quinta-feira, fevereiro 17, 2011

O Inspector Monteiro dos Santos da PIC moçambicana em 1975 era Zéca Russo

Por Adrião Rodriguês, advovado (falecido)

O Zeca Russo foi uma figura mítica na Lourenço Marques colonial. Filho ou sobrinho da moça das docas, figura que povoava os primeiros poemas do poeta Virgílio de Lemos, era jovem, bem parecido, simpático no trato mas cedo se começou a meter pelos trilhos do pequeno crime. Um furto aqui, uma burla acolá, adquiriu também a fama de ser uma espécie de Zé do Telhado que roubava aos ricos para dar a pobres.
Não seria bem assim, mas a verdade é que ajudava a mãe, pessoa pobre que o adorava e não fazia a menor ideia da origem do dinheiro que ele lhe dava. Ao mesmo tempo Zeca ajudava familiares e amigos também pobres, com pequenas importancias,cuja posse atribuía sempre ao trabalho ou a pequenos negócios de ocasião. Segundo me contou a sua advogada, Ruth Garcez, nesta fase ele sempre teve a preocupação de disfarçar e justificar a origem dos fundos que doava a familiares e amigos pobres, de modo que estes tinham por ele grande estima.O mesmo já não acontecia com as vitimas dos furtos e burlas, que sabiam muito bem onde ele arranjava o dinheiro e não se coibiam de o divulgar. . Mas como os furtos e as burlas eram de pequenos montantes e o Zeca Russo era simpático e tinha fama de generoso, começaram a chamar-lhe Zé do Telhado mas não apresentaram queixa contra ele ou quando apresentaram, não se preocuparam em carrear provas para o processo, de modo que os seus pequenos crimes de juventude ficaram impunes.Depois foi para a África do Sul,onde subiu uns patamares na prática de crimes, passando a dedicar-se em gang, a actos violentos contra pessoas e bens, sempre com o objectivo final de se apoderar de património alheio. Foi preso,mas, antes de julgado, conseguiu fugir e na fuga, ainda feriu um policia branco sul-africano o que deixou a corporação policial sul-africana com um ódio de morte ao Zeca Russo.Veio para Moçambique, no principio da década de 1970.e, durante uns tempos manteve-se socegado. Mas quando viu que a África do Sul não requeria a sua extradição( nem podia) logo organizou a sua pequena quadrilha, de constituição multi-racial,e Lourenço Marques foi varrida por uma série de roubos e assaltos, sobretudo a casas e ourivesarias, de quantias elevadas, o que causou alguma perturbação na cidade.Mas a policia depressa detectou e prendeu os autores dos crimes, que aliás confessaram.Assim o julgamento que se seguiu não prometia grande espectáculo, porque se tratava de réus confessos e com abundantes provas contra e alguns poucos acusados como encobridores que questionavam tal qualificação.Todavia, por se tratar do Zeca Russo, o julgamento teve uma razoável cobertura mediática e grande assistência de público do qual se destacava uma claque que saudou, na primeira audiência o Zeca Russo como se fosse um herói. A advogada dele lá lhe disse que aquilo era contraproducente e as manifestações acabaram. A advogada era a Dr.ª Ruth Garcez, mais tarde a primeira juíza portuguesa e que tinha a difícil tarefa de atenuar o mais possível a culpa do seu réu´que fez com muito brilhantismo, sendo que os outros advogados a ajudaram, na medida em que organizaram uma defesa dos outros réus que não sobrecarregava a culpa do Zeca Russo. Mais tarde,, quando a pena saiu mais pesada que o esperado, todos os advogados do processo apoiaram Dr.ª Ruth Garcez no recurso que interpôs, fornecendo-lhe apontamentos do julgamento e colaborando com ela no estudo de certos problemas, recurso que obteve uma substancial redução da pena.. O Zeca Russo sentiu também esse apoio, de modo que ficou amigo dos advogados. Quando eu ia à penitenciária em serviço, muitas vezes encontrava por lá o Zeca Russo que gozava um regime de semi-liberdade. De uma das vezes, eu aguardava no átrio um cliente meu que tinham ido chamar à cela e o Zeca Russo foi o primeiro a aparecer de um grupo da cadeia que ia jogar futebol fora.. Só estávamos três pessoas no átrio: eu,ele e um guarda. De repente o guarda teve que sair para a rua e deixou o portão aberto e eu,de brincadeira disse ao Zeca Russo: -Você qualquer dia perde o prestigio todo, se estes tipos o deixam com porta aberta para a rua e você não foge.Por eu estar aqui não deixe de fugir que eu nem corro atrás de si nem grito “ó da guarda”.. Ele riu-se e respondeu-me que não queria fugir, mas que tinha que pedir delicadamente aos guardas que o não deixassem sozinho, com a porta da cadeia aberta para a rua, porque era um desprestigio para ele. Depois, mais a sério, disse-me que os guardas sabiam que ele não queria fugir; o que ele queria era reduzir a pena com bom comportamento, perdões e amnistias, porque tinha um emprego prometido e queria mudar de vida.Acreditei nele.Conheça o fim desta história aqui.

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