quarta-feira, setembro 30, 2009

Só depois do caldo entornado

(Editorial/Jornal Noticias 30/9/09) PARECE que subitamente e num acto mágico foi encontrada a malta de irresponsáveis, insensíveis, antidemocráticos retrógrados, que nunca viu, nem sofreu guerra nenhuma e que sem inteligência, sem escola alguma, colectivamente deseja o conflito a todo o custo e a instabilidade generalizada no país. São eles, todos os Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional e todos os responsáveis da Comissão Nacional de Eleições e do STAE. E, por mais incrível que pareça, paradoxalmente, a fórmula que eles encontraram para desfrutar de tais objectivos é defender um Estado de Direito, uma situação jurídica ou um sistema institucional no qual cada um é submetido ao respeito do Direito, do simples indivíduo até a potência pública, no qual os mandatários políticos são submissos às leis promulgadas.É evidente que uma proposição do género se afigura como sendo um descomunal absurdo. Mas é, infelizmente, esta mensagem que insistentemente e de forma ardilosa alguns círculos e opinadores residentes em determinados espaços públicos e em chancelarias falaciosamente tentam fazer passar. Não discutem o cerne da questão. No lugar da lei e procedimentos discutem política, política conveniente. Quando a aplicação da lei está correcta, ou está em causa, mesmo considerando interpretações diferenciadas, recorre-se a sofismas e teorias conspiratórias para diabolizar os órgãos eleitorais. Seguramente, o acto que se segue a partir de ontem é, igualmente, a diabolização do Conselho Constitucional, com toda a carga de adjectivação negativa possível, porque segunda-feira, no cumprimento escrupuloso da lei, decidiu, por unanimidade, dar, no geral, razão à CNE e chumbar as reclamações dos partidos parcial ou totalmente excluídos da corrida eleitoral. Preocupa-nos profundamente este cenário por duas longas razões fundamentais.Em primeiro lugar, porque na base do que acima descrevemos nos parece que estranhamente a CNE e o CC foram induzidos ao extremo dum erro de princípio Doadores, legisladores e intelectuais fizeram sempre uma clara enunciação de que o Estado de Direito era o substrato incondicional que deveria nortear o funcionamento destes órgãos. E, consequentemente, lá foi o Conselho Constitucional chamar a si a jurisprudência que consta do acórdão número 09/CC/2008, de 13 de Novembro, como sua bandeira racional e objectiva para um estado de direito eleitoral e assim analisar os recursos dos partidos.Diz o seguinte: “A estrita observância da legalidade constitui uma das garantias essenciais à transparência do processo eleitoral. A legislação eleitoral, quando regulamenta ou disciplina, quer as candidaturas, a participação dos partidos políticos, dos grupos de cidadãos ou de eleitores, quer a actuação da CNE na supervisão dos actos eleitorais, quer ainda o exercício das competências do Conselho Constitucional no domínio do contencioso e na proclamação dos resultados eleitorais, é sempre orientada pelo princípio da prevalência do interesse público. De tal sorte que nada nesta regulamentação ou disciplina legal é deixado ao critério ou livre arbítrio dos actores ou dos órgãos referidos, salvo quando a lei expressamente o permite. Por isso, toda a actuação que não obedeça ao que está previsto ou é imposto nessa regulamentação e disciplina, e passe a orientar-se por critérios casuísticos e subjectivos de conveniência ou de oportunidade, estranhos à letra e ao espírito da lei, prejudica os princípios de objectividade e igualdade de tratamento que devem prevalecer ao longo de todo o processo eleitoral, potenciando ilegalidades, mais ou menos graves, reversíveis ou irreversíveis”. Na época, este puxão de orelhas e crítica justa e dura do CC aos Órgãos Eleitorais foi um sucesso. Foi aplaudida pelos doadores, observadores e pelos mesmos círculos intelectuais que hoje diabolizam a CNE e que tentarão diabolizar o CC. Os mesmos, hoje pedem, exigem, chantageiam implicitamente para que a “sabedoria”, a “inclusão”, mesmo quando incompatíveis com a lei, prevaleçam sobre ela. Interessante isso, porque nos conduz a uma pergunta que é ao mesmo tempo a nossa segunda questão.

Por que será que hoje tanto se pede para se atirar ao lixo tão aplaudida jurisprudência?

Demos várias voltas para negar esta resposta, porque ela é no global injusta para muitos candidatos e partidos. Mas ela é inevitável. É o seguinte: toda esta bagunça, e não temos dúvida sobre isso, nada ou quase nada tem a ver com o resgate de Raul Domingos e o seu PDD ou com Sibindy e o seu PIMO ou com o “resto”. Se assim fosse, toda a recusa e romaria contra a citada jurisprudência teria, obviamente, começado na altura em que foram excluídos os candidatos presidenciais. Toda esta falaciosa celeuma tem a ver, sim, com um certo partido por eles eleito. Eleito por círculos que não mencionamos, por razões que o tempo se encarregará de revelar. Só um distraído ou um incauto acredita no simplismo evocado, da “inclusão, do “perigo da guerra e da imparcialidade” que deva passar uma borracha nos procedimentos e na lei eleitoral, independentemente do risco que disso derivará aos actos eleitorais que se seguem.
Finalmente: uma leitura atenta dos acórdãos do Conselho Constitucional alerta-nos para uma realidade profundamente triste. Os partidos políticos e candidatos continuam a tratar a lei e procedimentos eleitorais como muitos de nós lidamos com os manuais electrodomésticos: Só e só os lemos e compreendemo-los depois das avarias.

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