sexta-feira, fevereiro 26, 2016

TVM não pode servir facções políticas!

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, apela à imparcialidade dos meios de comunicação na difusão dos seus conteúdos noticiosos, como forma de tornar a imprensa num espelho da realidade dos acontecimentos.Nyusi, que lançou o apelo na noite desta quarta-feira durante a gala do 35º aniversário da Televisão de Moçambique (TVM), vincou que os órgãos de informação deveriam assumir uma postura responsável perante a necessidade de defesa da paz, união, harmonia e bem-estar no país.

Apesar de toda esta conjuntura à volta do fenómeno televisivo, não podemos no entanto encorajar a TVM para um posicionamento irresponsável perante a necessidade de manter o povo unido, em paz e em harmonia, disse o estadista moçambicano.Explicou que a defesa dos interesses supremos da pátria muitas vezes não se compadece com o jornalismo potencialmente sensacionalista.Por isso, disse o Presidente da República, não podemos encorajar a televisão de todos nós a levantar muros políticos-sociais, mas sim a fazer pontes pelas quais passarão todos os moçambicanos desfrutando do quanto é belo viver em harmonia e longe de fantasmas divisionistas. Para Nyusi, a TVM deverá ser um canal através do qual circulam todos os moçambicanos ‘’a janela de vidro transparente que transmite a certeza dos factos narrados, a porta pela qual entram as denúncias das incorreções e pela qual saem boas práticas que contribuem para o crescimento de Moçambique’’.Como forma de promover a ordem e tranquilidade públicas no país, Nyusi acredita que a TVM não pode servir facções políticas, pois só desta forma poderá promover a imparcialidade, rigor e objectividade nos conteúdos que difunde.Não podemos encorajar a televisão de todos nós a servir de arma de arremesso político ou ideológico contra o povo de qualquer que seja o partido político. Não gostaríamos que fosse a partir da TVM que o país começasse a ser despedaçado ou esquartejado, frisou.Aliás, referiu que a TVM não é palco de desunião, razão pela qual deve promover o diálogo, e que se deve desencorajá-la a privilegiar atitudes de sectores irresponsáveis da sociedade que, voluntariamente, se demitem da sua responsabilidade face ao futuro de gerações inteiras. O mais alto magistrado da nação defende ainda que a TVM não deve ser um canal de carácter tendencioso e apologista da violência ou qualquer tipo de descriminação com base no ódio ou qualquer outra forma de exclusão.A TVM não pode ser apologista da discriminação dos moçambicanos, quer seja com base nas várias crenças partidárias, religiosas, de raça, pior ainda se for com base na tribo ou região, porque isso fragmenta a nossa sociedade. A TVM não deve participar na onda que promove a desacreditação internacional do nosso país. Nós os moçambicanos podemos resolver as nossas diferenças, e a TVM deve ser o recurso para o telespectador obter a realidade objectiva dos factos’’, acrescentou.Frisou que a TVM deve continuar a acompanhar o dia-a-dia dos moçambicanos, retratando os seus anseios e exaltando as suas conquistas. Reconheceu que muito foi feito, mas que ainda existem muitas comunidades que, mesmo com energia, ainda não beneficiam do sinal da TVM. Por isso, apela a direcção a levar o sinal a cada vez mais compatriotas, particularmente para os que vivem nas zonas fronteiriças. O Presidente da República concluiu a sua intervenção incentivando a TVM a continuar a promover e estimular o debate organizado na sociedade, porque esta é a única forma de participar na formação de uma opinião pública informada, séria, critica e patriótica no país.

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Renamo cava a própria sepultura

 “Em certas páginas das redes sociais digitais há especialistas dos grandes planos dramáticos: um tiro corresponde para eles a 50 tiros, um ataque a 100 ataques, um ferido a 200 feridos e um morto a 300 mortos. Estão especialmente ávidos pelas mortes governamentais.” Carlos Serra, sociólogo moçambicano.

A estrada nacional número um (EN1) no troço Save – Muxúnguè e vice-versa voltou a ser o “corredor da morte” devido aos ataques perpetrados pelo braço armado do partido Renamo. Em consequência destes acontecimentos, o governo na qualidade de tutor dos superiores interesses nacionais, voltou a introduziu colunas militares para escoltas de viaturas civis e protecção de pessoas e bens. Com esta medida, espera-se que o governo e as forças de defesa e segurança (FDS) consigam não só travar o derramamento de sangue, mas também – e fundamentalmente – na repressão infringida aos autores desses actos macabros. Não são as populações de Save e Muxúnguè as únicas vítimas deste conflito. É o país inteiro que sofre com isso, porque a dor de uma ferida não só tem efeitos no local, como abrange o corpo todo. É o país inteiro que está a ser dilacerado por este conflito absurdo e injustificável. Tenho cá comigo que não se justifica a guerra. Justificá-la é igual a uma barbaridade.O medo entrou pelas nas nossas veias e instalou-se no nosso corpo. Onde quer que a gente vá, o medo acompanha-nos. Mesmo quando dormimos, já não sonhamos com a paz, porque o medo é quem pilota os nossos sonhos e escolhe a pior pista para aterrar o nosso destino: a desgraça!
A Renamo diz que os meios justificam os fins, e que os ataques visam forçar o governo a aceder às suas reclamações. Pergunto a si, caro leitor, se querelas políticas é motivo para um partido com representação parlamentar ferir e matar populações civis indefesas?
Independentemente das amarguras que tenham causado este conflito, a Renamo está a pautar pelos caminhos da perdição e isto é claramente um ataque à razão. Penso que todos nós na vida – e os partidos políticos não fogem à regra – estamos sempre sujeitos a engolir sapos. O mais importante, parafraseando o meu amigo Joaquim Marcos Manjate, é nunca vergar, pois quanto mais nos vergamos, mais fácil fica de nos subirem às costas.A Renamo deixou de ser um partido que aglutina os interesses do povo e passou a ser um clube de mercantilistas que luta para “saciar os sacos vazios”. Não será pela nomeação de governadores provinciais que a Renamo luta. O que a Renamo quer, disso quase que já ninguém duvida, é o acesso aos recursos minerais e energéticos em descoberta e exploração no país. Pouco lha interessa o poder.
A segunda pergunta que faço ao leitor é está: Se os partidos políticos precisam de eleições para aspirar a ser governo, por que motivo a Renamo abanda os pleitos eleitorais?
Para o nosso paradigma de gestão governativa, centralizado na figura de um soberano com forte dependência na máquina partidária, a nomeação de seis governadores provenientes da Renamo não constituiria uma garantia de acesso aos recursos minerais e energéticos, embora reconheça que os seis nomeados – e apenas esses – teriam acesso a um poder administrativo limitado. Ademais, os governadores provinciais são controlados por um “remoto controlo”, pouca acção têm para agir à margem das decisões centrais. Por outro lado, a Frelimo não aceitaria a alteração do jogo “ao meio do campeonato”, porquanto a regra de partilha não fez parte do escrutínio eleitoral em Outubro de 2014. Em política a vitimização é, infelizmente, a principal regra de sobrevivência dos partidos. E a Renamo para legitimar o actual conflito político-militar percebeu que era necessário, em primeiro lugar, fazer-se passar por vítima de maus tratos da Frelimo, e, em segundo, arranjar um bode expiatório que é a reivindicação para a nomeação dos governadores nas províncias onde ela, a Renamo, ganhou o pleito eleitoral. Porque a pieguice não tem fórmula fixa (depende da habilidade e da astúcia de cada pessoa), brevemente nascerão outros chiados para justificar o injustificável: a matança contra as populações indefesas.
Faço uma terceira pergunta ao leitor: como é que se explica que um partido que tenha lutado pela democracia seja ele mesmo o seu coveiro?
Os geólogos advertem que os recursos naturais do país são esgotáveis. Certamente não irão acabar amanhã. Lula da Silva é o melhor exemplo de que na política, assim como na vida, a paciência, a persistência e o saber fazer ganham vitórias. A precipitação nunca levou ninguém ao pódio. Espero que o líder máximo da Renamo, Afonso Dhlakama, compreenda o ensinamento de Lula da Silva e do meu amigo Nkulu, poeta anónimo que tanto admiro, nas seguintes reflexões:
1. A gula excessiva pode matar o próximo apetite e decretar falência onde havia promessa.
2. As temperaturas da forja nunca são frias, quando o objectivo for o de moldar o ferro.
3. Ganhos imediatos, sem semear, são traiçoeiros.
4. Vitórias fáceis não forjam quadros.

Tem sido muito difícil a Renamo compreender os fenómenos históricos. Poucos, como o saudoso académico David Aloni, o estratega político Raul Domingos e o também académico Jafar Gulamo Jafar, o compreendiam. Impedir a circulação de pessoas e bens, num país sem fronteiras entre moçambicanos, colocará, indubitavelmente, a Renamo e o seu líder como réus no tribunal da consciência dos eleitores do amanhã. As alas militar e política da Renamo não se podem esquecer que a despartidarização do partido é uma possibilidade que o governo NUNCA descartou. A Renamo deve expor os seus argumentos no parlamento. Deve, igualmente, evoluir na paz. De contrário, apesar de suas acções belicistas estar a ser aplaudidas por uma certa imprensa inconsequente, cavará, com uma enorme profundidade, a própria sepultura. Bem dizia o meu saudoso amigo e historiador português José Hermano Saraiva “É preciso evoluir sem violência. É preciso não fazer vítimas. As revoluções só triunfam quando têm as suas raízes na paz.” O que custa, cara Renamo, pautar por estes conselhos? Zicomo (Obrigado).( Por Viriato Dias)

domingo, fevereiro 21, 2016

"Luta com um ndau a guerra não acaba"

Resultado de imagem para dialogoEnquanto os políticos repetem até a exaustão que querem a paz, em várias regiões de Moçambique a guerra, entre as Forças Armadas do Governo do partido Frelimo e do partido Renamo, é uma realidade que não começou recentemente e não tem fim à vista. “O que faz convencer hoje o Governo de que estão em melhores condições para vencer a nível militar”, questiona o politólogo João Pereira em entrevista ao @Verdade onde ainda afirma que do lado do maior partido de oposição “também não existe uma condição objectiva para sustentar uma guerra”. A solução é um diálogo verdadeiro, “que não significa uma humilhação”, mas que culmine com a partilha do poder, como tem acontecido em outros países africanos que viveram situações similares à do nosso país.
“Se no processo da transição deste país da independência o governo estava mais preparado tinha apoios externos, todo poderio militar e financeiro não conseguiram derrotar a guerrilha. O que é que faz hoje acreditar o Governo de que é possível vencer uma guerrilha” interroga-se o docente de Ciência Política da Universidade Eduardo Mondlane(UEM) que não recorda que na guerra civil “não houve vencidos nem houve vencedores, e tiveram que ir para um acordo de Paz”.
João Pereira destaca alguns indicadores que contribuem negativamente para as aspirações das Forças Governamentais que, embora não o assumam publicamente, estão em ofensiva militares com vista a aniquilar os denominados homens residuais da Resistência Nacional de Moçambique, particularmente no Centro e Norte do país. “As condições económicas estão péssimas, a exclusão social é grande, os endividamentos do Estado são grandes, as expectativas em termos de carvão estão baixas, em termos de gás e petróleo estão a descer, o que é que faz acreditar o Governo de que terá condições financeiras e materiais para sustentar uma guerra de guerrilha?”
O nosso entrevistado julga que uma análise objectiva desses indicadores mostra que o Governo não tem condições suficientes para aguentar uma guerra de dois ou três anos e argumenta, “(...) o distanciamento do cidadão perante o Estado é muito grande, perante o partido Frelimo é muito maior, porque é provado nas próprias eleições, e principalmente num país onde a divisão eleitoral mostra que existe uma divisão política deste país”.
“Do lado do partido Renamo, também não existe uma condição objectiva para sustentar uma guerra por dois anos, por um factor muito simples: a velhice do próprio líder. Embora seja jovem aquilo é cansativo, nós vimos as imagens recentes na televisão o semblante do homem, embora motivado, vê-se que está débil” opina também Pereira, que é director da Unidade de Gestão do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC), que no entanto destaca algumas factores que favorecem ao maior partido de oposição. “(...)Eles não precisam de muito dinheiro para fazer a guerrilha. Não precisam de muita logística, e têm ainda outra vantagem militar que o Governo não tem: tem experiência do terreno acumulada de guerra”.
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“Hoje metade do nosso exército não tem nenhum experiência de guerra, nem nos capitães, nem nos generais, se tem é muito limitada. Grande parte dessa juventude não foi ao exército por uma causa, foi alistar-se como uma última alternativa em termos de emprego. O juramento que eles fazem é um juramento que não tem causas, já os homens da Renamo têm causas” declara o docente universitário que destaca a forte fidelidade à Afonso Dhlakama que os antigos guerrilheiros, e os membros, têm”.
Para João Pereira, ao contrário dos soldados dos vários ramos das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique os homens do partido Renamo “quando pegam em armas não estão a pensar no salário, estão a pensar no tal projecto que eles conceberam, tem algo que lhe motiva, e uma exclusão social extrema”.
Pode ser que os Makondes queiram ficar na história como os que eliminaram fisicamente Dhlakama
“Essas dificuldades todas não me fazem acreditar que o Governo possa ter uma capacidade de vencer e o agudizar é que tens inundações e tens seca cíclicas, precisas de dinheiro para recuperares as infra-estruturas, precisas de dinheiro para poder pagar salários, precisas de dinheiro para poder comprar armamento, medicamentos, etc, não são escolhas muito fáceis. A escolha mais sensata é abrir caminho para um diálogo verdadeiro. E um diálogo verdadeiro não significa uma humilhação, significa uma união do povo moçambicano” explica o professor de Ciência Política da UEM que enumera alguns exemplos de países africanos onde se viveram situações de guerra civil, como a de Moçambique, e que encontraram na mesa de negociações e na divisão do poder a paz.
Um outro factor que tem contribuído para a guerra no nosso país, segundo o director da Unidade de Gestão do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil moçambicana, é a questão cultural. “Os Makondes (etnia do Presidente Nyusi) são como os Ndaus(etnia de Afonso Dhlakama), se você luta com um Ndau a guerra não acaba”.
Por outro lado, de acordo com Pereira, “os Makondes, que sempre foram projectados como os homens valentes que deram à cara pela libertação nacional, pode ser que em algum sector eles queiram ficar na história como se fossem os únicos que eliminaram fisicamente Dhlakama, devido a esta cultura mítica dos Makondes”.
Resultado de imagem para dialogo“Mas é tudo uma falsidade, porque eles são tão frágeis como qualquer outro grupo étnico, eles até são um grupo minoritário. E como qualquer grupo étnico tem também as suas fragilidades, tem as suas próprias contradições, tem as sua próprias deficiências, e é por isso que é preciso retirar essas metodologias todas e começar a pensar o país, porque só assim é que todos saem a ganhar. Porque esta guerra não beneficiar a ninguém, nem aos homens da Renamo, nem ao partido Frelimo, nem ao sector privado, nem aos cidadãos” declara politólogo moçambicano.

O nosso entrevistado julga que o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, “tem o poder suficiente para avançar, mas ter o poder suficiente não quer dizer ter coragem suficiente para poder avançar. Porque ter coragem suficiente significa gerar inimizades”, conclui o docente da Universidade Eduardo Mondlane.

terça-feira, fevereiro 16, 2016

LIXO NA PRAIA, NÃO!

Foram ontem colocadas, na praia da Costa do Sol (Maputo), as primeiras placas produzidas pelo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), como contributo para a operação LIXO NA PRAIA, NÃO!, lançada no final do ano passado, juntamente com a Policia Municipal, o Instituto Nacional da Marinha e a Policia Costeira, Lacustre e Fluvial. Estas placas servem como vector de divulgação da norma de proibição da poluição da praia, prevista no Regulamento de Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro, aprovado pelo Conselho de Ministros, em 2006. Quem violar tal norma incorre na sanção de 2 000,00 Mt, que poderá ser convertida em trabalho de limpeza da praia, caso o infractor não tenha condições de pagar a multa. LIXO NA PRAIA, NÃO!

Conflito: alguém se lembra dos problemas?

A medida que o tempo passa parece-me que os moçambicanos estão ficando cada vez longe da informação e banham-se em ondas moralistas do não à guerra. Se por um lado é bom dizer sempre NÃOA GUERRA, é por outro, sempre importante não esquecer os problemas que propiciam esta guerra.
Este pequeno texto visa refrescar a memória daqueles que parece-me terem esquecido das causas fundantes desta violência. Alguns moçambicanos chamam a este conflito de CONFLITO PÓS ELEITORAL. É errado. Este conflito não é pós-eleitoral. Esta é a crise da reconciliação pós-conflito ou simplesmente crise da democracia moçambicana; a oscilação de um ciclo de história, ou seja, a conjuntura. Voltarei a este tema mais adiante; para já deixe-me despachar o que querem “ir directo ao ponto”.
Existem dois problemas concretos que vistos pelas partes beligerantes, parecem três.
PRIMEIRO PROBLEMA: A questão militar. Para o governo, é importante que a Renamo desmilitarize de uma vez por todas para que finalmente o país tenha o Estado como o único detentor da força armada. Para a Renamo, apesar de concordar, é importante resolver alguns aspectos pendentes, nomeadamente (a) a questão da marginalização dos homens provenientes da Renamo e que se encontram incorporados nas hostes militares; a questão do entendimento sobre os modelos de integração militar e ou desmobilização e reinserção militar e a questão da paridade nas forças de defesa e segurança. Portanto, são as duas faces de uma mesma moeda.
SEGUNDO PROBLEMA: A justiça eleitoral. Este é quanto a mim um menor problema pois 50% deste já está resolvido: as instituições saídas das eleições estão em funcionamento. Nada mais evidente, apesar da retórica militarista e mutuamente excludente. Mas aqui o problema é garantir como os processos eleitorais não se tornem em motivo para violência pós-eleitoral, e já agora, com recurso as armas. Enquanto a Renamo continuar com as armas, a violência pós-eleitoral será armada.
• A solução para os dois problemas passa pelo aperfeiçoamento do aparelho institucional e de dinheiro, acima de tudo, principalmente para o primeiro problema.
Vamos por partes, começando pelo SEGUNDO PROBLEMA.
A experiência das eleições e dos problemas que nos oferece sugere a reformulação do estado e da forma como o poder está distribuído. Na verdade, as eleições são em Moçambique, produtoras de relações de exclusão e não necessariamente de inclusão. O figurino constitucional não permite que cada partido sobreviva de acordo com o seu desempenho. Igualmente, o pacote eleitoral é disfuncional e poroso na sua eficácia de combate a fraude. O parlamento e a sociedade podem desempenhar um papel importante na solução destes problemas, discutindo e aprovando as necessárias emendas sem eleitoralismo. Estas reformas passam também por ver como o poder saído das eleições é proporcionalmente distribuído pelos partidos, de acordo com o desempenho de cada um. Refirmo-me para além das assembleias municipais e municípios, a imperiosidade de repensar na descentralização, nas assembleias provinciais e no poder dos governadores, por ai em diante.
Vou avisando: dificilmente podemos antever uma desmilitarização total da Renamo sem que tais reformas garantam a este partido alguma comparticipação no jogo de poder, mesmo que seja nas próximas eleicoes. Portanto, só podemos antever a desmilitarização da Renamo num cenário onde (1) os processos de reforma lhe garantem algum poder e (2) com garantias reais de integração de seus homens nas forças de segurança e defesa. EM termos temporais, isto pode levar mais uns três a quatro anos e estamos logo em 2019!
Já o PRIMEIRO PROBLEMA muito dificilmente poderá ser resolvido agora. Infelizmente. Estou aqui a tentar ler o pensamento do Lider da Renamo e ocorre-me o seguinte:
• Se a reforma constitucional consegue garantir que os governadores sejam eleitos e se nas próximas eleições autárquicas a Renamo consegue alguns municípios, uma forma mais simples de a Renamo integrar seus homens seria eles próprios formarem sua polícia camarária e influenciar o processo de integração de novos policias nas províncias onde obtiver a maioria. Em cinco anos não restaria nenhum homem nas matas!
Mas este cenário é optimista demais. Assim, tomando a situação actual, a solução da questão militar passa por um compromisso de ambas as partes:
• Ou o governo recua nas suas intenções em desarmar compulsivamente a Renamo e convida a Renamo para retomar os pontos sobre a questão militar, com cedências largas, a troco da PAZ, ao mesmo tempo que se trabalha na revisão da constituição e no pacote eleitoral – algo que me parece a única solução sustentável para ambos;
• Ou reedita-se o AGP na sua totalidade, por via do qual tem lugar a renovação completa da constituição da República, da Lei eleitoral, das Instituições Públicas, etc.
No fundo, este é o pensamento do Presidente Dhlakama, que acredita que para se alcançar o ideal da democracia pelo qual lutou, é preciso reinventar a democracia que desta forma, por mais emendas sejam feitas, dificilmente se alcançará a justiça social e democrática.
Ora, entre a primeira e a segunda opção eu prefiro a primeira: é rápido, muito flexível e na mesma relança Moçambique para ao segundo inter-ciclo da sua História da democracia.
Pois, referi-me do segundo inter-ciclo da História da democracia moçambicana. Este é o termo que a ciência histórica usa para designar processos históricos de curta duração (ciclo=conjuntura) em oposição aos processos de longa duração (estrutura).
Se estiver cansado pode parar por aqui. Eu continuo.
Os últimos 40 anos da História de Moçambique foram denominados pela violência armada, com alguns intervalos de paz. Este quase-ciclo (50 anos) ficou caracterizado por dois interciclos; primeiro o da experiencia socialista e o segundo o da democracia multipartidária. Estamos a fechar o primeiro interciclo da democracia multipartidária e em História é comum processos mal-acabados colapsarem nos primeiros 25 anos. A solução derradeira desta crise vai implicar a reconfiguração das estruturas que sustentam as actuais relações políticas e sociais e económicas. Não se trata de matar Dhlakama ou golpear Nyusi apenas. Trata-se isso sim, de uma total reconfiguração da forma como a democracia é feita, vivida e praticada em Moçambique. De uma coisa tenho certeza: o sucesso desta crise passa pelos dois contendores concentrarem-se em problemas de fundo. Nós como povo temos problemas de fundo. A nossa democracia tem problemas de fundo. Devemos resolver estes problemas. Só que existe também um outro problema: o nosso interlocutor precisa ser concreto e focado. O problema da Renamo é que quanto senta à mesa das negociações pede de uma vez só sete, oito, nove a dez coisas, entre as quais “bens perecíveis”. Aqui a causa de pedir deve ser coesa, blindada, de tal sorte que o seu resultado terá efeitos em cascata sobre o resto.Agora quando começamos a negociar e a meio começamos a pedir carro, despesas de representação, meios de locomoção, casas, subsídios deste e daquele, facilidades “naquele terreno”, convites para pescar, etc., os outros começam também a pensar noutras coisas, inclusive em divertir, cooptar, trair, dilatar, etc. Eu sei que não devia ter escrito este parágrafo. (Egídio Vaz/Historiador)

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

Extremismo inútil da Renamo!

O chefe de mobilização e propaganda da Renamo ao nível da província de Sofala, Horácio Calavete, disse esta segunda-feira, em conferência de imprensa por si concedida na cidade da Beira, que, em reacção aos raptos e posterior assassinato de que estão a ser alvo os delegados do maior partido da oposição a nível de base, em vários pontos das províncias da região centro do país (Sofala, Manica, Tete e Zambézia), a formação política de que ele é membro iria montar postos de controlo nalgumas estradas por aquela região, para que todos os carros suspeitos de transportar os que perpetram tais actos criminosos possam ser revistados.
O problemático anúncio feito ao princípio desta semana acontece num contexto em que já se estão a tornar infelizmente frequentes situações de raptos, baleamentos e, quase sempre, assassinatos de dirigentes de base da Renamo e da Frelimo, não havendo, quase em absoluto, dúvidas de que aquelas acções têm como mote a intolerância política entre os dois principais partidos políticos, não se sabendo se com o aval ou não das suas lideranças de alto nível. A Renamo, como resultado dos pontos não devidamente geridos no Acordo Geral de Paz (AGP), assinado a 4 de Outubro de 1992, em Roma, ainda mantém guarda armada, não se sabendo em concreto quantos homens e mulheres; a Frelimo, acredita-se, não é um partido armado, mas, estando no Governo, num contexto em que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) parecem politicamente independentes apenas em termos teóricos, pode ter controlo mais do que razoável sobre os gendarmes e/ou militares.
Apesar de o contexto aparentar ser mais desfavorável à Renamo, com o que, até prova em contrário, parece ser o partido que está a ver maior número de elementos seus a serem raptados e executados, achamos ser absolutamente desnecessário o extremismo em que o partido liderado por Afonso Dhlakama se está a envolver, manifestado, de resto, por irresponsáveis declarações como as proferidas pelo chefe de mobilização e propaganda daquele partido em Sofala.
Não estamos, de jeito nenhum, a dizer que a liderança da Renamo deveria ficar indiferente ao que se está a passar, num quadro em que tanto o seu presidente como o secretário-geral – Afonso Dhlakama e Manuel Bissopo, respectivamente – já foram, eles próprios, alvos de atentados às suas vidas. Mas afigura-se-nos absolutamente kamikaziano optar por vias de clara e cristalina irresponsabilidade, supostamente em resposta às situações tais.
Apesar do que a Renamo habitualmente refere serem as entidades estaduais responsáveis pela investigação de situação daquela índole, pensamos que, até como forma de reunir elementos para consubstanciar alegações tais, o maior partido da oposição deveria cuidar de exigir das autoridades o esclarecimento daqueles tristes casos. Aliás, antes disso deveria solicitar o controlo da situação, o que passaria, naturalmente, pelo reforço das medidas de segurança e/ou de policiamento.
Por outro lado, uma denúncia pública, firme e veemente do que está a suceder, expondo factual e compreensivelmente todos os elementos à sua disposição, concorreria para que, muito facilmente, a Renamo colhesse apoio de influentes segmentos domésticos e internacionais. Quanto a este último domínio, cremos que solicitar a intervenção dalgumas representações diplomáticas jogaria a favor da Renamo, diferentemente da opção por vias que, pela sua gravidade, colocam em causa todos os alicerces do Estado moçambicano. Não se exclui, nisso, as próprias instâncias internacionais responsáveis pela salvaguarda dos direitos humanos, no quadro do que se destaca a protecção da vida, o mais importante bem jurídico.
Sendo questionado pelos cidadãos o facto de, amiúde, agentes da Polícia de Protecção se envolverem em acções normalmente sob a alçada dos seus colegas da Polícia de Trânsito, não se esperaria apoio popular nessa empreitada que a Renamo diz pretender abraçar, designadamente a instalações de postos de controlo de viaturas. Com que base a guarda armada da Renamo há-de mandar parar viaturas, solicitar documentos aos ocupantes das mesmas e efectuar vasculhas? Até as próprias forças policiais são, em situações ordinárias, proibidas de fazer isso, em homenagem à liberdade de circulação e/ou movimento, que é, em Moçambique, um direito fundamental!
Na verdade, é expectável que, caso a Renamo avance com o que foi esta segunda-feira anunciado na Beira, as FDS respondam de forma violenta, com o que mais sangue será derramado. Sobretudo agora que estamos a menos de 20 dias do prazo avançado pelo líder da Renamo, em várias teleconferências e entrevistas, para o “início da governação”, pelo maior partido da oposição, nas províncias em que ele e/ou o seu líder reivindicam ter ganho.
O que está a acontecer, reireramos, é extremamente grave. Contudo, pensar que o estabelecimento de postos de controlo, não se sabendo com que suporte jurídico-legal, se algum, pode resolver o que se está a verificar, é uma atitude lamentável. É, há que sublinhar, tempo de a Renamo se compatibilizar com as suas responsabilidades estatuais, sobretudo no actual contexto de paz podre, no qual até encontros que deveriam ser a coisa mais comum e que nem deveriam ser elevados ao estatuto de notícia, senão mera informação (reuniões regulares entre o Presidente da República e o segundo candidato mais votado), são das coisas cada vez mais raras.

O extremismo da Renamo, porque inútil, como o é quase sempre o extremismo, a ninguém beneficiará, incluindo à própria Renamo! (Ericinio de Salema)(Ericinio de Salema)

Onde vem escrito “Quénia”, leia-se “Moçambique”

Resultado de imagem para KeniaÉ a nossa vez de comer - uma expressão esclarecedora sobre o sentido de alternância governativa democrática em África - é o título de um livro que relata, de forma vigorosa e cáustica, a história de um escândalo de corrup- ção de alto nível, alguma vez denunciado no Quénia, consequência da captura do Estado por elites predadoras, ancoradas em forças políticas de base tribalista ou regionalista. Ao longo de anos sem fim, Ministros de áreas-chave, de governos de partidos rivais, saqueiam o Estado em várias centenas de milhões de dólares, simulando aquisições de equipamento tecnologicamente sofisticado… para a modernização das forças de defesa e segurança do país! Uma saga pungente e corrosiva, cuja arquitectura faz lembrar estórias moçambicanas e constitui um sério alerta ao próprio percurso político de Moçambique.

O livro de Michaela Wrong, uma jornalista internacional com larga experiência de trabalho em África, onde cobriu vários eventos e crises políticas para a BBC, a Reuters e a Financial Times, conta a odisseia de um alto funcionário do governo queniano que, confrontado entre a lealdade tribal/ partidária e a sua consciência ética, opta por esta última, pisando graves riscos pessoais e para a sua família, incluindo o risco da própria vida! Através de uma pesquisa rigorosa, Michaela Wrong demonstra como se urdem os esquemas de corrupção de alto nível dentro do governo, em conluio com o mundo dos negócios, questionando também o papel, quantas vezes cínico, dos doadores ocidentais, na luta contra a corrupção em África. O texto que se segue é uma tentativa de resumo de um denso livro de 354 páginas, publicado em 2009, mas cada dia mais actual!

Resultado de imagem para Mwai KibakiQuando Mwai Kibaki ganha as eleições presidenciais de 2002 no Quénia, ele vinha de duas derrotas em 1992 e 2000, a favor de Arap Moi, no poder desde 1978. Enquanto líder da oposição no Parlamento, Kibaki tinha desenvolvido um forte discurso anticorrupção, atacando o seu antigo líder, agora rival: afinal Kibaki era uma velha raposa da política queniana, com passagem por diversos cargos ministeriais, desde a era de Jomo Kenyatta, o fundador do estado queniano, até à era do próprio Arap Moi, de quem foi, aliás, Vice-Presidente, ao longo de 10 anos: de 1978 a 1988! Até que em 1991, Kibaki rompe definitivamente com Arap Moi e o seu partido, o KANU (Kenya National Union). No seu discurso de tomada de posse, Kibaki vai reiterar, em termos resolutos, “tolerância zero à corrupção”, a pior e a mais arreigada das endemias de governação do país, incubada e desenvolvida desde a independência do país, em 1964, sob a couraça político- -ideológica do tribalismo e do regio- nalismo. Com efeito, quando da independência do Quénia em 1964, sob a liderança de Kenyatta, os Kikuios, a tribo maioritária do país, tornaram-se o grupo dominante, tendo-se apoderado das terras férteis deixadas pelos colonos britânicos e dominado a administração estatal.

Onde vem escrito “Quénia”, leia-se “Moçambique”; onde vem escrito “tribos/tribalismo” leia-se “partidos/ partidarismo”. Com a ascensão de Arap Moi ao poder, emergiu a era dos Kallenjin, que passariam a dirigir a máquina do Estado e a ascender, também, a grandes negócios da mais forte economia da África Oriental. Porém, a chegada ao poder de Kibaki (da tribo Kikuio) parecia prenunciar o fim deste ciclo: quando rompeu com Moi, o “elitista jogador de golfe” - como alguma imprensa o qualificava - logrou criar e liderar uma forte aliança com outras forças da oposição, através da NARC (National Rainbow Coalition), para derrubar o governo do seu antigo líder. A NARC incluía partidos conotados com diferentes tribos, nomeadamente com a mais directa tribo rival, a dos Luo, agrupada em torno do Orange Democratic Party, liderado por Raila Odinga. Como se não bastasse, os parceiros ocidentais do Quénia haviam já bloqueado toda a ajuda a Arap Moi, após sucessivos escândalos de corrupção massiva de alto nível! Este quadro parecia proporcionar a Kibaki excelentes condições sócio-políticas e psicológicas para introduzir reformas políticas estruturais no Quénia. Sendo um homem do “sistema”, Kibaki seria, pois, a figura certa para liderar uma revolução pacífica na sociedade queniana, libertando-a das políticas tribalistas que engendravam, desde há 50 anos, uma distribuição incestuosa e potencialmente explosiva da renda nacional. Afinal, não tinham sido forças políticas fora do “sistema” a liderar os processos de reformas políticas profundas que transformaram a África do Sul e a União Soviética (sobretudo neste último caso), nos finais dos anos 1980, mas sim dirigentes máximos do próprio “sistema”, como foram os casos de Frederich de Klerk e Michael Gorbatchov! Por isso, dizem as crónicas da época, a ascensão ao poder de Kibaki era celebrada, mais pelo fim do regime cleptocrata de Moi, do que pela chegada ao poder do novo Presidente! Ou seja: as razões da expectativa ultrapassavam a figura do novo Presidente! No acto da sua investidura, e discursando mesmo ao lado do seu antecessor, Kibaki vai afirmar: “A era do “vale tudo” (any thing goes) acabou!” E sentencia: “A corrupção vai agora deixar de ser o modo de vida no Quénia!” Na linha desta retórica, nos primeiros meses do consulado de Kibaki, os jornais vão sair todos os dias com estórias pitorescas, assinalando a “nova era”: condutores de matatus (“chapa cem”), vão procurar agentes corruptos da Polícia nas esquadras, exigindo que lhes devolvam dinheiro que lhes vinham extorquindo na estrada, ao longo de anos, naquilo que é comummente designado por kitu kidoko (pequena corrupção). Por seu lado, funcioná- rios públicos vão escrever em jornais, revelando nomes de seus superiores hierárquicos, a quem pagavam mensalmente kitu kidoko, como “taxas de segurança”, para manterem os seus empregos seguros; nas salas de espera e em gabinetes de Gestores Públicos são pendurados grandes quadros, proclamando, em letras garrafais: “zona livre de corrupção” ou “aqui não se aceitam subornos”; etc. O próprio Presidente Kibaki vai criticar publicamente grandes empresas que haviam comprado largos espaços nos jornais, para o felicitarem, dizendo que estavam a desperdiçar dinheiro! (A mensagem verdadeira era: “escusem-se de me “escovar”!). As largas fotografias de Arap Moi, algumas de corpo inteiro, ubiquamente pregadas em tudo quanto fosse sítio, vão ser retiradas, mas o novo Chefe de Estado proíbe que sejam substituídas pela sua própria imagem; as sirenes da comitiva presidencial, cortejada por filas de motorizadas de alta cilindragem, que paralisavam o já insuportável tráfego de Nairobi, desaparecem: um novo Quénia parece anunciar-se! Um Czar anti-corrupção no Governo Para provar que falava a sério, a respeito da luta contra a corrupção, Kibaki vai criar, junto do seu Gabinete, um posto com um propósito claro: o de Secretário Permanente para a Governação e Ética, uma entidade estatal dotada de poderes extraordinários e plenipotenciários, que incluem acesso directo e privilegiado ao Chefe de Estado, a qualquer hora. A escolha do titular de tão poderosa pasta vai reconfirmar, aos olhos da opinião pública, designadamente da Sociedade Civil e dos doadores, a determinação do Presidente: 
Resultado de imagem para John Githongo,John Githongo, renomado jornalista investigativo e antigo Director Executivo da Transparência Internacional (TPI) no Quénia, é o todo-poderoso Czar Anti-Corrupção que Kibaki vai designar! Githongo, temperado nos meandros de uma comunicação social inquisitiva e de uma sociedade civil fortemente interventiva, chega ao Governo com a reputação de intrépido combatente anticorrupção: ao longo de anos, tinha sido um carrasco do governo de Arap Moi, investigando e denunciando furiosamente o regime corruptocrático do sucessor de Jomo Kenyatta. Encorajado por este clima, Githongo vai encarar a sua missão com determinação, penetrando rapidamente redes de uma poderosa classe de predadores do Estado, que floresceu coberta por uma densa manta do mais primário tribalismo e nepotismo. Um número de funcionários de escalão médio do anterior regime vai ser arrastado à barra do tribunal e obrigado a devolver fundos e património do estado de que se haviam locupletado inescrupulosamente. Com as notícias da sua “obra” fazendo eco junto da popula- ção, Githongo vai começar a receber informações não solicitadas, porém particularmente inquietantes: altos funcionários do seu próprio governo são indiciados de…continuar os esquemas do anterior regime! Pouco a pouco, Githongo vai-se dando conta de estar a desfiar a pele de uma jiboia que parece prolongar-se sem fim, pela mata adentro. Contudo, também cedo ele vai se aperceber de que, se a sua “perseguição” judiciária aos cleptocratas do regime de Arap Moi poderia ocorrer com algum resultado, já o mesmo não seria de tolerar, quando tratando-se de seus colegas, ministros do mesmo do governo: se Arap Moi tinha “comido” com a sua tribo, os Kalenjin, era agora a vez de Kibaki e a sua tribo, os Kikuio, de também “comerem”! Com efeito, assim que os Serviços de Segurança do Estado dão-se conta de que o “Czar anticorrupção” quer ir “longe demais” e “depressa demais”, vão tratar de travar-lhe o ímpeto: aos seus pedidos de informação, passam a responder com relatórios ocos. Em face desta realidade, Githongo vai lançar mão dos seus recursos investigativos, adquiridos na Transparência Internacional: decide estruturar uma rede privada de informantes de primeira água, que lhe vão fazer “leaking” de informação valiosa, a partir de Ministérios estratégicos e do Banco Central: tinha orçamento suficiente para pagar generosamente por informação de qualidade!

Mês-após-mês, assim que penetra naquilo que se vai relevar ser um tú- nel profundo e escuro, Githongo vai acabar por dar “de caras” com um devastador esquema de delapidação de fundos públicos, através do qual Ministros do seu Governo roubam ao Estado, impiedosamente, milhões de dólares, mensalmente!
Na base de um esquema com terminais no exterior, Ministros de áreas- -chave, nomeadamente das Finanças, da Justiça, do Interior, dos Transportes e Comunicações, da Defesa e da Segurança e entidades subordinadas, haviam criado uma empresa fantasma, denominada Anglo Leasing, com um falso endereço de Londres. A esta empresa, eles iam “encomendando”, sucessivamente, equipamento sofisticado, de tecnologia de ponta, supostamente destinado à modernização das forças de defesa e segurança! A longa lista de equipamento constante de falsos contratos inclui: uma rede digital multi-canais de comunicação para os serviços penitenciários; novos helicópteros e um sistema seguro de comunicações para a polícia; uma fragata de tecnologia de ponta para a marinha de guerra; uma rede de dados e serviço de Internet via satélite para os Correios; um sistema sofisticado de vigilância militar denominado “Project Nexus”; um sistema de radar de aviso prévio para os serviços de meteorologia, etc., etc. Para a “aquisição” destes equipamentos, o gangue lançava concursos internacionais, para os quais concorriam, de facto, várias empresas que, apesar da sua reputação internacional nas respectivas áreas de especialidade, sempre perdiam a favor da …Anglo Leasing! Ao longo de anos, com esta empresa, eles e seus antecessores, do Governo de Arap Moi, haviam simulado um total de 18 contratos milionários! A opção por “equipamento de segurança nacional” é óbvia: à luz das leis de segurança do estado, sempre há- -de ser, em qualquer parte do mundo, entendível que tais operações sejam efectuadas pelo governo em ambiente sigiloso, sendo o acesso aos respectivos ficheiros extremamente restrito, mesmo para a acção fiscalizadora do Parlamento… Velhas cobras debaixo de novas alcatifas
Dos 18 contratos através dos quais o gangue urdiu esta saga, 12 haviam sido assinados na era de Arap Moi; os restantes seis…já no primeiro ano da era de Kibaki! Ou seja: quando Kibaki assume o poder, as velhas cobras que ele tanto atacava, enquanto líder da oposição, enfiaram-se no seu Gabinete e esconderam-se debaixo das novas alcatifas! A rede, tentacular, tem conexões junto de sectores da comunidade queniana de origem asiática, conhecedora dos meandros da corrupção internacional! Rapidamente, os Ministros vão dar-se conta de que o Czar Anticorrupção está “cavando” fundo demais e acabará, inevitavelmente, por descobrir o secreto esquema: encarando-o como “irmão” do mesmo sangue Kikuio, chamam-no e lhe dizem: “na verdade, a Anglo Leasing…somos nós”. A “justificação” apoia-se, exactamente, em argumentos tribalistas: “o governo anterior privilegiou os Kalenjin, a tribo de Arap Moi; agora somos nós, os Kikuios: é a nossa vez de comer…” O grupo - a que Githongo vai mais tarde designar por “Mafia do Monte Quénia” - faz esta revelação na convicção de que ele, sendo Kikuio, vai condescender e, assim, desistir de mais investigações: não só se enganavam, como também corriam um alto risco: afinal Githongo estava gravando, discretamente, esta confissão e iria gravar muitas outras conversas sigilosas, com os ministros do seu governo, nos tempos que se iam seguir!

Ao longo do período em que finge ignorar as operações da Mafia do Monte Quénia, Githongo vai tendo acesso a mais evidências sobre o esquema e, já na posse de provas suficientes, escreve uma carta ao Governador do Banco Central, pedindo-lhe para parar imediatamente com quaisquer novos pagamentos à Anglo Leasing, e solicitando detalhes sobre todo o di nheiro transferido para a firma até à data. Compilados vários documentos e cruzadas várias fontes, os auditores descobrem que o gangue acoitado no Governo tinha saqueado, através daquele esquema, nada menos que… 751 milhões de dólares, ao longo de anos! Ora, uma tal quantia, de tão elevada, já não causa qualquer revolta no cidadão comum, pois ela já não cabe, nem faz qualquer sentido, na sua cabeça! Pouco depois, John Githongo, tomando pequeno-almoço com Kibaki - o que era habitual, tal era a sua proximidade com o Presidente - conclui ter chegado o momento apropriado para dar o passo decisivo, e sugere ao Chefe de Estado: “Vossa Excelência tem agora todas as evidências necessárias para agir; confiar no nosso sistema de justiça… não vai adiantar nada: sugiro-lhe, pelo contrário, uma acção política enérgica!” Githongo fica na maior expectativa, pois está convicto de que, chegado a este ponto, o seu desempenho satisfaz, certamente, as expectativas do Presidente! E o que diz o Presidente? Para o total espanto de Githongo, o Presidente vai reagir como reagiria um rato surpreendido com uma fatia de queijo na boca, e diz, simplesmente: Take it easy…Isto é: “tenha calma”. O Presidente diz isto e levanta-se da mesa, deixando Githongo estupefacto e confuso: afinal o que quer o Presidente?! Nos dias que se seguem o Secretá- rio Permanente para a Governação e Ética vai começar a notar que os seus colegas do Governo, Ministros, olham-no de forma estranha, de soslaio, e lançam-lhe piadas despropositadas, conduta não muito comum aos hábitos algo sisudos, pretensamente britânicos, da classe política queniana. Dias depois, o Presidente, surpreendendo Githongo, convoca a imprensa, dizendo que pretende fazer uma comunicação à Nação: John Githongo não tem dúvidas: o Presidente vai, certamente, anunciar uma remodelação governamental, demitindo os ministros corruptos e nomeando um novo governo. Não poderia estar mais equivocado! A Mafia do Monte Qué- nia vai, pelo contrário, sair reforçada do discurso televisivo do Presidente e ele… transferido para um obscuro gabinete, junto do Ministério da Justiça! Exactamente o Ministério que, com o das Finanças, liderava as operações da Anglo Leasing, que ele tinha documentado e denunciado ao Presidente! No dia seguinte, quando Githongo arrumava os papéis do seu gabinete, para se mudar, um assistente do Presidente vai ter com ele diz-lhe o seguinte: na verdade, o Presidente não o tinha demitido do seu cargo: foi o Ministro da Justiça que, sub-repticiamente, enfiou um parágrafo no discurso do Presidente, com o nome de Githongo, anunciando aquela transferência! E o assistente do Presidente enfatiza: “Aposto que o Presidente nem se deu conta do que leu…até agora!”
Quando, incrédulo, John Githongo vai ter com o Presidente, o que vai ocorrer é uma cena absolutamente surrealista: o Presidente mostra- -se sinceramente espantado; nega a pés juntos que o tenha demitido, e diz-lhe para continuar a trabalhar… …”normalmente”! O que será que se estaria a passar? Teria o “velho” sido enganado, e de forma tão vil e primária, por um dos seus ministros-chave, sem se dar conta de nada? Estará o Presidente em pleno gozo das suas faculdades mentais? Ou serão ainda sequelas do ataque cardí- aco que sofreu, na sequência do grave acidente de viação de que foi vítima, durante a campanha eleitoral? Ou será o velho hábito dos líderes fracos - quais generais cobardes! - de querem agradar a toda a gente, ficando paralisados, na hora de tomar grandes decisões? Ou então a velha táctica de pronunciar discursos de mudança, porém sistematicamente desmentidos pela prática, para criar o discurso desculpabilizante, bem africano, segundo o qual “o Mais Velho quer honestamente a mudança, mas está rodeado de crápulas que o sabotam”? Todas estas perguntas cruzavam-se na cabeça de Githongo, porém sem reposta. Mas um facto apresentava- -se-lhe evidente: depois de tudo, já não lhe restava ambiente de trabalho sustentável!

Resultado de imagem para KeniaDesiludido com o sistema, mas sobretudo, com o Presidente, Githongo abandona o governo e parte para Oxford, aonde ensaia pretender continuar com os estudos superiores, numa instituição de estudos estratégicos internacionais. Contudo, em vez disso, e com a ajuda da sua antiga rede de informantes, de Nairobi, ele vai entregar-se a uma tarefa monumental: transcreve as suas várias de horas de gravações secretas, em que os Ministros assumem a Anglo Leasing e revelam o funcionamento do esquema; consubstancia com os seus sistemáticos diários pessoais; junta documentos oficiais do Banco Central e de Ministérios-chave e outras entidades oficiais envolvidos e prepara um detalhado dossier sobre a saga. Entretanto, e sem surpresa, de Nairobi é lançada uma forte campanha para o desacreditar, com artigos de encomenda na imprensa: vão chamá-lo de vil traidor, que acabou se desmascarando, entregando-se aos seus patrões britânicos, dos serviços secretos do MI6! Um anti-patriota sem escrúpulos nem classe, que traiu a confiança dos colegas, e vive agora uma vida de Lord, graças a negociatas sobre segredos de estado! Os ataques vão atingir a sua família: o pai, dono de uma das maiores empresas de auditoria do Quénia, que quase detinha o monopólio das auditorias das entidades pú- blicas do país há várias décadas, perde todos os contratos e vai praticamente à falência! Mas Githongo ainda não perdeu a esperança; ainda acredita no Presidente; e acredita que Kibaki, na posse de informação mais consubstanciada sobre a Mafia do Monte Quénia, vai certamente reagir: cria todas as condi- ções necessárias para enviar, com segurança, o seu dossier ao Presidente, e certifica-se de que este o vai, efectivamente ler! O Presidente, após ler o dossier, ao longo de toda uma tarde, fecha-o e deixa-o na sua secretaria. Até ser arquivo pelos assistentes, na manhã seguinte. E…silêncio! Githongo vai ainda fazer inúmeras tentativas, para ser ouvido pessoalmente por diferentes instituições do Estado, incluindo o parlamento: em vão! Chegado a este ponto, ele toma uma decisão de recurso: decide revelar o dossier através da comunicação social queniana! Assim, em 2006 os ficheiros da Mafia do Monte Quénia começam a ser revelados pelo Jornal The Nation: peça por peça, dia-após- -dia, sendo reproduzidos - inevitavelmente! - por toda a imprensa queniana e vasta imprensa internacional! As reacções não vão tardar: a oposição pede a dissolução imediata do governo; a sociedade civil e as Igrejas  pedem a “cabeça” de vários ministros!
(Tomás Vieira Mário/jornalista)