quinta-feira, outubro 24, 2013

Máquina americana substituída por uma russa (soviética)

A viagem do Presidente Samora Machel à Zâmbia em 19 de Outubro de 1986 era para ser efectuada num Boeing-737 das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), o C9-BAA. Mas dois dias antes da viagem, o Comandante Sá Marques, que era quem iria pilotar o avião, foi notificado de que entretanto havia sido escalado para o voo de carreira, Maputo-Beira-Maputo. A viagem presidencial passaria a ser feita no Tupolev 134-A. Não obstante o cancelamento do voo das LAM, o Comandante Sá Marques, que pilotava o Boeing juntamente com Baptista Honwana, ficaria para sempre ligado ao acidente que envolveu o Tupolev presidencial (C9-CAA) no voo de regresso da Zâmbia para Maputo. Cerca de um quarto de hora depois do Tupolev ter-se despenhado em Mbuzini, o Comandante Sá Marques entrou em comunicação com a Torre de Controlo do Aeródromo de Maputo a informar que se encontrava sobre o Limpopo, prevendo aterrar na capital moçambicana dentro de aproximadamente 30 minutos. Sá Marques pediu à Torre de Controlo que lhe fornecesse o boletim meteorológico actualizado no âmbito dos preparativos para uma aproximação final à pista de Maputo. Em vez disso, a
Torre de Controlo pediu a Sá Marques que tentasse comunicar com o Tupolev presidencial dado que havia "perdido contacto com ele". Várias foram as tentativas do comandante das LAM para entrar em contacto com o Tupolev presidencial, mas sem sucesso. Posteriormente, recebeu instruções para regressar à Beira. Nas investigações que se seguiram para determinar a causa do acidente de Mbuzini, a parte soviética orientou-as no sentido de demonstrar a existência de um radiofarol (VOR) falso. O voo das LAM, Beira-Maputo, seria a prova crucial. O facto do Boeing- 737 ter estabelecido contacto com a Torre de Controlo quando se encontrava a cerca de 190 milhas náuticas de Maputo era, na opinião dos investigadores soviéticos, a indicação da presença de um VOR falso pois, segundo alegavam, o raio de acção da estação VOR de Maputo não tinha esse alcance. Em declarações aos investigadores soviéticos, o Comandante Sá Marques disse ter a certeza de que estava em sintonia com a estação VOR de Maputo, facto confirmado ainda pelo emissor de onda média (737 MHz) da Rádio Moçambique instalado na Matola, ao qual também havia recorrido para tornar a verificar se a rota que seguia era a correcta. E acrescentou que quando recebeu instruções para regressar à Beira, continuou a ter indicações nos instrumentos de bordo de que o avião estava em sintonia com a estação VOR do Aeródromo de Maputo. Perante a incredulidade dos investigadores soviéticos, o Comandante Sá Marques sugeriu que se retirassem as caixas negras do Boeing-737 para uma reconstituição da trajectória seguida pelo avião e assim se determinar se tinha havido, ou não, um desvio de rota. Numa subsequente entrevista com o comandante das LAM, os investigadores soviéticos apresentaram a Sá Marques "um mapa exibindo o seguimento da minha rota por um radar militar situado no Limpopo. Inclusive, perguntaram-me se tínhamos comunicação com essa base militar e qual a possibilidade desta dar informações sobre a rota. O esquema mostrava um seguimento de rota correcto, com espaçamentos de 5 minutos até ao Limpopo, onde reduzi a velocidade do avião. E no troço seguinte, nos mesmos 5 minutos, a distância correspondia a uma velocidade superior a 1500 km/hora, com a particularidade de o trajecto passar a ser ligeiramente curvilíneo". Sá Marques fez ver aos investigadores soviéticos que "era de todo impossível um Boeing -737 voar a mais de 1 500 km/hora", sensivelmente o dobro da velocidade cruzeiro de um avião desse tipo. "A não ser", ironizou, que "o meu avião estivesse equipado com um afterburner". O «afterburner» é um dispositivo normalmente utilizado em aviões militares, que lhes confere um maior impulso, permitindo descolagens de pistas curtas, como a de um porta-aviões. Não é usado em aviões comerciais pelo facto de aumentar acentuadamente o consumo de combustível . "A reacção do investigador soviético", disse Sá Marques, foi "amachucar o mapa, atirando-o para o cesto dos papéis". Bernard Craiger, um dos três peritos designados pela ICAO para ajudar a parte moçambicana nas investigações do acidente de Mbuzini, foi o responsável pela reconstituição da trajectória seguida pelo Boeing-737 das LAM no voo Beira-Maputo-Beira. No relatório que elaborou, e que foi apresentado à Comissão de Inquérito nomeada pelo Estado de Ocorrência do acidente - a África do Sul - , Craiger referiu que a trajectória do Boeing-737 havia sido rectilínea. Não obstante os factos, no parecer enviado à Comissão de
Inquérito sul-africana, a parte soviética insistiu que o Boeing-737 pilotado por Sá Marques e Baptista Honwana havia entrado em sintonia com a estação VOR de Maputo"mais cedo do que o habitual, a uma distância de 190 milhas náuticas (320 km) de Maputo", acrescentando que: "Para o equipamento de bordo poder funcionar em sintonia com o equipamento de terra àquela distância seria necessário um transmissor VOR com uma potência que excedesse os 200 W. No entanto, a potência do transmissor VOR de Maputo não vai além dos 50 W. Por conseguinte, o equipamento de bordo do Boeing 737-200 das LAM, com a matrícula C9-BAA, estava em sintonia com o radiofarol falso, a transmitir na frequência dos 112.7 MHz, mas de potência superior à do VOR de Maputo." Um outro comandante das LAM, Franklin Bastos, em entrevista a Álvaro Belo Marques, autor do livro “Quem Matou Samora Machel?”, declarou que o radiofarol VOR de Maputo podia ser captado a 200 milhas náuticas. A posição do Comandante Franklin Bastos é corroborada por Armando Cró Braz, um antigo piloto-comandante e instrutor que efectuou diversos voos com o Presidente Samora Machel. De acordo com o Comandante Cró Braz, “era comum apanhar o VOR de Maputo a mais de 200 milhas náuticas. Aliás, ao VOR está ligado um equipamento que indica a distância certa em milhas náuticas e era normal apanhar o VOR a 230 milhas náuticas do Maputo. Uma milha náutica são 1,852 metros ou seja 1,8 Km, pelo que em quilómetros era normal apanhar o VOR naquele sentido a mais de 400 Km de distância”. 

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