer maneira. Quero apelar aos irmãos
moçambicanos para que isso termine de uma vez para sempre, para que os
moçambicanos andem à vontade e que os membros da Renamo saiam dos esconderijos, onde estão a fugir dos sequestradores
e comecem a fazer as actividades políticas.
A governadora de Sofala passou a trezentos metros
de mim na Gorongosa, quando foi distribuir alimentos e foi até às posições das
fademos (FADM) ver. Os membros da Renamo estavam a ver e a perguntar o que é
isso, mas eu disse é a paz, deixem. O mesmo aconteceu em Morrumbala, onde o secretário
da Frelimo, juntamente com o comandante provincial, saíram de carro de
Quelimane, passaram por Nicoadala, Zero e tudo, zonas controladas pela Renamo,
com os nossos homens a ver, mas eu ordenei que ninguém disparasse e que quem o
fizesse seria preso. O mesmo aconteceu em Manica, onde saiu de carro, passou de
Chiuala, Honde até Tambara, e dormiu lá e nem um tiro foi disparado. Mas é lá,
em Nhacolo, Tambara, onde a Frelimo continua a sequestrar os membros da
Renamo. Portanto, é isto, sei que não é fácil, mas comece a aprender e a
corresponder também aquilo que a Renamo e o Dhlakama estão a fazer, porque para mim o mais importante é a paz, com
essa paz de 60 dias, até Março, se tudo correr bem, será mais fácil assinarmos
o acordo definitivo e motivar as pessoas.
O que vai acontecer finda a
trégua?
Ao decretarmos essa trégua, pretendíamos, primeiro,
dar paz às populações, homens de negócio para
passarem bem nas vias e também diminuir mortes,
não só mortes provocadas nos ataques e emboscadas, da Renamo contra a Frelimo e
vice-versa, mas também aquela doença que é nova em Moçambique, o sequestro dos
membros da Renamo, outros a viverem no mato com medo de serem sequestrados,
portanto, era para que tudo isso parasse de facto, que experimentássemos a paz
para o
povo moçambicano e isso caiu bem, as pessoas estão
a louvar essa iniciativa e até o povo quer que se prorrogue para além de 4 ou 5
de Março. O que eu posso responder é que essa trégua era para criarmos a paz,
criarmos um ambiente de confiança, para que o diálogo entre a Renamo e o Governo
fosse feito num ambiente da paz, sem stress nas cabeças das pessoas a negociarem
aí em Maputo. Entretanto, não posso já dizer o que vai acontecer depois de
Março, o que eu posso deduzir é que a espectativa de todos os moçambicanos é de ver a paz definitiva.
Estamos a tentar, de facto, que os mediadores internacionais cheguem mais depressa,
para retomarem com os pontos da agenda e o ritmo em que se estava, para ver se até Março
temos atingido ou concluído, não tudo, mas algumas coisas, porque as negociações são exactamente para
podermos criar a paz eficaz, a paz definitiva e não essa paz de 60 dias, de
quarenta dias, até Março. A paz só pode ser encontrada se as soluções forem
encontradas na mesa das negociações, para a democratização do país, que a
Renamo e o Governo da Frelimo entendam as diferenças. As diferenças podem existir, mas que
haja o princípio da democracia, democratizar o país, que as eleições sejam livres, que as Forças Armadas
técnicas e profissionais, a polícia técnica e profissional deixem de atacar as
populações, de atacar a oposição, em particular a Renamo, e que olhemos para o
país como nosso, com o princípio da democracia,
de que o povo é que pode escolher livremente os seus dirigentes. Se isso
for encontrado na mesa das negociações, posso prometer-lhe que a paz permanente
será encontrada em Moçambique.
Os mediadores anunciaram que
só voltariam caso fossem solicitados pelas partes?
Eu acho que estamos a interpretar mal a afirmação
dos mediadores. Nós temos contacto com eles, estamos a falar, pode faltar uma
formalização, mas já não é preciso que se façam outras cartas para convocá-los,
porque são mediadores. É claro que naquela altura saíram do país, houve impasse, um impasse provocado pela parte do
Governo e por Jacinto Veloso que foi dizer que já não era necessário que os
mediadores entrassem no grupo da descentralização e seria criada uma comissão
mista. Criou um mal estar nas pessoas, mas espero eu, e estou a falar com o
Presidente Nyusi, embora não abordamos efectivamente esta questão, que o
Governo indique de facto aqueles que venham, e se calhar alguns podem começar a
chegar no fim desta semana que começou. Portanto, tenho esperança que voltem, o
que eu queria dizer é que não é preciso outras cartas, para os mediadores
voltarem porque não foram expulsos, é claro que o Governo tem de dizer-lhes que
venham, porque não podem entrar ilegalmente, mas continuam a
constar nos termos de referência que são mediadores neste conflito entre a
Renamo e o Governo e quero acreditar que hão-de voltar. Se voltarem de facto, o
formato pode não ser todos na mesma sala a tratar um assunto, vai haver dois grupos, porque isso já não é um segredo. Um grupo
irá tratar do assunto da descentralização da administração do Estado, com
alguns da Renamo e do Governo e os mediadores, e um especialista nesta área da descentralização,
será o subgrupo. O outro subgrupo encarregar-se-á por questões militares, isto é, a questão da defesa e
segurança, também com alguns da Renamo, do Governo e da mediação e um
especialista na matéria militar. Isso vai acontecer, não é segredo, está sendo
falado, é claro que ainda não foram constituídos os grupos, para que de facto
as coisas andem mais depressa.
Nas conversas com o
Presidente da República, sente que ele está comprometido com este processo?
Bom, é uma tentativa. Ele é Presidente da República
e líder da Frelimo. Tem seus planos e tem suas
ideias, e eu sou da Renamo, tenho as minhas estratégias,
também diferentes, mas nós todos somos moçambicanos. O que estamos a tentar fazer
é aproximar as posições e nos conhecermos. Eu não conhecia o Nyusi e ele também não conhecia
o Dhlakama. Dos dirigentes da Frelimo, eu conheci mais o ex-presidente Joaquim Chissano. Falávamos
na altura, a seguir ao Acordo Geral de Paz. Com o antigo presidente, Armando
Guebuza, falamos, mas poucas vezes. Agora, com este, estamos a tentar nos aproximar. Ele também tem dito que quer ser um
Presidente diferente dos outros, porque quer também que a paz venha para ficar, mas, para tal,
é preciso encontrarmos, nós os líderes, aquilo que divide os moçambicanos,
aquilo que tem provocado sempre o conflitob militar e encontrarmos uma solução.
Se nós não nos conhecermos e não nos falarmos, por mais que os nossos
subordinados estejam na mesa das negociações podem não se entender porque os
líderes, cada um tem a sua posição e a marcar passo.
Portanto, é um modelo que
estamos a tentar, para aproximarmos, nos conhecermos, aliás, eu fiz isso com o
ex-presidente Chissano antes do Acordo Geral de Paz em Roma, já falava com ele, em Botswana, Gaberone e mesmo lá
em Roma, quando assinamos o acordo, já nos conhecíamos assim, dessa maneira, e é isso que eu estou a
tentar fazer, estou a falar com ele. Mas não posso esconder, não sei se de
facto irá cumprir, porque ele é membro da Frelimo, foi escolhido pela Frelimo
para ser candidato e eu acho que, às vezes, não pode fugir muito da estratégia e
a cultura da própria Frelimo. Mas pelo menos estou a tentar fazer, porque a paz
é muito importante. E a paz só pode ser permanente, se a Frelimo concordar que
as eleições devem ser livres e transparentes, que o povo deve decidir quem deve governar. Enquanto a
Frelimo continuar a pensar que só cabe à Frelimo decidir quem pode governar, a
paz será difícil de ser alcançada. É preciso democratizar Moçambique. É preciso que as instituições sejam
realmente do Estado, democráticas, que não pertençam ao partido no poder. É isso que estamos
a tentar, nos aproximar. Não é fácil. É um trabalho muito duro e muito complicado.
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