domingo, abril 24, 2011

“A produção em Moçambique era melhor nos anos da guerra” (2)

É dos mais activos académicos moçambicanos, em termos de produção científica. Economista de grande gabarito nacional, docente universitário, Professor Doutor em Ciências Agrárias, João Mosca. Foi com este reputado académico moçambicano que o Canal de Moçambique dialogou sobre diversos assuntos da vida do país, mas com principal enfoque na economia. Mosca responde a todas as questões que lhes são colocadas. Aliás, não escassas vezes, tivemos que interrompê-lo durante a explanação para colocarmos outras questões. De mais de duas horas de conversa, transcrevemos aqui a segunda parte do essencial da entrevista.

Canal: Com uma economia fraca, temos três dezenas de ministros. Como explicar isto?

CM: Nosso aparelho do Estado é grande, é muito pesado, é ineficiente, é pouco eficaz e tem poucas relações com a população, está pouco próximo do cidadão, logo significa que é necessário fazer reformas profundas na nossa administração pública. Este é outro dos aspectos que faz com que, apesar de a guerra ter terminado já há 16 anos, os resultados da nossa economia, excepto em alguns aspectos, sejam muito fracos e a situação da economia do país seja muito, muito crítica.

CM: Quais as reformas que sugeria, Dr., para o nosso aparelho do Estado, se já está a decorrer a Reforma Geral do Sector Público?!

JM: Na administração pública, o objectivo é sempre aumentar a eficiência, aumentar a eficácia, pôr o Estado mais junto do cidadão, e fazer com que o Estado crie melhores ambientes de negócios, que o Estado deixe funcionar melhor os mercados e desenvolva algumas actividades fundamentais que o sector privado não tem capacidade de realizar.É preciso rever-se a actual estrutura do aparelho do Estado, com 28 ministérios! Eu venho de dois, três países da Europa onde há 16 ministérios, e são economias que produzem 100 vezes mais que a economia moçambicana; eu venho de países que tem 16 ministérios e tem duas a três vezes mais população que Moçambique!

Portanto, o volume, a quantidade de ministérios é bastante inacreditável.Segundo ponto, é pôr o Estado mais junto do Distrito, mais junto dos locais. Neste momento, cerca de 80% do Orçamento do Estado é consumido em Maputo. Ora, isso tem que inverter. Tem que ser afectados mais recursos financeiros, mais recurso humanos, mais capacidade executiva e de definição de aplicação criativa das políticas centrais a nível de cada distrito, na medida em que o país é muito diferente de um lado para o outro.Por outro lado, é necessário qualificar o aparelho do Estado. O Estado está muito fraco de recursos humanos. Por exemplo, na Agricultura, um caso que conheço bastante bem, os melhores quadros com mais experiência e com mais qualificação profissional e com mais formação académica, neste momento estão fora do Ministério da Agricultura. Ora, essa capacidade intelectual não está a ser aproveitada para os fins que são necessários.Finalmente, eu penso que é fundamental, despartidarizar o aparelho do Estado. O Estado é um aparelho que é de todo o povo. O estado não pode ser da Frelimo. A Frelimo não é o povo, o povo não é a Frelimo. O Estado é o órgão que presta um conjunto de serviços de interesse de uma nação, independentemente das exaltações políticas de cada cidadão. Portanto, a despartidarização é uma forma clara de legitimar o próprio Estado perante o Povo, é uma forma clara de recuperar a moral política.Finalmente, eu penso que seria necessário dar a credibilidade e moralidade ao Estado, no sentido de que os seus dirigentes devem viver tão modestamente quanto possível, os seus dirigentes devem ser fiéis cumpridores da causa pública, os seus dirigentes devem viver com austeridade, desempenhar as suas funções com austeridade e reduzir os custos públicos das suas instituições.Como vê, estas são as reformas que neste momento não estão a ser implementadas.

CM: Dr., dizia numa entrevista que a produção em Moçambique estava melhor há 40 anos que agora. Pode apresentar dados concretos?

JM: Eu tenho dados concretos em relação à Agricultura. Na agro-indústria, produzia-se melhor nos anos 80. Por exemplo, chá, copra, algodão, sisal, arroz, carnes, leite, todos esses produtos hoje produz-se menos do que nos anos 80, em tempos da guerra. Então, isso significa que alguma coisa está mal! Mas também há algumas culturas que temos hoje melhor produção: o milho, a mandioca, gergelim, tabaco, açúcar, tiveram respostas positivas, embora nem todos atingiram os níveis dos meados dos anos 70.

CM: A que se deve esta realidade, na sua interpretação?

JM: A que se deve? Principalmente a políticas agrárias inconsistentes. E aquela frase de que a “agricultura é a base de desenvolvimento”, é uma não verdade que se vai verificando há 30 anos! Como é que eu digo isso? Digo porque, neste momento, a agricultura, cuja dita é a base desenvolvimento, tem apenas um investimento de apenas 4% do Orçamento do Estado.Do investimento total da economia, apenas cerca de 10% é que é para a Agricultura. E se nós retirarmos dessa percentagem, o algodão, o açúcar, o tabaco, a madeira, o resto que fica nas chamadas culturas alimentares é quase imperceptível.Outro aspecto importante é a questão dos preços. Os preços são permanentemente desfavoráveis aos produtores agrícolas. Os salários no meio rural são, em média, 30% inferior ao salário praticado nos outros sectores da economia.Portanto, há um conjunto grande de gestão dos instrumentos macro económicos que revela que a agricultura parou. Para as diferentes governações que houve aqui, nunca foi a base do nosso desenvolvimento económico, por isso a agricultura vem decaindo ao longo do tempo. Por exemplo, existe cerca de 140 mil hectares de regadio, mas, neste momento, só cerca de 40 mil hectares estão em funcionamento, e estes não significa que estão em pleno funcionamento. Temos cerca de 70% da nossa capacidade em infra-estrutura de regadio não aproveitada. Paralelamente, ao invés de estarmos a conservar os regadios existentes, estamos a construir outros pequenos regadios por aí, pelo país, sem qualquer estratégia de implantação de regadios.Outro aspecto é que, por exemplo, as implantações: neste momento, há menos plantações de citrinos, menos plantações de caju, menos plantações de copra, menos plantas de chá, do que havia há 40 anos atrás! Porquê? Porque houve incêndios, porque as pessoas simplesmente arrancaram citrinos e puseram outras culturas.Portanto, a nossa capacidade produtiva, em termos de capital produtivo reduziu drasticamente. Para não falar agora das nossas florestas que estão a ser dizimadas, para não falar dos serviços de mecanização, de comercialização, que reduziram bastante.

Por outro lado, devo recordar que desde 1975 até agora houve 11 ministros da Agricultura. Isso significa que, em média, cada um está três anos no poder. O que é que isso revela? Revela uma grande instabilidade institucional.Não só os ministros, os directores nacionais, a estrutura do próprio ministério. Temos, como por exemplo, a hidráulica que já foi secretaria do Estado directamente dependente do presidente; já foi secretaria do Estado dependente do próprio ministério, depois passou para direcção nacional e assim sucessivamente. E depois acontece que quando vem uma nova pessoa pensa que tudo o que tinha antes estava errado.As políticas agrárias são inconsistentes, são descontínuas e também são desajustadas, por isso tudo isso faz com que a agricultura esteja na situação em que está.

CM: Com esta situação, a médio e longo prazo para onde é que caminhamos como Estado, que é um ente permanente? Diz-se que passam os regimes, mas o Estado permanece.

JM: Uma vez em conversava com um amigo, dizia-me: “Mosca é preciso ter uma paciência histórica”. Eu lhe disse que “teria paciência histórica se soubesse que estamos no bom caminho”.Portanto, eu penso que é preciso reflectir profundamente na política económica do país, é preciso reflectir profundamente nas políticas sectoriais do país. Já está absolutamente claro que, ao fim de 20, 30 anos, as coisas não funcionaram.É preciso ter coragem para aceitar ruptura de pensamento, de estratégia, é preciso ter coragem para dizer que vamos pensar profundamente e aquilo que for necessário alterar, vamos alterar.Enquanto não houver esta percepção à esta consciência e à vontade de alterar profundamente as coisas, nós vamos caminhar num “caminho” que é impossível ter a paciência histórica

CM: Olhando para as pessoas que estão a dirigir o país, pensa que é possível essa ruptura?

JM: Não sei se é possível essa ruptura, porque quem deve fazer esta ruptura está metido no negócio, está a ganhar dinheiro. Não são produtores, são ganhadores. E para eles, este tipo de situações, individualmente para a sua estratégia pessoal e do grupo, são favoráveis.E o povo? Só se lembram do povo ou quando existe eleições ou quando há manifestações com pneus a arder. Aí já nos recordámos do povo.

- Desta longa entrevista, postaremos as ultimas duas partes proximamente.

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