segunda-feira, novembro 04, 2013

Análise fria (1)

Armando Emílio Guebuza foi empossado Presidente da República de Moçambique no dia 2 de Fevereiro de 2005, na Praça da Independência, Cidade de Maputo, pelo então Presidente do Conselho Constitucional, Doutor Rui Baltazar, sucedendo a Joaquim Alberto Chissano que governou o país durante 18 anos. É o terceiro Presidente de Moçambique e o segundo democraticamente eleito. Na sua tomada de posse, Guebuza elegeu como sua missão o combate contra a pobreza e destacou a corrupção como um mal que coroe as instituições do Estado e promove a não confiança do cidadão nestas. Afirmou que não era tempo de andar, mas sim “de acelerar o passo”, rumo à vitória contra a pobreza que, entretanto, aumentou nos últimos anos. Nesta série, pretende-se analisar a sua governação de forma fria e, tanto quanto possível, imparcial. O título foi “emprestado” do propalado e contestado programa televisivo que tem levado muitas mentes “iluminadas” a desdobrarem-se em demonstrações de quão imaculada é a figura do Presidente, como se outros presidentes, talvez melhores do que ele, nunca tenham existido nesta “Pérola do Índico” habitada pelo “maravilhoso Povo Moçambicano”.
Estilo de governação
Armando Guebuza privilegiou um estilo de governação inclusivo e participativo que, muito rapidamente, transformou-se em estilo populista e despesista. O Presidente chegou ao cúmulo de usar seis helicópteros e uma avioneta de carga (dizem que transporta dezoito malas de roupa e outros pertences de Sua Excelência) para se deslocar da Cidade de Maputo para Marracuene ou Boane, sabido que as nossas Forças Aéreas não possuem um único meio aéreo e que os meios usados acarretam avultadas somas de dinheiro que ele próprio não se cansa de dizer que o país ainda não tem. Em cada ponto do país por onde passou, entre distritos e postos administrativos, mandou construir tribunas com custos estimados em mais de meio milhão de Meticais, sem impacto económico algum nas respectivas comunidades.
Lembro-me que o Ministro do Interior, Alberto Mondlane, assumiu certa vez que as precárias condições de trabalho da PIC reflectiam a realidade do país. É caso para perguntar: as sumptuosas presidências abertas que realidade reflectem? A valorização dos Heróis Nacionais foi uma atitude de grande utilidade histórica, mas teve a desvantagem de ser demasiado onerosa e mais a favor das pessoas próximas do Presidente do que propriamente das famílias dos próprios heróis. As presidências abertas foram um instrumento de popularização da figura do Presidente, cujo impacto económico deveria ser estudado e determinado. Acresce-se a isso as digressões da Primeira Dama, que faz “presidências abertas paralelas”, arrastando consigo verdadeiras frotas automóveis, com construções de residências dos líderes comunitários de permeio para as famosas “noites à volta da fogueira”.
Outra medida populista do Presidente foi a instituição do actual “Fundo de Desenvolvimento Distrital”, vulgos “7 milhões”, cujos critérios de atribuição, utilização e desembolso são até hoje questionáveis. Seria interessante que instituições académicas e de investigação trouxessem à tona os reais impactos económicos e sociais deste fundo nas comunidades porque a olho nu são difíceis de quantificar/qualificar. Este fundo reforçou a influência do Partido FRELIMO nas bases porque qualquer moçambicano que dele quisesse beneficiar tinha que render vassalagem às autoridades partidárias. Ademais, a maioria dos beneficiários são dirigentes do Partido ao nível da base, o que dificulta a cobrança (coerciva) por parte das autoridades governativas locais.
Guebuza mostrou-se desde logo averso à crítica, tendo se esquecido que é da crítica que o país avança e se desenvolve; que é da crítica que surgem as reformas do Estado e se desenham novas estratégias de governação consentâneas com os desafios actuais. O Presidente se esqueceu que não seria possível os mais de 20 milhões de moçambicanos pensarem da mesma maneira e tratou de atribuir nomes aos seus críticos que não dignificam um presidente que jurou servir a todos os moçambicanos, independentemente das suas convicções políticas ou ideológicas. Ele desencorajou a liberdade de pensamento e procurou alienar as mentes dos moçambicanos, onde a imprensa independente não escapou. Até dentro do Partido FRELIMO surgiu a denominação “membros de coração” e “membros de cartão”, uma forma implícita de reconhecer que muitos moçambicanos tornaram-se membros do Partido por medo de perseguições.

Outro ponto digno de realce foram as constantes descoordenações entre os membros do mesmo executivo sobre os aspectos sensíveis da nação, onde sobre o mesmo assunto ouviam-se várias versões. O caso mais recente é o da aquisição de navios para pesca e/ou para a defesa da costa moçambicana, onde os ministros da Planificação e Desenvolvimento, das Finanças e da Defesa defenderam posições completamente diferentes. A este juntam-se os casos de zona de servidão militar da base aérea de Nacala.  Nas suas comunicações na Assembleia da República sobre o estado da nação Guebuza demonstrava muito nervosismo e cinismo, tendo chegado a afirmar “clara e inequivocamente” que o estado da nação era bom quando os factos provavam exactamente o contrário. Mais tarde decidiu amainar o discurso e o país passou a estar “no bom caminho rumo ao desenvolvimento”, mas em nenhum momento ouvimos o Presidente ou outro membro do seu executivo a assumir erros, à excepção de Paulo Zucula no dia da sua saída (sem glória) do Ministério dos Transportes e Comunicações.

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