quinta-feira, março 14, 2013

E depois, confuso sou eu!


mocconcertoAconteceu-me, no domingo antepassado, estar em casa diante da televisão e, como quem procurava alguma coisa que ajudasse a matar o tempo, de quando em vez, revelado grande aliado do tédio, fui dar a TVM com uma tecla do remote control, concretamente no programa Moçambique em Concerto, do assaz esforçado pelas causas nacionalista, Gabriel Júnior.  No seu esfalfado ânimo, Júnior tentava convencer a quem estivesse, naquele preci(o)so momento a assistir ao seu programa, a “gostar do que é nosso”. Conversava ele em estúdio com uma cantora que a memória não deixa agora lembrar o nome, nem música por ela cantada. Falavam no instante da necessidade de afirmação da nossa auto-estima, porque a aludida cantora havia estado em Angola e tinha visto que os angolanos valorizavam de forma espantosa tudo ao que a eles dizia respeito, em termos artístico-cultural. A intenção até que foi boa. Mau grado é mesmo a configuração do tabuleiro do nosso xadrez sócio-político.  Escassos minutos depois da ventilação da ladainha da necessidade da elevação da auto-estima entre os moçambicanos, ainda na mesma edição do programa, imagens de uma gravação ao vivo do Moçambique em Concerto em Guruè seriam transmitidas, revelando factos completamente contrários, desfasados do tão almejado desejo de “valorização do que é nosso”, mui propalado entre os moçambicanos; Gabriel Júnior animou o auditório de Guruè com Waka Waka, de Shakira, música oficial do Mundial de futebol realizado na África do Sul em 2010. A melodia de Shakira incendiou completamente as emoções do público ali presente, animado também pelo inquestionável talento de Gabriel como apresentador. E, como que para se contradizer ainda mais, depois da música de Shakira, o público de Guruè dançou ao ritmo de um kwasa-kwasa, também, não made in Mozambique. Duas perguntas agora refulgem; por que é que Gabriel Júnior, depois de encher a tela apelando para o “gostar do que é nosso”, concretamente da música feita pelos moçambicanos e das artes em geral, foi agindo, quase que de imediato, de forma contrária aos seus ditos? Será que devemos gostar do que é nosso somente por ser nosso? Para esta última, claro que não! Pois, dizer simplesmente que as pessoas devem ter auto-estima só em si não basta, ninguém vai gostar de uma música, de uma tela, de um livro, de uma peça teatral, ou uma coreografia sob vertente única de se configurarem produtos da nossa lavra. Ou então de uma aberração cinematográfica feita aquele xikwembo, que todos andamos a bater palmas e alguns cascos, buscando uma falsa zona de conforto, do tipo fizemos um filme que nos identifica! Identificar? Só se for pela estupidez de alguns que dão cara todos os dias nos jornais, televisão e voz nas rádios, valendo-se de apadrinhamentos e sim-senhorices ávidos de uma imerecida glória.
Obras de arte são obras de arte, não precisam de advogado. Politiquices podem surgir a tentar legitimar abortos artísticos, mas estes não cairão fundo no coração dos apreciadores! Quem se lembra hoje da canção oficial dos X Jogos Africanos, imposta ao público por decreto, não pela criatividade de quem a compôs ou a cantou? Hoje, a verdade manda dizer que quase ninguém já se recorda, nem do título, nem da sua melodia, senão apenas de quem a lavrou.
Desculpa a colocação directa, caro Gabriel, mas como gostar, por exemplo, da canção dos nossos jogos africanos, em vez do Waka Waka, se mesmo o senhor que minutos antes defendeu em viva e sonora voz tal facto não resistiu ao encanto desta última música? (Apenas encanto?) Não se pense com isto que acredite eu que não temos músicos e música bem executada em Moçambique. Grandes músicas temos no nosso país, SIM! Mas, o esquema montado no circuito musical as amordaça, promovendo-se a mediocridade, em resposta a oclusivos interesses, infelizmente também acolhidos, não se sabe a que propósito, por uma espécie de mafia-académica que, julgando-se alguns desta casta pequenos deuses, uns novíssimos Frankestein capazes de legitimar assombrosas criações artísticas, se outorgam o direito de apontar quem é quem no mundo da música, artes plásticas, literatura, etc...
Assim, em Moçambique é mais fácil a promoção de coisas do tipo djinkli ki djis (será assim, como se escreve?), ao invés da magia melódica dos Massukos, Djaka, K10, entre outras bandas e músicos no verdadeiro encanto do termo, independentemente do estilo musical, ou origem do mesmo, porque nesta aldeia global, influências existirão sempre! Outrossim, o molequismo artístico, no qual se lança o artista, hipotecando a sua criatividade e qualidade, a favor de interesses ocultos de doadores (?) ansiosos em mostrar serviço na luta contra o HIV, contra a violência doméstica, contra a malária e contra outras fontes de receita. Estes inculcam nos demais a ideia de uma necessidade de se fazer uma espécie de “arte utilitária”, do género cadeira para sentar e mesa para comer, em detrimento da livre criação, da estética, beleza que constituem a essência e o fim último das artes. O resto, apenas efeitos colaterais…E não será por nenhuma propaganda vazia que se valorizará as artes em Moçambique, mas sim a devida promoção do que realmente temos de melhor na nossa montra cultural. O mesmo serve para o desporto: que auto-estima se pode esperar entre nós, se até quando os nossos atletas se tornam campeões a nível internacional, em vez de serem recebidos em glória em Mavalane, as medalhas por eles conquistadas são presas no aeroporto? E depois, confuso sou eu!...
(Aurélio Furdela)

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