quinta-feira, março 28, 2013

Injustiçado pelo juíz agora Provedor de Justiça


O artigo 261 da Constituição da República de Moçambique remete à lei ordinária a competência para estabelecer as matérias relacionadas com o estatuto, procedimentos e estrutura organizativa de apoio ao Provedor de Justiça, sendo por força do referido ditame constitucional que o legislador por excelência, ou seja, a Assembleia da República, aprovou a Lei no7/2006, de 16 de Agosto.   Com efeito, é a supracitada Lei no7/2006 que, detalhadamente, “estabelece o âmbito de actuação, o Estatuto, as competências, e o processo de funcionamento do Provedor de Justiça”. É mister acrescentar que recentemente, salvo erro, o Governo de Moçambique aprovou o Estatuto Orgânico do Gabinete de Provedor de Justiça e o respectivo quadro de pessoal, completando assim a missão incumbida pelo citado artigo 261 da CRM.  Mas os passos acima descritos constituem tão-somente a parte teórica da questão, que naturalmente criaram indizíveis expectativas para todos os cidadãos amantes da legalidade e da justiça! Porém, a prática vivida até ao presente momento quanto ao funcionamento do órgão em referência, e sobretudo no que diz respeito à garantia da imparcialidade que é exigida ao Provedor de Justiça no exercício das suas funções, designadamente pelo no1 do artigo 258 da CRM, suscita sérias dúvidas.   Por exemplo: Em Moçambique, e penso que deve ser assim em qualquer outra parte do mundo, um magistrado de carreira pode ser nomeado ministro; mais tarde, o mesmo magistrado pode ser eleito Provedor de Justiça; depois pode acontecer que este, que agora é Provedor de Justiça, aquando do exercício da função de ministro, cometeu injustiça contra determinado cidadão que tem pendente no Gabinete do Provedor uma reclamação contra a tal injustiça, reclamação esta que para já e por ironia do destino deverá ser apreciada pelo actual Provedor de Justiça, por conseguinte pela pessoa autora da injustiça objecto da reclamação! Entretanto, adianto observar que o exemplo acima urdido é infeliz para o caso de Moçambique, visto que aqui é pela primeira vez que entra em acção o Provedor de Justiça. Por isso, o referido exemplo deve ser analisado com a indispensável criatividade, pois o que mais importa é a moral da história. Posto isto, apraz-me dizer que a questão que se coloca em função do problema acima exposto, que neste caso concreto não vale como mera hipótese, é:
Qual será a saída airosa desta situação, uma vez que a Constituição da República não criou o cargo de Provedor de Justiça Adjunto?
Será que o cidadão reclamante ficará com a consciência tranquila de que o seu caso há-de ser apreciado com a imparcialidade exigida pelo artigo 258, no1, da CRM?
Idêntica preocupação coloca-se em relação ao próprio Provedor de Justiça em exercício, que tem a especial obrigação de demonstrar clara atitude de honestidade, e tendo em atenção que no ordenamento jurídico moçambicano a suspeição pode ser suscitada tanto pelo titular do órgão, neste preciso caso o Provedor de Justiça, assim como pelo reclamante – vide artigos 122o a 136o, todos do Código de Processo Civil, alterado pelo Decreto-Lei no1/2009, de 24 de Abril. Entendo que não seja demais acrescentar que a questão aqui colocada tem como agravante o facto de os actos ou recomendações do Provedor de Justiça só caberem reclamação para ele próprio. Quer dizer, é pacífico que os acórdãos do Conselho Constitucional não sejam susceptíveis de recurso, tendo em atenção que este é um órgão colectivo, não acontecendo o mesmo com o Provedor de Justiça por razões óbvias, e ainda que o no1 do artigo 14 da supracitada Lei no7/2006 tente garantir-nos que “O Provedor de Justiça é coadjuvado por coordenadores e assessores com curso superior adequado e comprovada reputação de integridade”! A verdade nua e crua, porém, é que em Moçambique, sem prejuízo do devido respeito, parece que não existem peritos em Administração Pública e de comprovada reputação de integridade, ao menos que sejam do conhecimento geral. Na minha opinião, o problema atrás exposto poderia, em parte, ser resolvido com a existência do cargo de Provedor de Justiça Adjunto, porquanto este tomaria conta dos assuntos no caso de impedimento do Provedor de Justiça, e vice-versa.    Acredito que o texto constitucional em vigor bem como a legislação complementar já acima referida sobre o estatuto, organização, funcionamento, processo do Provedor de Justiça e do quadro de pessoal do respectivo Gabinete, têm como fonte o direito português, daí, talvez, a não previsão do cargo de Provedor de Justiça Adjunto. Contudo, continuo a pensar que no que diz respeito à cultura jurídica entre o povo moçambicano e o povo português, a diferença é simplesmente abismal, facto este que por si só impunha maior cautela na concepção da nossa Provedoria de Justiça. Mas mesmo assim julgo que nada está perdido. Aliás, costuma-se dizer que antes tarde do que nunca, pelo que creio que vamos a tempo de aproveitar o processo de revisão da Constituição em curso no nosso país para colmatar a lacuna, se este for o entendimento da maioria dos moçambicanos. Repito, caros compatriotas, que o problema aqui apresentado não constitui mera hipótese, sendo que quem escuta atentamente a voz do povo (vox populi) talvez já tenha chegado à triste conclusão de que a questão é por demais séria! Tenho dito.(Por: J.B.A.Castande)

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