quarta-feira, maio 11, 2011

12 milhões com rendimento 1,5 dólares / dia

Uma das coisas que salta à vista para quem visita as cidades moçambicanas, tais como a capital Maputo, é a quantidade de produtos alimentares à venda nas lojas, varandas e esquinas, facto que poderá induzir ao erro do visitante pensar que os seus habitantes já estão a viver o tempo de ouro que, invariavelmente, falava o primeiro presidente moçambicano, Samora Machel, quando dizia que chegaria o dia em que os moçambicanos iriam “comer à fartura”.
Para quem não viveu esse tempo de carência absoluta em Moçambique, e que forçava Samora a manter viva a esperança dos seus compatriotas que não tinham quase nada para comprar porque as lojas estavam completamente nuas, ele não se cansava de proclamar o seu slogan na língua changana “Hi tachura Moçambique”, ou “vamos comer à fartura um dia em Moçambique”.
Nessa altura, os moçambicanos passavam fome porque o país estava sob uma guerra económica que lhe era movida pelo Ocidente, pelo facto de Samora ter adoptado a política comunista ou socialista, e que na região tinha como actores ou agentes catalizadores, a agressão (in) directa que era movida contra a jovem nação moçambicana pelo regime racista que prevalecia na então Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe, bem como pelo antigo regime do apartheid na Africa do Sul.
Só que esta abundância de alimentos que hoje se contempla no país, nos mercados formais e informais, é real mas, infelizmente, a maioria dos quatro milhões que segundo o site estatístico CountryStat vivem nas suas cidades não ganha o suficiente para comprar o suficiente para o seu próprio sustento, muito menos para as suas famílias.
A semelhança do tempo de Samora, quando passavam fome absoluta porque as lojas estavam vazias porque no país não se podia produzir nada porque estava a braços com uma guerra de agressão, e os cofres públicos estavam sem divisas para importar a comida cuja produção interna era inviabilizada pelo conflito armado, hoje há também, segundo ainda dados contidos no mesmo site ContryStat Mozambique, milhões de moçambicanos que vão à cama sem terem comido o suficiente, porque não têm dinheiro para comprar seja o que for.
Segundo os mesmos dados, 60 por cento dos mais de 20 milhões de moçambicanos, ou seja, mais de 12 milhões, são pobres absolutos, isto é, são aqueles que, segundo responsáveis das Nações Unidas, como o Secretário-Geral Adjunto para o Desenvolvimento Económico, Jomo Kwame Sundaram, têm um rendimento líquido inferior a 1,5 dólares por dia, o que está muito aquém em relação aos preços com que os produtos básicos, como o arroz, farinha, peixe e frango são vendidos. Ele vinca num artigo que escreveu e que foi distribuído pelo Syndicate Project, que a falta de comida raramente é a razão pela qual as pessoas passam fome, destaca no parágrafo seguinte que o mundo de hoje produz comida suficiente para alimentar todos. O problema é que mais e mais pessoas simplesmente não têm dinheiro para comprar os alimentos que necessitam.
Ele destaca nesse seu artigo no qual aponta a especulação como a principal causa do elevado custo dos alimentos, que mesmo antes dos recentes aumentos dos preços dos alimentos, um bilhão de pessoas sofria de fome crónica, enquanto outros dois biliões estavam experimentando a desnutrição, elevando o número total de pessoas com insegurança alimentar para cerca de três biliões, ou quase metade da população mundial.
Dados contidos no portal da Internet da CountryStat FAO, os preços globais dos alimentos estão no nível mais alto desde que a FAO passou a fazer o acompanhamento em 1990. O Banco Mundial estima que o recente aumento do preço de alimentos levou mais 44 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento à pobreza.Destaca que o rápido aumento nos preços mundiais de todas as culturas de alimentos básicos – milho, trigo, soja e arroz –, juntamente com outros como óleos de cozinha, tem sido devastador para as famílias pobres em todo o mundo.
Ele refere que devido ao encarecimento dos alimentos, muitos optam por comprar menos alimentos para que não gastem todos os seus rendimentos na compra de comida, mas que isso tem um reflexo negativo na sua saúde, porque comer menos reduz o tempo de vida das pessoas.
Ele vinca que a produção de alimentos aumentou muito com a busca da segurança alimentar e da Revolução Verde que começou a ser posta em prática na década de 60 até a de 80. Diz que o que tem causado a elevação dos preços não é só porque o mundo conta hoje com uma população bem maior que a dos anos 50 ou mesmo 70, mas também porque o que alimentava o homem passou a ser também alimento dos animais e agora dos carros e outros engenhos que consomem combustíveis, já que se produz com os cereais o etanol cuja produção é feita com base no milho.
O problema é agravado pela queda significativa na ajuda oficial ao desenvolvimento para o desenvolvimento agrícola nos países em desenvolvimento. A ajuda à agricultura caiu para menos da metade nos finais do último século depois de 1980, porque o Banco Mundial cortou empréstimos agrícolas de 7,7 biliões de dólares em 1980, para apenas dois biliões a partir de 2004.Com este cortes continuados, a pesquisa e desenvolvimento agrícolas que permitiam a criação de novas formas de produção e de sementes melhorados caiu para todas as culturas em todos os países em desenvolvimento.
Enquanto isso, no sector privado, o agronegócio gasta muito mais em pesquisa do que todos os institutos públicos de investigação agrícola juntos, mas os preços com que vendem as suas semente são proibitivos e apenas as multinacionais as podem comprar. Mas este é outro problema do custo dos alimentos – é que essas multinacionais adoptam preços altos porque têm o monopólio da produção dos bens básicos.
Outro factor novo que cataliza o custo dos alimentos é a subida em espiral do petróleo, que acaba adicionando o coeficiente do custo da comida porque é dele que se movem os tractores que cultivam as farmas, que abastecem os navios, camiões e comboios que fazem o seu transporte das zonas onde se produz para onde tem de se consumir. Por exemplo, grande parte do arroz que se consome em Moçambique é importado da longínqua Ásia e depois de chegar aos portos moçambicanos, tem de ser transportado em comboios e camiões para todo o país, o que adiciona o seu custo real. O barril do petróleo passou de três dólares em 1973, para mais de 112 dólares agora. Os preços do petróleo também estão afectando o preço dos alimentos.
A agricultura comercial usa petróleo, óleo e gás para operar máquinas, transporte de mercadorias e produtos agro-químicos tais como fertilizantes e pesticidas. Não é por acaso que o aumento do custo do petróleo, desencadeia uma subida em flecha, desde o transporte público ate ao que consumimos e os serviços em geral. É que o petróleo é o sangue da sociedade.Uma das razões que está por detrás da baixa produção de alimentos em alguns países é a politica de subsídios que é feita por alguns governos ocidentais sobre os seus farmeiros, que os permite que façam uma concorrência desleal porque acabam vendendo os seus excedentes a preços muito baixos em relação aos das nações que não dão subsídios. Isto advém da política do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio que insistem na liberalização do comércio agrícola como a melhor solução a médio prazo. Com base nesta premissa, desde a década de 1980 que os governos têm sido pressionados a promover as exportações para obter divisas estrangeiras para com elas importar alimentos onde são mais baratos, especialmente a partir dos tais países cujos governos subsidiam os seus farmeiros.
Os EUA por exemplo gastam anualmente mais de 300 biliões em subsídios. Como resultado, muitos países pobres voltaram para o mercado mundial para comprar arroz e trigo baratos, em vez de a produzir nos seus próprios países. Alguns países e regiões que anteriormente eram auto-suficientes em alimentos, agora importam grandes quantidades. Isso eleva os preços dos alimentos, causando angústia ainda mais para pessoas mais pobres do mundo.
É certo que há outros factores que contribuem para a crise alimentar. As mudanças climáticas resultantes das emissões de gases de efeito estufa agravam os problemas de abastecimento de água, acelera a desertificação e seca as fontes de água, e piora a imprevisibilidade e a gravidade dos efeitos climáticos, que afectam negativamente a agricultura em muitas partes do mundo.
A desflorestação, a crescente pressão da população pelo uso dos recursos florestais, a urbanização, a erosão do solo, o excesso de pesca, bem como o impacto da dominação estrangeira sobre a comercialização, insumos, processamento e até mesmo a agricultura também têm uma quota parte no custo dos alimentos.Como já foi dito, nos dias que correm há muitos outros novos factores que concorrem para o custo dos alimentos, porque os alimentos são agora cultivados não só para o consumo do homem mas sim para a produção de biocombustíveis, o que reduz a sua disponibilidade para o consumo humano. Os países ricos têm proporcionado generosos subsídios e outros incentivos para o aumento da produção de bio-combustível.Mas de todos os elementos que concorrem para o crescente custo dos alimentos, a especulação e o açambarcamento são para alguns países como Moçambique, os que têm vindo a contribuir para o pico de preços. Como a crise financeira a se aprofundar a se espalhar desde 2007, os especuladores começaram a investir em produtos básicos porque sabem que não há quem pode se abster da comida como se pode abster do carro, aplicando margens de lucro muito altos. Na verdade, os que passam fome hoje não e’ por falta de alimentos, mas porque não têm dinheiro para comprá-los.(Gustavo Mavie)

0 comments: