Após
dois anos de Presidência de Filipe Jacinto Nyusi, temos de continuar a dar-lhe
“o benefício da dúvida (…) acho que podemos dar o benefício da dúvida aos que
são mais jovens, os que não venderam o país, mas que têm agora a difícil tarefa
de resgatar o País e a sua dignidade”, afirma Luís de Brito, professor de
Antropologia e Sociologia da Política, chama a atenção para o facto de embora a história mostrar-nos que é impossível
prever futuro, "também mostra que lá onde a insatisfação popular é muito
grande há mais probabilidades de explosões de violência. E nós sabemos que a
insatisfação popular em Moçambique é grande e tem estado a crescer”.
“Em
2015, o Presidente Nyusi disse que não estava satisfeito com o estado da nação
e esse discurso foi bem acolhido na altura porque dava a entender que tínhamos
virado a página do triunfalismo sem base que se vinha manifestando nos anos
anteriores, quando se sabia bem que o crescimento económico não se estava a
reflectir na melhoria das condições de vida da maioria dos Moçambicanos.
Curiosamente, agora, em 2016, o Presidente usou a imagem de que o país estava
firme para enfrentar os desafios. Não disse que o estado da nação estava bom,
nem sequer razoável, mas evitou, com essa fórmula, ter que dizer claramente que
a situação do País está péssima e que os próximos tempos serão difíceis,
sobretudo para a maioria pobre da população, mas também para as camadas
médias”, começa por declarar o professor universitário quando instado a
comentar o segundo discurso sobre Estado da Nação que Filipe Nyusi proferiu em
Dezembro na Assembleia da República.Na
óptica de Luís de Brito, “Embora não se possa dizer que voltou o discurso
triunfalista, nota-se que há uma grande dificuldade em chamar as coisas pelos
seus nomes, e que reconhecer abertamente as dificuldades é qualquer coisa que
não está no ADN da Frelimo. Ora, numa sociedade em que a informação circula
muito mais do que há alguns anos e em que o nível geral de educação está a
subir, essa atitude é contraproducente e provoca uma maior rejeição do poder
por parte dos cidadãos porque eles sabem que a sua vida não está nada firme,
pelo contrário. Então, o que é que significa dizer que o país está firme?”.
Perguntou-se
ao professor da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo
Mondlane (UEM) se, tal como em 2015, continuava a dar o benefício da dúvida ao
quarto Presidente de Moçambique. “Temos que dar o benefício da dúvida, mesmo se
estamos intimamente convencidos que, até agora, os caminhos escolhidos para a
governação do país nos levam para cada vez mais longe do ideal da luta pela
independência”.“Temos
que dar o benefício da dúvida também porque não foi o Presidente Nyusi quem
criou esta crise enorme. Ele herdou os problemas criados pelos outros. E isso
me faz recordar que quando a Frelimo discutia quem deveria ser o seu candidato
presidencial para 2004 e apareceram uma série de "jovens" candidatos,
como Hélder Muteia, Eduardo Mulembwe, etc, esses não tiveram nenhuma chance,
porque apareceram algumas figuras a dizer que os jovens iriam vender o País...
Afinal quem vendeu o País? Portanto, acho que podemos dar o benefício da dúvida
aos que são mais jovens, os que não venderam o país, mas que têm agora a
difícil tarefa de resgatar país e a sua dignidade. Não vai ser fácil”, aclarou
Luís de Brito neste entrevista feita por correio electrónico.
Relativamente
ao poder que Filipe Nyusi não tinha dentro do partido Frelimo, quando assumiu a
chefia do Estado moçambicano, o professor continua a pensar que continua sem
tê-lo. “Claro que, do ponto de vista formal, Nyusi tem todos os poderes. Na realidade, isso não
é bem assim”.“Ele
tem ainda que desenvolver a sua base de apoio, tem que vencer muitas
resistências e interesses instalados no seio do seu partido e do Estado. É por
isso que não sabemos ainda o que se vai passar com o processo das dívidas
ocultas, como e quando é que o país vai voltar a poder contar com o apoio do
FMI e dos doadores. Todas essas indefinições, na minha opinião, mostram que o Presidente
ainda não tem o espaço suficiente para implementar a sua política. Nem em
relação à crise da dívida, nem em relação à guerra interna. Vamos ver o que se
passa no próximo congresso da Frelimo, mesmo se sabemos que muita coisa se joga
fora desse órgão”, disse Luís de Brito, que é também director de investigação e
coordenador do Grupo de Investigação sobre Cidadania e Governação no Instituto
de Estudos Sociais e Económicos(IESE).
Sobre
a guerra, que desde final de Dezembro entrou em tréguas, o nosso entrevistado
afirma que “Não conheço nenhuma guerra que tenha sido resolvida com um
telefonema e não me parece que isso seja possível. Temos uma trégua, o que é
muito melhor do que estarmos no conflito armado, mas ainda não há nenhuma
garantia que as negociações resultem numa paz acordada entre as partes e
definitiva”.Segundo
o professor Luís de Brito, “Já vimos pela experiência que a paz de Roma, de
1992, afinal não era mais do que um adiamento da guerra, embora tivesse podido
ser uma paz definitiva se tivesse havido a vontade e o interesse de todos
nisso. Não sei se em Março vamos voltar a ouvir o canto das armas, espero que
não, mas sei que restabelecer as condições de convivência democrática entre
todos os Moçambicanos é um grande desafio. E em grande parte o problema é: como
se pode fazer a democracia sem democratas e como se pode edificar um Estado
democrático sem cidadãos? É quase como querer fazer a omelete sem ovos. Vamos
então esperar que a galinha ponha os ovos rapidamente”.No
que a crise económica diz respeito, particularmente sobre o custo de vida que
já estava insustentável quando Nyusi assumiu o cargo, e tornou-se muito pior
desde então, o professor da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM
declara que “a situação continua explosiva”.
“O
facto de as pessoas irem sobrevivendo e enfrentando todas as dificuldades e
aumentos do custo de vida não significa que o problema esteja resolvido. O
problema continua e até se vai agravando. Por isso em qualquer momento pode
acontecer a explosão. Isso não quer dizer que seja inevitável. Quer dizer
apenas que as condições para isso acontecer estão todas reunidas”, explicou.Além
disso, “A miséria vai aumentando, o povo vai apertando o cinto, mas a revolta
está lá. Se a ocasião se proporcionar essa revolta vai-se exprimir. Pode ser
uma expressão violenta, como já vimos no passado, mas também pode ser uma
expressão de uma forma cívica e pacífica nas eleições, o que seria o cenário
ideal”.“Também
podemos ter violência pós-eleitoral de novo, se as eleições não decorrerem de
forma satisfatória. A história mostra-nos que é impossível prever futuro, mas
também mostra que lá onde a insatisfação popular é muito grande há mais
probabilidades de explosões de violência. E nós sabemos que a insatisfação
popular em Moçambique é grande e tem estado a crescer”, prognosticou o
professor Luís de Brito.
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