quinta-feira, junho 25, 2015

40 anos de vitorias e desafios

Resultado de imagem para A Rainha Elizabeth IIA Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, manifestou a sua alegria em ver o desenvolvimento que Moçambique conquistou desde o período da independência até ao presente.Numa mensagem escrita pela Rainha Elizabeth II dirigida ao povo moçambicano, por ocasião da passagem do quadragésimo aniversário da independência do país, consta que os moçambicanos devem manifestar orgulho por terem alcançado o actual desenvolvimento.“Os moçambicanos podem se sentir orgulhosos do desenvolvimento da nação desde a independência”, lê-se na mensagem dirigida ao presidente da República, Filipe Nyusi, e ao governo moçambicano.
O país celebra esta Quinta-feira 40 anos da independência, que conquistou do estado português, e as cerimónias oficiais vão se realizar na capital, Maputo.A nota da Rainha Elizabeth frisa que, durante os 40 anos, ambos países “construíram ligações fortes e espero que estas perdurem por longos anos”.A mensagem termina desejando sucessos ao povo moçambicano, “Eu gostaria de transmitir os meus melhores votos de felicidade, segurança e prosperidade ao povo moçambicano”.

Des-partidarização

As delegações de governo e da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, assinaram, em Maputo, a Declaração de Princípios sobre a Despartidarização da Administração Pública, acto que marcou o culminar dos consensos alcançados em torno desta matéria entre as partes.

A Declaração, rubricada pelos chefes das duas delegações no diálogo político, José Pacheco e Saimone Macuiana, respectivamente, estabelece algumas medidas adicionais para eliminar o que as partes consideram de “percepções sobre a partidarização do Estado”.

Assim, o documento defende a introdução de um sistema de concurso e sua publicitação em todas as principais fases (lançamento, apresentação de candidaturas, apresentação do júri, selecção e anúncio dos resultados) para os secretários permanentes provinciais e distritais, chefes de postos administrativos e presidentes das localidades e de povoações.

O mesmo procedimento é extensivo aos \presidentes dos conselhos de administração de empresas públicas ou participadas pelo Estado, presidentes do Conselho de Administração ou directores gerais dos fundos públicos.

À luz da Declaração, é proibido o desconto por via de retenção na fonte de salários de funcionários e agentes do Estado para quaisquer fins, excepto nos casos previstos na lei, bem como a participação activa em actividades político-partidárias de reitores das universidades públicas e gestores públicos, funcionários e agentes do Estado durante as horas normais de expediente.

No local do trabalho, de acordo com o documento, a ser submetido ao parlamento, a Assembleia da Republica (AR), o servidor público não deve promover as actividades político-partidárias, uma proibição que abrange igualmente os magistrados, embaixadores e membros das Forças de Defesa e Segurança.

Defende ainda o reforço dos mecanismos de reconhecimento dos titulares das autoridades tradicionais pelo Estado segundo o direito costumeiro e que a sua legitimação observa unicamente a linhagem familiar.


O documento também propõe a revisão das atribuições, competências, organização e funcionamento do Conselho Superior da Comunicação Social, assim como estabelecimento de uma comissão de monitoria da despartidarização do Estado a ser criada pelo parlamento e que será composta por representantes do governo, partidos políticos com assento parlamentar e a sociedade civil.

Comercio intercultural

Resultado de imagem para ilhas quirimbaA Universidade Eduardo Mondlane, a mais antiga instituição de ensino superior em Moçambique, em coordenação com o Governo espanhol vai realizar uma investigação sobre o comércio intercultural suaíli na ilha das Quirimbas, durante o primeiro milénio ao longo da costa da província de Cabo Delg interado, norte de Moçambique. Segundo a agência “LUSA”, citando Marisa Ruiz-Galvez, investigadora espanhola, o objectivo principal é investigar como foi o processo comercial suaíli na região, analisando as influências culturais que os povos autóctones sofreram.  “Seria muito interessante percebermos como funcionavam as sociedades indígenas, tanto na costa como no interior”, disse Jorge Torres, catalogador, acrescentando que “e, tendo em conta que estas especificidades nunca foram estudadas em Moçambique, achamos que é um campo muito fértil para ser explorado”. As pesquisas preliminares feitas por arqueólogos locais indicam que existem elementos importantes nas zonas costeiras do norte de Moçambique e que podem ser exploradas. “Antes de mais, se realmente existem tais artefactos, precisamos saber de que período são, porque nós estamos interessados principalmente no primeiro milénio e no processo de formação dessas sociedades”, afirmou Jorge Torre. De acordo com os pesquisadores, a escolha de Moçambique para a pesquisa está relacionada com o facto de o país ser pouco explorado ao nível de estudos arqueológicos, principalmente no que diz respeito ao comércio suaíli na zona norte. O comércio intercultural suaíli vigorou por volta do século VI, na zona costeira do território moçambicano, principalmente no norte do país.

sexta-feira, junho 19, 2015

Nacionalização: Um desrespeito ao potencial económico

Não foi só a guerra que atrasou Moçambique, mas sim as políticas e medidas económicas é que tornam a economia quase falida e mantiveram a maioria da população abaixo da linha da pobreza. “Na primeira década de independência, o novo Estado Soberano, na tentativa de corrigir as políticas económicas anteriores, fracassou ao optar por uma via revolucionária radical e regressiva”, diz António Francisco, director da investigação, no Instituto de Estudos Sociais e Económico (IESE), e propõe que o Estado corrija a sua estratégia de crescimento económico, como o recurso exagerado à poupança externa para substituir em vez de complementar a poupança interna. 
Resultado de imagem para António Francisco maputoA nível político, Francisco considera que a maior carência é a falta de instituições políticas inclusivas e participativas, e em particular, de partidos políticos realmente progressistas. No seu entender, a Frelimo tem sufocado os mecanismos inclusivos de geração de riqueza, “mecanismos que funcionam em todo mundo que se desenvolve e progride”, e em vez de proteger o cidadão e os seus bens, o Estado preocupa-se mais em competir com ele e controlá-lo, teima em manter a nacionalização da terra, privando os cidadãos dos seus recursos para gerarem acumulação de capital.

Qual a radiografia que faz da economia urbana rural, depois da independência?
António Francisco (AF): Aqui tem dois aspectos. Desde a independência a relação urbana – rural teve dinâmicas económicas e políticas específicas. Quando Moçambique ficou independente vinha consumimdo mais do que produzia, mas estava a criar algumas ligações produtivas entre o meio urbano e rural. O rural estava sendo estruturado para gerar uma produção comercial.Os sistemas e fluxos rurais-urbanos criados no período colonial foram quebrados e substituídos por mecanismos menos eficientes e eficazes. E porquê? Porque se acreditou que a lógica do modelo de sociedade alternativo iria substituir a produção privada por uma produção estatal e colectivizada. Sim, os colonos e muitos moçambicanos, chamados “assimilados”, que faziam a comercialização rural e serviços liberais abandonaram o país, mas não foi tanto por não aceitarem a independência. Foi porque não aceitaram o radicalismo revolucionário socializante alicerçado na nacionalização da terra, das profissões liberais, advocacia, medicina, educação, e da habitação para rendimento, entre outras.Portanto, olhando em retrospectiva, acho incorrecto fingir-se que a opção política escolhida foi uma inevitabilidade, ou uma imposição, uma fatalidade, em vez de uma escolha consciente da nova liderança política. Falhou? Então, reconheçamos isso com franqueza; de outro modo, o fingimento e a desonestidade sobre o nosso passado em nada ajudam a melhor as políticas actuais. O mais importante foi a concepção de sociedade, de estruturação da economia nacional numa perspectiva centralizadora, intervencionada, estatizante, mas que depressa mostrou-se economicamente inviável. Esta visão aconteceu num ambiente internacional ainda de guerra fria, ideologicamente dividido, mas não podemos escamotear o projecto ilusório da Frelimo revolucionária, ao querer estender a alegada “experiência das zonas libertadas” a todo o país, como gostava de declarar Samora Machel. Olhando para trás, o importante a reter é o seguinte: Até à independência consumia-se mais do que se produzia, mas depois de 1975 passamos a consumir ainda mais, enquanto a capacidade produtiva regrediu e piorou. Fomos incapazes de esboçar uma estratégia de crescimento económico alternativo, um problema que persiste até hoje.

O que falhou?
AF: Falhou a visão utópica e radical da estratégia de crescimento supostamente alternativa que seguiu na altura. A estratégia de crescimento económico continuou a depender da poupança externa, tal como vinha acontecendo no período colonial. Pior ainda, aumentou-se a dependência da poupança dos outros, mudando apenas de actores ou fornecedores da poupança externa (ajuda e investimento directo estrangeiro). Por outro lado, com a opção pelo controlo administrativo dos mecanismos de mercado, como seja os preços dos produtos principais, salários, taxas de juro e taxas de câmbio, sufocamos os mercados produtivos. Por volta de 1984 o país estava economicamente falida ou na bancarrota.

A guerra que se seguiu após a independência, não explica essa paralisação?
AF: Explica o agravamento da crise económica e sobretudo social, principalmente porque tornou-se uma guerra civil devastadora, mas não é correcto dizer que foi por causa dela que tivemos a crise económica. Se fosse, porque é que depois do “acordo de paz” de 1992, os defensores do socialismo científico viraram-se para a economia capitalista em vez de insistirem no socialismo que alegam ter sido bloqueado pela guerra? Não, o próprio modelo de crescimento preconizado inicialmente revelou-se economicamente inviável. Não reconhecer isso é simplesmente insensato, ou pior, intelectualmente desonesto.Considerando o quadro industrial Moçambicano e as medidas sociais dos últimos Governos  (reajuste do salário mínimo, acesso a crédito, acesso à universidade, aos sete milhões), porque Moçambique continua abaixo da linha da pobreza? E como interpreta as medidas dos mesmos Governos?

AF: O processo de recuperação de economia, por via da revitalização do mercado, não foi melhor porque o Estado deixou de ser socializante, mas nunca deixou de ser intervenciota e controlador, mais preocupado em controlar os recursos do que estimular a iniciativa e liberdade dos cidadãos.
Qual é o resultado da transição económica que vivemos nos últimos 30 anos? Edificamos uma caricatura muito feia de economia de mercado capitalista, que alguns chamam de “capitalismo selvagem”, mas que eu designo mais uma economia de bazar ou bazarconomia. Claro, mercado é bazar, mas uma economia de mercado capitalista sem regras de funcionamento funcionais e sobretudo produtivas não é um bazar.

 “Sete milhões”?
 Estado não deve competir com os bancos.Passamos a funcionar numa economia de bazar crescentemente informalizada, em que o Estado irresponsabiliza-se de suas funções básicas, principalmente em termos de administração pública, visando garantir a formalização e reduzir a informalidade.Tivemos a experiência dos chamados “sete milhões”, nos distritos, supostamente para gerar riqueza, mas a função do Estado não é concorrer com as agências financeiras ou com os bancos. A função do Estado seria proporcionar condições para que o cidadão e o privado produzam. Criando condições para as pessoas se registarem, se sentirem seguras na praça pública, se organizarem e melhorarem a sua mobilidade e actividade quotidiana. Para mim o Estado só serve para duas coisas: ou facilita ou dificulta.

E o nosso?
AF: O nosso em muitos casos não facilita. A função do Estado devia ser proteger o cidadão e a propriedade. Quando o Estado não entede isto, passando a competir com o cidadão, é muito problemático. Hoje temos ainda muitos conflitos de terra porque o Estado reivindica ser dono dela, em vez de agir para garantir, proteger e registar os direitos dos primeiros ocupantes e reais proprietários privados e comunitários.

Como é que se caracterizam essas limitações dentro das comunidades?
AF: Temos um exemplo concreto das autarquias locais, embora recentemente se tenha inventado essa coisa chamada de “províncias autónomas”. Em 2008 publiquei um pequeno texto no qual questionei a violação do direito constitucional dos cidadãos em não elegerem seus dirigentes locais.
Não se investe na tolerância política, num ambiente de competição política saudável, os únicos lugares onde surgiram espaços de alguma tolerância foram nas autarquias, mas a opção pelo chamado gradualismo, reduziu as autarquias locais a uma minoria. Durante vinte anos passamos de quarenta e três (43) autarquias para 53. São autarquias principalmente urbanas ou semi-urbanas, enquanto os rurais continua no partido único, como cidadãos de segunda classe. Se mantivermos este ritmo de autarcização vamos precisar de 100 ou 120 anos para completar a autarcização do país? Não tem sentido. Que gradualismo é esse? Alegam que não há condições financeiras? Para exercer a democracia e a descentralização não podemos alegar falta de condições financeiras ideais.

Qual é a estratégia que Moçambique precisa seguir para reduzir de forma significante a dependência externa?
AF: Eu considero Moçambique um país quase falido, mas não falhado. Quasi-falido porque o Estado é profundamente deficitário e mantem a sua funcionalidade principalmente com a poupança externa, nomeadamente a ajuda externa, o que lhe permite evitar a falência ou mesmo o Estado Falhado. Se você olhar as classificações das agências de notação de crédito (rating), Moçambique é classificado “junk”; ou seja, “lixo”, do ponto de vista financeiro, por ser altamente especulativo. E o Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que temos um crescimento económico robusto, não é? Sim, é um crescimento robusto, mas esquece-se de dizer... no “lixo”!
Você não vê o Banco Mundial ou o FMI a dizerem ao Governo, “ vamos criar um plano para libertar o país de B (especulativo) e tornar-se um país A (de investimento) ”. Afinal de contas, Moçambique é soberano, para escolher sua estratégia de crescimento especulativo e uma de crescimento produtiva.
Desde 1984, ano em que o FMI foi convidado a socorrer a economia numa bancarrota iminente, nunca mais saiu. Você vê Portugal e outros países da zona Euro a querem libertar-se o mais depressa possível da Troika. E aqui? Vimos o oposto. Coisas como a famosa EMATUM fazem parte do carácter especulativo e mau uso da poupança mobilizada dos outros países.

Qual é o caminho para reduzir a dependência externa?
AF: Tem que promover sua própria capacidade produtiva, sua base de acumulação de capital e poupança nacional.É claro que com gás, petróleo e carvão você consegue algum dinheiro. Mas aquela população que não depende da ajuda externa, porque também não vai participar nesses projectos de recursos naturais, precisará de um modelo diferente para se capacitar, melhorar sua produtividade, sua produção e seu padrão de vida.

Políticos moçambicanos sem visão económica?
AF:Do ponto de vista político, considero que grande problema e desafio que Moçambique tem é não ter um único partido verdadeiramente progressista; tem partidos distribuicionistas, consumistas. Partido progressista no sentido de estimular iniciativas, desenvolver a produção, preocupado com empreendedores, realmente não temos. A Frelimo, a Renamo e o MDM não são progressistas; distribucionistas e consumistas.A Frelimo foi ou auto-proclamava-se “progressista”, no sentido da dicotomia esquerda-direita, em que o “revolucionário” se considera o mais progressiva do mundo. Tal revolucionarismo revelou-se muito regressivo e anti progressista, do ponto de vista de desenvolvimento económico.

O que seria uma atitude progressista?
AF: Ser progressista, na perspectiva que estou a considerar, é promover a iniciativa individual, o empreendedorismo produtivo, a produtividade e a capacidade produtiva; promover o progresso efectivo.Qual é a grande disputa entre a Renamo e a Frelimo? Distribuir os recursos disponíveis. O processo de acumulação que se intensificou nos anos passados está muito concentrado e não é partilhado. Mas quando se fala de distribuição da riqueza não estão a falar de acumular para produzir mais, mas sim distribuir a riqueza gerada para consumir mais no imediato. Ora, o processo de distribuição inclusiva precisa de começar no sector produtivo, em vez de circunscrever-se à distribuição do pouco que produzimos.

Estas expectativas positivas apresentadas pelo Governo, num país que ainda está em crise política devem ser levadas a sério?
AF: Se você considerar que o produto Interno Bruto (PIB) per capita é em media 40 meticais, por dia e por pessoa, a contribuição rural não deve passar de dez meticais. Trinta (30) meticais provenientes principalmente de infra-estruturas, mega-projectos, serviços financeiros, enquanto nos restantes dez meticais são que se concentram os 80% da população moçambicana. Sim senhor, a economia está a crescer a uma média anual de 7%, mas quem gera estes 7%? Talvez menos de 15% ou 20% da população que está envolvida nessa economia de elevado crescimento. E os outros 80%? Estão na estagnação, estão na subsistência, estão na precariedade, e vivem assim desde a independência.

Há economistas optimistas, que apontam Moçambique como um país promissor pelos seus recursos naturais. Nessa expectativa, quais são as razões e as políticas económicas adoptadas hoje e que possibilitam o resultado apontado por estas projecções a longo prazo?
AF: Parte desse optimismo deriva da expectativa de uma opção de investimento em sectores altamente lucrativos. Ser optimista é reconhecer que todos os males e falhas são causados por um conhecimento insuficiente, buscando maneiras efectivas para melhorar.Estão ao mesmo tempo muito preocupados com a divida pública; mas eu acho que a divida pública é inevitável, precisamente por causa da estratégia de crescimento escolhida. O endividamente público é inevitável quando se opta por crescer com poupança externa. Foi assim em 1984, o que nos levou a entrar no FMI. Foi assim em 1999, o que nos levou ao pedido de perdão da dívida e ao PARPA. Acho que vai ser assim dentro de 4 ou 5 anos.

É possível diferenciar a política económica da presidência de Filipe Nyusi daquela implementada pelos seus antecessores Armando Guebuza e Joaquim Chissano?
AF: Por enquanto, acho difícil diferenciar. Mas há uma coisa interessante no novo Executivo. Pela primeira vez deixamos de ter um Ministério de Plano. Finalmente! O Governo nunca se preocupou em planificar mas sim em intervir e controlar. Numa economia de mercado você não planifica o mercado, mas planifica para o mercado.Por outro lado, Nyusi também reduziu alguns ministérios, mas não reduziu o suficiente, nem sei se vai conseguir traduzir tal redução em menos despesas públicas. Um terceiro aspecto é que Nyusi está a herdar uma situação financeira complicada, porque penso que os limites de endividamente devem estar esgotados. Não sei se ele já sabe bem qual é realmente a factura que herdou de Guebuza. Suspeito que seja bem gorda. E aí, a margem de manobra, mesmo para manter a mesma estratégia, não vai ser fácil.  O optimismo cego da governação de Guebuza precisa de ser revisto e substituído por um optimismo racional e mais saudável. Se Nyusi recorrer ao optimismo cego acabará por também acreditar que pode fazer o que quisesse que no final nada acabará mal. Sabemos como Guebuza se enganou a esse respeito; todos vimos como aconteceu a mudança da liderança na Frelimo.Só podemos crescer se tivermos uma atitude positiva para com a crítica. Nyusi tem um espírito mais afável, mas vamos ver se será capaz de lidar com a crítica de forma positiva e construtiva. Não sei como acabará essa coisa das autarquias provinciais, mas se não for por essa via tem que haver algo que harmonize a actual administração pública, que harmonize as vontades diversas dos cidadãos, em vez de prolongar a confusão existente actualmente.

Como deveria ser essa harmonização?
AF: Garantindo o direito aos cidadãos a escolherem os seus representantes locais, em todo o país. Por exemplo, essa coisa de conselhos consultivos é brincadeira, ou pura manipulação política; uma forma falsa e fingida de dar às pessoas espaço para opinar, mas no final é administrador (nomeado e não eleito) quem decide como quer e convém a quem o nomeou. Porquê o administrador não é eleito? Porquê temos conselho consultivo e não deliberativo? Isto é tratar o cidadão como cidadão de “segunda classe”. (Nelson Mucandze/JOrnal DEBATE)

quinta-feira, junho 18, 2015

Turismo, falando dele

As transacções no sector do turismo em Moçambique estão a sofrer uma acentuada queda nos últimos meses. Segundo a AVITUM (Associação de Agentes de Viagens e Operadores Turísticos de Moçambique), liderada por Noor Momade, as receitas do sector baixaram em quase todos os principais serviços relacionados, nomeadamente nas passagens aéreas domésticas e internacionais, alojamentos, transferências turísticas, aluguer de viaturas, excursões, conferências e seminários Citado por “O Nosso Jornal”, Noor Momade diz que o sector do turismo não está a progredir, pelo menos ao ritmo dos investimentos realizados no sector, e apela ao Governo para uma intervenção neste sector da economia, sugerindo a facilitação da emissão de vistos de fronteira, à semelhança do que acontece em alguns países da SADC. O presidente da AVITUM aponta ainda a necessidade de redução das tarifas dos voos domésticos e  o aumento da sua frequência para estimular a mobilidade de turistas dentro de Moçambique e para desenvolver o sector. A AVITUM tem actualmente 62 membros. O presidente da Associação não indica dados sobre a degradação do sector e nem dá explicações sobre as razões por detrás da queda. Mas há quem considere que o presente fracasso do sector do turismo em Moçambique tem a ver com a instabilidade política no país, caracterizada por confrontos militares entre o Governo e a Renamo. Já houve encerramento de várias instâncias, incluindo em regiões consideradas como sendo de alguma segurança. (E.C)

850.............dólares!!!!!!

A EMATUM (Empresa Moçambicana de Atum) – o negócio mais nebuloso alguma vez feito em nome do Estado – voltou a ser assunto de debate, ontem, na Assembleia da República e, como sempre, pelas piores razões. Falando durante a sessão de debate da Conta Geral do Estado referente ao exercício económico 2013, o deputado pela bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique Venâncio Mondlane disse que é hora de a Procuradoria-Geral da República deter o antigo Presidente da República, Armando Guebuza, e o seu ministro das Finanças, Mauel Chang, para que possam ser responsabilizados. A EMATUM foi criada por Armando Guebuza, Manuel Chang e Filipe Nyusi (na altura ministro da Defesa). Os três endividaram o Estado na compra de 30 barcos no valor de 850 milhões de dólares, numa encomenda que se diz que incluiu material bélico.
A empresa está insustentável, pois o Governo não está a conseguir pagar a dívida aos franceses e vai partir para a renegociação com o estaleiro onde encomendou os barcos. A previsão para o início do serviço da dívida é Setembro. Mas não há condições, e a dívida está a ter influências na derrapagem financeira, e o Estado deverá intervir directamente, emitindo uma dívida soberana de longo prazo.
Na Conta Geral do Estado, o Governo não esclarece o assunto EMATUM com detalhes. A dívida externa de Moçambique, no período 2009 a 2013, cresceu 50%. Deste crescimento o peso específico com a dívida da EMATUM é de 80%. Segundo Venâncio Mondlane, o escândalo “atingiu o ponto mais alto” e, “de facto, alguém no fim deste processo, tem que ser preso”. Venâncio Mondlane diz que, ao olhar-se para a taxa de juro, que é de mais de 6%, “só pode ser algo comparável a uma escandalosa e criminosa agiotagem”.
“Fazemos apelo a todos os moçambicanos e a todos os deputados, que temos que chegar ao fim da interminável impunidade e esfaqueamento do Estado”, disse Mondlane.

“Face a este escândalo, recomendamos à PGR, que torna arguidos académicos, jornalistas e editores, que se faça exemplar face a esta matéria e que mande prender imediata e preventivamente o antigo Presidente da República, Armando Guebuza”, declarou Venâncio Mondlane. E pede mais: “Que faça um ofício à Comissão Permanente da Assembleia da República para que se levante a imunidade do nosso colega, o candidato a presidente da Federação Moçambicana de Futebol, e antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, para que responda sem reservas às responsabilidades disciplinares e criminais”. (A. Mulungo)

segunda-feira, junho 15, 2015

Lembro-me dos dedos do meu pai!

Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneÉ formada em Antropologia pela Universidade de Manchester. Actualmente, exerce a política como Vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. A sua vida fica transformada aos sete anos quando seu pai perde a vida. Nessa altura, a menina de pouca idade viu-se a obrigada a crescer depressa.O choque tinha sido grande. Havia que trabalhar o lado emocional de uma criança que pouco entenderia de morte provocada por um livro-bomba. “Precisavam explicar-me por que razão o meu pai não morreu num acidente de carro, afogadomas sim vítima de bomba” . Foram momentos difíceis: “doeu-me muito, perdi um amigo”. Mesmo assim, a intenção do inimigo que tirou a vida do seu pai foi subvertida ao se apegar no fundamento de que o sonho de Eduardo não tinha morrido e teve como epílogo a independência do povo moçambicano: “Então, se valeu o sacrifício como filha que ficou órfã, não valeu, nunca pode valer. Mas como moçambicana valeu absolutamente”.A sua formação académica criou a possibilidade de desenvolver um trabalho com uma componente antropológica. Tratava-se de uma matéria que iria compor o acervo histórico dos trabalhadores dos CFM. Mas, o interesse era também pessoal. “A minha motivação veio de uma informação escrita por meu pai, na qual afirmava que estava à procura do irmão mais velho, estivador no cais dos Caminhos de Ferro”.O irmão de Eduardo Mondlane teria participado das obras da Sé Catedral. Era um exercício árduo. Desumano. “Meu pai ficou traumatizado. Era um trabalho que exigia que pessoas(moçambicanos)ficassem amarradas uma às outras, desde o cais até ao ponto em que se erguia o edifício em causa. Era a réplica daquele sistema antigo egípcio em que se passavam ou empurravam os toros de madeira ou pedras fazendo chegar ao local da construção. No caso das obras da catedral, os portugueses vigiavam os moçambicanos em cima de cavalos e de chicote em mão para açoitar os que não conseguiam manter o ritmo. Meu pai diz na carta que nunca entraria nessa catedral. E não entrou mesmo”.São informações encontradas em cartas. Missivas trocadas com a sua amada, Janet Mondlane, utilizando-se de códigos, principalmente para iludir quem estava contra a relação. Daí que a filha de Mondlane declara: “Sou produto de muito amor entre duas pessoas. Os meus avós maternos não aceitavam a relação entre os meus pais. Nyeleti era o código; Nyeleti era o amor da vida dele”.

A sua eleição para Assembleia da República (AR) pela Província da Zambézia, em 1994, despertou a atenção de alguns moçambicanos que desconheciam a veia política de Nyeleti Mondlane. Afinal, “desde pequena tive o privilégio de estar envolvida intimamente com o partido FRELIMO, com a política”. É actualmente vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação. Revela que a AR foi (e tem sido) uma grande escola para si, pelas oportunidades encontradas de percorrer o país para actuar em questões relativas a Autoridade Local e Administração Pública e também por ter feito parte do gabinete que representa o fórum da mulher parlamentar, que contribuiu para que passasse a “entender melhor o que são os nossos desafios como mulheres, o que são as nossas responsabilidades”. No pelouro que dirige vários são os planos, entretanto, interessa ao país fazer mais amigos, reforçar a cooperação económica e assegurar que os compromissos que Moçambique tem ao nível internacional sejam cumpridos. Ao longo da entrevista revela o que pensava quando petiz: “Meu sonho de infância era ser hospedeira ou professora. Queria muito ser professora porque ficava impressionada ao vê-las a darem aulas no centro educacional do Tunduro”. Siga a entrevista em discurso directo.
Que factor foi determinante para a sua eleição como deputada da AR?
Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneDesde miúda tive o privilégio de estar envolvida intimamente com o partido FRELIMO, com a política. Até porque, em 1971, houve uma decisão do presidente Samora e da minha mãe (era um momento de alguma insegurança e incerteza) segundo a qual, nós, os filhos de Mondlane devíamos ir para um lugar seguro e eu fui à Escola da Frelimo em Bagamoyo, nessa altura só tinha 8 anos. Portanto, passei a compreender, desde cedo, o que era a Frente de Libertação de Moçambique e outros assuntos ligados à política.E representar os moçambicanos na AR tornou-se muito nobre, para além de que a Assembleia da República foi e é uma grande escola. No Parlamento, tive a oportunidade de pensar no futuro deste país, fazendo parte de uma comissão que lidou com assuntos relativos à Autoridade Local e administração Pública. Percorri todo o país para entender que desafios existiam, o que era necessário fazer em prol do desenvolvimento do país. Por outro lado, havia a componente comunicação social onde tive a oportunidade de entender os desafios da comunicação social em Moçambique e na região da SADC, onde se procura estabelecer regras, procedimentos, ou seja, maneiras comuns de estar; viajei por outros países procurando compreender o que é uma lei de imprensa, o que é uma lei de informação, o que é segredo de estado, entre outros aspectos.
No Parlamento fez parte do Gabinete da Mulher…
Sim, fiz parte do gabinete da Mulher parlamentar, um gabinete criado pela AR em 2008 e por senhoras deputadas de grande visão. Com a equipa deste gabinete passei a entender melhor o que são os nossos desafios como mulheres, o que são as nossas responsabilidades. Aliás, andamos de província em província para falar sobre três leis fundamentais: Lei da família, lei sobre o tráfico de seres humanos e lei contra a violência doméstica. Isso significava, em cada lugar, trazer para mesma sala deputadas de filiações partidárias diferentes, porém unidas pela mesma causa; membros dos municípios, organizações da sociedade civil, partidos da oposição, judiciária ao nível da província, procuradoria, polícia. Enfim, um grupo rico de mulheres e a governação provincial para falar sobre assuntos de interesse fulcral.
Acredita que tenha sido dessas experiências que foi nomeada vice-ministra?
Não faço a mínima ideia.
Como vê a participação da mulher no campo político nacional?
À medida que fui crescendo, antes da conquista da independência, pude estar nas zonas libertadas onde vi mulheres enfermeiras, mulheres professoras, mulheres guerrilheiras, comissárias políticas, na frente de produção. Ficou claro que a mulher tinha o seu espaço, mas poderia estendê-lo e fazer tudo que o homem faz e mais. Desde cedo, durante a nossa educação política e ideológica, não havia dúvidas de que a mulher tinha um papel a desempenhar na sociedade. E penso que, Moçambique, comparado a outros países da região até mesmo ao mundo, é um exemplo. Hoje temos uma presidente da Assembleia da República, já tivemos primeira-ministra, as chefes das bancadas são senhoras, temos administradoras, governadoras, economistas, marinheiras, estamos em todas as vertentes. Agora que é preciso fazer mais é preciso. Que nós continuamos a ser espancadas pelos nossos pares é um facto. Que quando morre o marido as nossas crianças são-nos tiradas, também é algo preocupante, não obstante a existência de dispositivos legais. Por isso um dos grandes desafios existentes é assegurar que as leis sejam implementadas.
Entrando para a área que a Sra. vice-ministra dirige, até que ponto é possível pôr em prática a política externa “fazer mais amigos, defender o interesse nacional”, tendo em conta que a dado passo ocorrem situações susceptíveis de beliscar relações entre os países?
Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneVamos separar as águas. A política externa moçambicana está reflectida naquilo que é nossa história. A Frelimo sempre teve muitos amigos. Numa altura em que o mundo estava dividido politicamente nós éramos amigos do povo sueco, do americano, alemão, chinês, russo. Repare-se que a União Soviética e a China tinham conflitos de ideologia mas os dois povos ajudavam o povo moçambicano. Portanto, nós temos uma tradição política de sermos amigos de outros povos. 
O que dizer dos ataques xenófobos protagonizados por alguns cidadãos sul-africanos? Esse facto não macula as relações entre os dois países?
O povo sul-africano é nosso amigo. Desde os tempos da luta de libertação nacional os soldados guerrilheiros do ANC treinavam-se nos mesmos campos que os da Frelimo. Porém, a África do Sul tem um “calcanhar de Aquiles” que vai levar talvez gerações para ultrapassar, que é o facto de ter vivido o sistema de apartheid. Foi brutal e pode estar patente no comportamento dos sul-africanos negros. 
Isso significa que o facto de os sul-africanos terem vivido oprimidos na época do apartheid pode ser apontado como um dos factores para os actos xenófobos por si praticados?
Vejam: no tempo do apartheid o negro tinha o espaço de circulação limitado. Imagine um cidadão que não pode viver onde quer, é obrigado a se instalar onde o branco indica.
Isto cria a exclusão económica, social e política, pode ser por esse motivo que para alguns sul-africanos o estrangeiro não é bem visto, ao invés de constatar a presença deste como um valor acrescido, olham-no como uma ameaça. Entende-se por isso a necessidade de se fazer um trabalho do Governo, da sociedade civil e de todas forças políticas sul-africanas, no sentido de ultrapassar este legado horroroso que o apartheid deixou. Vai levar tempo, mas também vai requerer posicionamento firme de quem está na liderança.
E as relações entre Moçambique e a África do sul estão beliscadas?
Não. As relações entre estes dois países são soberanas. Em nenhum momento, o Ministério dos negócios Estrangeiros e Cooperação iria dizer que as relações estão beliscadas. O que sabemos é que estamos profundamente chocados com o que o aconteceu e compreendemos que o país irmão tem desafios e vamos ajudar no sentido de ultrapassar esta crise. Infelizmente somos vítimas, de qualquer forma, estamos a interagir no sentido de ajudar.

Que avaliação faz do seu novo sector de trabalho?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação tem uma equipa excepcional. São diplomatas, lidam com relações internacionais no seu dia-a-dia, são extremamente capazes, então o meu ingresso aqui não foi difícil. Esta é uma grande casa.
Que planos (urgentes) existem no Governo de Nyusi, de forma especial aqui no seu sector, a serem executados?
Aqui, pretendemos fazer mais amigos, reforçar a nossa cooperação económica e assegurar que os compromissos que Moçambique tem sejam cumpridos ao nível internacional. Nós estamos a receber muitas delegações de uma multiplicidade de países que desejam investir em Moçambique. Outrossim, as nossas missões diplomáticas e consulares estão a fazer um excelente trabalho no sentido de levar Moçambique a um patamar desejável, conquistando o espaço internacional.
O que é que se está a ser feito para acautelar a ocorrência do crime de xenofobia na África do Sul contra os moçambicanos e não só? 
Nesse momento temos de assegurar que os dois países estejam em sintonia. Temos estado em contacto diário, para acompanhar o que o Governo sul- africano está a fazer de forma a mitigar a Xenofobia. Temos que assegurar que o moçambicanos que desejam voltar ao país regressem em óptimas condições de segurança.  

Antes de entrar para o Governo de Nyusi, a Sra. Vice-ministra esteve envolvida em projectos, um dos quais, designado por Rostos e Vozes ligado aos Caminhos de Ferro de Moçambique. Em que é que consistiu esse programa?
Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneFiz parte de uma equipa de antropólogos que desenvolveu um trabalho que consistia em ouvir relatos ou testemunhos de funcionários dos Caminhos de Ferro de Moçambique, que trabalharam nos CFM nos anos 40 e 50. Entrevistamos pessoas que desenvolviam as suas actividades no cais, estivadores, trabalhadores do depósito de enxofre, e outros que estavam na área de construção e manutenção de algumas linhas e algumas que trabalhavam na secretaria,
O objectivo dessa acção era recolher experiências para enriquecer o acervo histórico dos CFM. Esta empresa tem um museu e no plano de desenvolvimento tem uma componente antropológica, com interesse no testemunho dos seus trabalhadores.
Há informações que nos remetem à nossa história como país, como por exemplo a construção da actual cidade de Maputo. A empresa Caminhos de Ferro de Moçambique desempenhou um papel fundamental na edificação desta cidade e, duma forma geral, no desenvolvimento do país,
Contudo, não fui até ao fim do projecto, pois tive outras actividades que levaram à minha retirada. Entretanto, estou, actualmente, empenhada na Fundação Eduardo Mondlane, instalada na província de Gaza.
De que forma actua na Fundação Eduardo Mondlane?
Faço supervisão deste projecto criado em 2000 por Janet Mondlane, com o intuito de fazer a captação e preservação do legado de Mondlane. Minha mãe tem cerca de 12 mil cartas que Eduardo Mondlane trocou com ela em vida e também, as que ele trocava com amigos durante a juventude, mentores da igreja presbiteriana; outras ligadas à Frente de Libertação de Moçambique, mas o grande número de cartas são trocadas entre os dois, portanto muitas cartas de amor. Temos, também, imagens, material audiovisual.
Ora, dentre vários objectivos para a criação desta fundação, sentimos que era nossa responsabilidade fazer alguma coisa para ajudar a aldeia onde Mondlane nasceu, e eu estou a coordenar essa componente. Felizmente o Governo gostou da nossa iniciativa daí que estamos, inclusive, a fazer a gestão conjunta do museu a céu aberto de Nwadjahane, contando igualmente com a participação da população local. Temos um roteiro autobiográfico de Mondlane; lá pode se ver o local onde nasceu, onde repousam os antepassados; o monumento a si dedicado... Tem um acervo fotográfico muito rico e tem guias que são profissionais membros da aldeia.
A sua formação em antropologia veio a calhar…
Sem dúvida, tendo em conta que ajuda a ter sensibilidade em relação ao que nos rodeia. De qualquer forma, devo confessar que a população local e a família Mondlane ajudaram muito, contribuindo com informações sobre a sua história. É que de uma forma geral, as pessoas sabem, apenas, que Eduardo Mondlane é um herói. Faltam dados que permitem o seu lado humano, a infância, que guarda memórias de um menino que percorria a lagoa, lutava com outros meninos, pastava os cabritos do pai…
E como foi para si passar a sua infância sem o seu pai? Perdeu-o muito cedo…
Quando o meu pai foi assassinado cresci rapidamente! E deixem-me também destacar que o meu pai não morreu vítima de acidente de carro ou afogado ou por um outro motivo. Alguém assassinou-o! A intenção foi tão brutal que poderia ter tido consequências com dimensões maiores do que ocorreu. Ele podia ter aberto o livro-bomba em casa, à mesa com os filhos à sua volta.
Só para exemplificar, quando o meu pai chegava à casa a primeira coisa que eu gostava de fazer era sentar-me ao seu colo, muitas vezes ele estando a arrumar documentos.
Ora, quando o meu pai morre, a minha mãe e os amigos da família tentaram explicar a uma menina de sete anos quem era Eduardo, a sua participação na política e fazê-la compreender que iriam continuar a fazer a vida sem o pai. Obviamente, passei por momentos difíceis, mas os camaradas da Frelimo demonstraram que eram a outra família, ali não tínhamos os tios biológicos nem do lado do pai nem da mãe, mas tínhamos os tios que eram os camaradas da Frelimo e estavam preocupados connosco.Mas um dos factores que contribuíram para minorar a dor é o facto de ter uma mãe espectacular, ela ficou mãe e pai, e ela continuou firme nas fileiras da Frelimo, buscou apoio para os soldados, alunos e crianças nos centros profissionais e a buscar amigos para a Frelimo ao nível internacional e depois da independência continuou empenhada nas tarefas da Frelimo, do governo, esteve na cooperação internacional, na Cruz Vermelha, na comissão do combate ao HIV – Sida e agora na Fundação Eduardo Mondlane.

LEMBRO-ME DOS DEDOS DO MEU PAI
Cresceu no seio da política. Como era a vossa convivência, tendo em conta que seus pais estavam comprometidos com os assuntos do país?
Os meus pais passavam muito tempo fora. Ora era o pai, e ficávamos com a mãe, ou era mãe e ficávamos com o pai. Era difícil estarem os dois em casa. E quando os dois não estivessem, as camaradas da FRELIMO tomavam conta de nós.
Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneAfirma que a sua mãe é uma mulher espectacular, que ensinamento lhe transmitiu que provavelmente irá passar para seus filhos?
A resposta cabal para esta pergunta exigiria umas quatro horas. (Risos) Mas no mínimo direi o seguinte: após a morte do meu pai, minha mãe poderia com facilidade ter arrumado as malas, pegado em nós, em 1969, e voltado para casa dela. Aliás essa era a vontade dos meus avós, mas não o fez. A minha mãe, talvez sem essa intenção, deixou patente em mim que posso fazer tudo o que quero desde que esteja comprometida com o meu objectivo, isto cabe naquela expressão que diz “o céu é o limite”. Mas também me ensinou a ter paciência, compreender os outros, entretanto, sem abdicar dos meus princípios. Sem contar que sempre esteve do meu lado em tudo, é por isso a considero “a Nyeleti da minha vida”. Ajudou a criar os meus filhos. Ela é uma avó amiga, principalmente com o meu filho mais velho que é “marido” dela, pois demos o nome do meu pai.
Do que é que se lembra do seu pai?
Dos dedos das mãos. Quando voltava do serviço, eu gostava de ficar entre as pernas dele e ele me abraçava. Lembro-me das suas mãos entrelaçadas em mim. 
Eram amigos…
Muito amigos. E gostava de me fazer cócegas. Lembro-me também que fazia muita ginástica, e gostava de correr longas distâncias com o nosso primeiro cão chamado Katembe. 
Katembe?!
Sim, meu pai dava nome de rios aos nossos animais. Tivemos também Lúrio, Save….
Porquê?
Era uma maneira de nos introduzir” um pouco de Moçambique. Não vivíamos cá, estávamos na Tanzânia.
Que tipo de homem o seu pai era?
Muito afável, e se calhar porque se ausentava de casa várias vezes. E sendo eu a filha mais nova beneficiava de miminhos adicionais, comigo ele tinha muita paciência.  Mas…
Sim…
Um dia, levei uma tesoura de costura da minha mãe para brincar de cortar velas. Quando o meu pai soube dessa brincadeirinha mandou a mim e aos meus irmãos perfilar, tendo de seguida perguntado a cada um de nós quem tinha feito tal coisa. Perguntou primeiro ao meu irmão, e ele respondeu que não tinha nada a ver com aquilo. Depois coube a vez à minha irmã, que também se distanciou da brincadeira. Quando chegou a minha vez, ele fitou olhar em mim e,… desatei a chorar. Mesmo assim não escapei de umas palmadinhas.  
Porque a puseram o nome ‘Nyeleti’?
Era o nome de seu namoro com Janet (mãe). Sou produto de muito amor entre duas pessoas.
Nome de namoro?!
Sim. Na verdade esse nome foi usado para identificar a minha mãe nas cartas de amor. Os meus avós maternos não aceitavam a relação entre os meus pais, chegaram a retirar todo o suporte financeiro que davam à minha mãe, quando se aperceberam que ela mantinha uma relação com um negro e essa união estava a fortificar-se. Nyeleti era o código; Nyeleti era o amor da vida dele.
Seu pai apoiaria a sua formação em Antropologia?
Sim, mas minha mãe não. Até tentou dissuadir-me dessa ideia quando lhe falei da minha decisão. Justificou-se dizendo que meu pai sofreu muito, passando a vida nas bibliotecas. Dizia que o nariz dele estava sempre nos livros como quem diz ‘ele dormia com a cama cheia de livros’.
E por que razão escolheu esse curso?
Sou uma pessoa socialmente curiosa, gosto de perceber como as pessoas são e vivem, a possibilidade de todos nós sermos uma comunidade global e ao mesmo tempo sermos diferentes. 
Formou-se por que universidade?
Manchester, na Inglaterra. 
Era seu sonho de infância?
Não. Meu sonho de infância era ser hospedeira, professora. Queria muito ser professora porque ficava impressionada ao vê-las a darem aulas no centro educacional do Tunduro. Sem contar que tive uma heroína, a minha professora de 2ª classe.
Heroína….?
Sim. Quando meu pai foi assassinado, minha professora ajudou-me muito, acompanhando-me em tudo, tendo paciência comigo, porque por vezes andava “perdida”. Ela conversava comigo e fazia-me perceber que tinha uma vida pela frente independentemente do que estava a acontecer no meu meio familiar. 

Que mulher moçambicana temos actualmente?
Lutadora, que gosta de si, pronta para ultrapassar desafios, que monitora a sua família e que quer conquistar para o mundo.
Estando na política, tem auscultado os anseios das outras mulheres, para as orientar de forma a atingirem um patamar desejável, principalmente sob ponto de vista socioeconómico?
Resultado de imagem para Nyeleti mondlaneSim, acho que como deputada da Assembleia da República tive uma singela oportunidade de ajudar a mulher, juntamente com as minhas outras colegas. Agora no meu dia-a-dia sensibilizo-as a darem prioridade à formação, a não contraírem cedo o matrimónio e/ou a não engravidarem precocemente. Estas são algumas das várias contribuições.
Ser filha de Eduardo Mondlane contribuiu para entrar para a política?
Sei que muitas pessoas me tratam com grande deferência por ser filha de Mondlane. É uma realidade imputável e tenho de respeitar, agradecer e abraçar. Sou Nyeleti Mondlane. As pessoas tendem a olhar para mim como filha de Mondlane e é difícil separar-me disso. Não posso esperar que me olhem sem considerar esse facto. Tenho de viver com essa realidade que tem suas vantagens e desvantagens...
De qualquer forma, gosta de política?
Muito. Não sei o que é viver sem política. Ela faz parte de minha vida.
GOSTO DE DORMIR
É casada?
Sim. Meu parceiro é uma pessoa extremamente viva, amiga e cómica.
Temos dois filhos e um terceiro filho, uma menina, entrou para as nossas vidas em 2007. Adoptamo-la, mas não gosto desse termo. Digo que Deus a colocou no nosso caminho e a nós no caminho dela.
Com quantos anos passou a fazer parte da vossa família?
Quatro. Eu era a madrinha dela no orfanato depois os nossos corações decidiram que tínhamos que ficar juntos.
O que costuma fazer quando está em casa com a sua família?
Durmo (Risos). Gosto de dormir, mas também de me juntar às amigas e cozinhar.
Pratica desporto?
Praticava.
Quando é que parou?
Quando constitui a minha família. Mas está definitivamente nos meus planos voltar a treinar-me. Eu fui uma grande nadadora e jogava basquetebol, só que fiquei preguiçosa e parei.
Chegou a jogar num clube federado?
Sim. Pelo clube Estrela Vermelha, por exemplo. E fui capitã da equipa nacional.
Quantas línguas fala?
Três: Inglês, Português, Francês.
Changana não?
- Percebo, mas não falo nada bem. Até tento quando estou com minhas tias paternas. Elas têm muita paciência.
Quando é que conheceu as suas tias?
Em 1975 quando fiz a viagem do Rovuma ao Maputo com o Presidente Samora Machel. Passamos por Manjacaze e ele apresentou-me à família. Foi um momento emocionante. Esteve, inclusive, o homem gigante de Manjacaze.
Gosta de viajar?
Não, por ter que estar longe da família. Mas o meu actual cargo e as missões que tenho de cumprir pelo ministério, no âmbito das cooperações diplomáticas, obrigam-me a viajar constantemente.
Nem com a sua família?!
Ah, isso é diferente! Mas temos uma particularidade, gostamos de viajar para dentro do país, ir às praias. Esses são os melhores momentos para mim, meu marido e nossos filhos. Gosto das praias de Inhambane, Chidenguele. Gosto muito do alto mar.
E arrisca-se a nadar no alto mar?
Sim. Eu posso atravessar a Katembe, ir e vir. E já atravessei a de Bilene com o Presidente Samora.
Verdade?
Sim, fizemos aquelas dunas da praia até ao alto mar. Sou um peixe dentro da água.

Texo de Carol Banze, Angelina Mahumane e Maria de Lurdes Cossa