terça-feira, janeiro 14, 2014

"Abram o olho"

Uma das figuras centrais do movimento "sem-terra" brasileiro, Augusto Juncal, esteve em Maputo como "reforço de peso" da campanha dos camponeses moçambicanos contra o ProSAVANA e deixou o alerta: "Abram o olho, vocês vão perder as terras".
O ProSAVANA, um programa de desenvolvimento agrário dos governos de Moçambique, Brasil e Japão, que está ainda na fase inicial de implementação no centro e norte de Moçambique, está a ser contestado pela União Nacional dos Camponeses de Moçambique (UNAC), a maior organização da classe no país. A ser concretizado, em milhões de hectares de 19 distritos moçambicanos do centro e norte de Moçambique, o ProSAVANA pretende dinamizar o agro negócio através da participação do setor privado na produção de culturas destinadas à exportação.   A UNAC defende que o modelo brasileiro de desenvolvimento agrário de cerrado tropical que será replicado no projeto moçambicano vai provocar a expropriação de terra de milhões de camponeses, agravar a pobreza e levar a tensões sociais, tal como se passou com o fenómeno dos "sem-terra" no Brasil.  Convidado de honra na II Conferência Internacional Camponesa sobre a Terra, realizada esta semana em Maputo, Augusto Juncal, porta-voz do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), não tem dúvidas de que o ProSAVANA vai prejudicar os camponeses do centro e norte de Moçambique.
"Eu acho que a preocupação com o ProSAVANA está pouca para o problema que está vindo. Acho que os camponeses ainda não se deram conta do que está vindo, porque, quando se derem conta, não vai ter nenhuma negociação com o Governo", disse à Lusa o militante da causa dos camponeses sem-terra do Brasil. "Eu estou falando: abram o olho, vocês vão perder as terras, não é brincadeira, isso é um processo de usurpação, de apropriação de terra. No Brasil, o cerrado desapropriou muita população, acabou com um dos biomas mais importantes" do país, enfatizou Augusto Juncal.
Também o diretor da Organização Não-Governamental (ONG) angolana Ação para o Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de Angola (ADRA), Guilherme Santos, considera que se o ProSAVANA fizer prevalecer os interesses da agricultura empresarial em detrimento dos camponeses, o país passará por tensões sociais sérias.
"Se não se fizer absolutamente nada para proteger os interesses dos camponeses, se a tendência for de pisotear os interesses dos camponeses vai haver convulsões", apontou Guilherme Santos. O ativista dos direitos dos camponeses angolanos considera que Moçambique ainda vai a tempo de evitar que o ProSAVANA resulte em prejuízos para os camponeses. "Há ainda oportunidade de diálogo, um diálogo que tenha uma finalidade aceite por todos, que tenha em conta a dimensão económica, social e cultural de todos os agentes envolvidos. A sociedade civil moçambicana deve construir essa capacidade de influenciar o processo de decisão sobre o ProSAVANA", acrescentou Guilherme Santos.

Durante a conferência, a UNAC foi novamente enfática no repúdio à iniciativa, acusando o Governo de "contradições" nos pronunciamentos sobre as consequências do programa e de intimidação nas discussões com os camponeses. "O ProSAVANA tem sido marcado por contradições, porque temos o Governo central a negar que vai haver reassentamentos, mas os funcionários locais falam de milhões de terra necessária para o programa", disse Vicente Adriano, oficial de Advocacia e Cooperação da UNAC.

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