sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Pobreza dá dinheiro

Em Moçambique, a pobreza é usada como um meio pelo qual o Governo atrai recursos externos. É o economista Professor Carlos Nuno Castel-Branco que o diz. Disse-o em palestra proferida em Maputo.Aquele economista diz que a dependência externa tem laços políticos fortes e tendem a não ser produtivos. Citando estudos do IESE feitos com base em informações disponibilizadas pelo próprio Governo, Castel-Branco disse que a dependência externa para financiar o Orçamento do Estado (OE) e o investimento privado e os níveis de pobreza, medidos pelos níveis de consumo de cidadãos, não tem baixado.Castel- Branco revelou, que nos últimos 14 anos o PIB per capita em Moçambique duplicou, crescendo normalmente a uma média anual de 5%. Mas a percentagem de população vivendo abaixo da linha de pobreza diminui apenas 15%, a uma taxa inferior a 1% ao ano. Nos últimos seis anos, o número de habitantes vivendo abaixo da linha de pobreza aumentou em dois milhões. A percentagem da população pobre não variou significativamente. Mas em algumas regiões e outras camadas sociais, a vulnerabilidade da pobreza aumentou. No mesmo período, as taxas de crescimento do PIB não diminuíram, e a desigualdade na distribuição da riqueza não tem aumentado. Depois de descrever este cenário nada confortável da economia moçambicana, Castel-Branco questionou o facto de a economia medida pelo PIB crescer tão rápido, perante a não alteração da desigualdade monetária medida pelo coeficiente de Gini. “Porquê é que a pobreza medida pelos padrões de níveis de consumo de cidadãos não reduziu?”. Segundo Castel-Branco, a dependência do financiamento privado em relação ao financiamento externo manteve-se na ordem dos 85%. A proporção do investimento directo nacional no investimento privado total diminui para níveis irrisórios. O orçamento do Estado manteve- se em grosso modo financiado em mais de 50% pela ajuda externa. Citando dados do Governo, aquele economista e investigador disse que, excluindo os mega-projectos, a taxa de cobertura das importações de Moçambique, isto é, a capacidade de a economia pagar pelas suas importações, manteve- se abaixo de 40%, o que quer dizer que a economia consegue pagar com as suas exportações apenas um dólar em cada dois dólares e meio que importa. Ora, se os mega-projectos forem incluídos, a taxa de cobertura das importações sobe para 75%. Mas, segundo Castel-Branco, este dado é enganador porque os mega-projectos financiam as suas próprias importações, e a riqueza que produzem não é absorvida pela economia nacional, e não contribuem para a capacidade geral de importação. Sobre a base tributária, Castel-Branco voltou a atacar a frescura dos mega- projectos. De acordo com aquele economista, a estrutura fiscal moçambicana é desligada das dinâmicas de produção, ao que as principais fontes de aumento de receita fiscal são os impostos indirectos sobre os bens e serviços e a melhoria da administração fiscal. Esta última modalidade, segundo explicou, permite crescimentos marginais na receita, mas a taxas aceleradamente decrescentes. A primeira modalidade penaliza os consumidores, o que implica penalizar mais consumidores de baixo rendimento. Castel-Branco não tem dúvidas que “as dinâmicas fiscais de Moçambique são débeis, afuniladas e inadequadas para diversificar a base produtiva e o emprego, e são socialmente injustas”. Disse que a tributação do capital multinacional é a melhor forma para mobilizar recursos domésticos de forma que reduza a dependência externa e ajude a reter uma proporção cada vez maior da riqueza produzida pelos recursos nacionais de modo a utilizá-la para diversificar e articular a base produtiva. Assim, segundo o economista, para aproveitar a enorme reserva fiscal é preciso negociar contratos com os mega-projectos e alterar a estrutura de incentivos à produção de modo a que “o incentivo de redução do custo de investimento, de produção e transacção se torne a norma e os incentivos fiscais a excepção”, disse Castel-Branco.“As razões pela não tributação dos mega-projectos ou pela resistência da não renegociação dos seus contratos têm a mesma base social e política pela opção do endividamento público como alternativa para o financiamento do Estado”, afirmou para depois atacar a função a que o Estado moçambicano está votado. “A função principal do Estado moçambicano hoje é facilitar o processo de apropriação de recursos naturais e acumulação do capital das classes capitalistas emergentes em estreita relação e, por vezes, em completa dependência das dinâmicas do interesse do capital multinacional. A não tributação do capital mantém estável a relação entre elites económicas e políticas nacionais e o capital multinacional. Mesmo que a médio prazo esta opção perigue as relações políticas e a estabilidade política e social domésticas”, considera o cientista.Para Castel-Branco, a dependência externa é à semelhança da pobreza “uma manifestação do padrão de acumulação e dos interesses dos grupos que o estruturam e o dominam, ao que a dependência da ajuda externa não é apenas o reflexo da fraqueza económica”. De acordo com Castel-Branco, os estudos que vêm sendo levados a cabo pelo IESE têm concluído que a pobreza e a dependência não são o problema central em Moçambique, mas um problema mais ligado às manifestações sociais, económicas e políticas do padrão de acumulação e do comprometimento do Estado aos interesses do grande capital internacional. “Logo, o problema central é esse padrão de acumulação de capital”. Diz que focar a luta social e política e económica no combate à pobreza e à dependência sem as definir nem as explicar é desviar essa luta daquilo que deve ser o seu foco central: o padrão de acumulação, reprodução e apropriação dos recursos de trabalho e das riquezas por ela gerada. Para Castel-Branco, o crescimento económico defendido pelo Governo não é a grande solução, pois se os actuais padrões de acumulação se mantiverem o crescimento económico só vai expandir a riqueza, a porosidade, a pobreza e a dependência. Além disso, é duvidoso que, com o actual padrão de acumulação, esse processo de crescimento possa continuar sem gerar uma crise macroeconómica e social. (Matias Guente)

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