segunda-feira, julho 26, 2010

Tráfegos - Poder – Corrupção

Uma corrente da filosofia e metodologia das ciências defende que não é necessário existir contrastação empírica para que um conjunto de conhecimentos sistematizados, com um corpo teórico delimitado, diferenciado, consistente e coerente, ganhe o estatuto de ciência ou teoria. Na pesquisa, em termos metodológicos, pode-se partir de uma parte da realidade (modelo lógico simplificado) e através da abstracção exclusivamente teórica, é possível utilizar uma argumentação para chegar a uma conclusão abstracta. A fase final da investigação é a de voltar ao mundo real através de uma inter­pretação, incluindo a de uma eventual verificação empírica que fornece conclusões, mesmo que seja a refutação das hipóteses. O quadro lógico analítico aplicável ao tema deste texto é o seguinte: é sabido, através de outras realidades, que o tráfego de droga, de pessoas, de armas e a lavagem de dinheiro estão (quase) sempre associados aos poderes, seja por infiltração como por influência ou corrupção dos órgãos e de pessoas nos centros de decisão. Só assim é possível a mo­vimentação de milhões de dólares, o trânsito de toneladas de droga e a inoperância das instituições policiais e alfandegárias. E quanto maior é o tráfego e a lavagem de capitais, mais alta é a penetração no poder por parte dos malfeitores. Inver­samente, sabe-se que as organizações mafiosas são implacáveis com os detractores. Mata-se. Feito este breve resumo metodológico e de enquadramento do problema, apresentam-se algumas considerações sobre parte da actual realidade da sociedade moçambicana:

Não há dúvidas, porque já detectado, sobre a existência de tráfegos de droga sem que, em alguns casos, tenha havido conclusões sobre quem eram os traficantes.

Como é possível tanto assassinato a quem procura cumprir a lei e os seus deveres profissionais e de cidadania enquanto servidores de causas públicas? São os casos por exemplo de Orlando José das alfân­degas, Carlos Cardoso (que inves­tigava a corrupção e crimes económicos) e Siba-Siba Macuácua cuja missão implicava desvendar o maior escândalo financeiro em Moçambique.

Há assassinatos na rua de pessoas ligadas a negócios e de responsáveis e inves­tigadores da polícia.

Existem processos judiciais inacabados.

Por quê não se aprova uma lei para que as pessoas detentoras de património e que exteriorizam manifestações de riqueza tenham que justificar a origem dessa riqueza? Por quê a lei 6/2004 que define a declaração de bens e valores que exige às pessoas na posse e exercício de funções públicas, não é arrogantemente cumprida e que perante pressões externas, no lugar de a fazer cumprir, se nomeia uma comissão de revisão da lei. Será diversão e táctica de ganhar tempo?

Sabe-se que há fortunas cuja origem é estranha. Lojas milagrosas, endinheirados que sempre se dedicaram à política com salários modestos, jovens sem experiência, formação e mérito como figuras cimeiras em negócios. Não há dúvidas sobre promiscuidades entre política e negócios. O roubo dos cofres do Estado é já notícia rotineira nos órgãos de informação. Há pessoas que se enriqueceram subitamente em processos de privatização de trans­parência duvidosa. E tudo parece normal.

O que compreender quando grande parte dos órgãos de informação reclama ao Tesouro Americano por provas acerca da inclusão de um cidadão moçambicano na lista dos barões da droga, classificando o governo americano de leviandade por não as apresentar em conferência de imprensa aos senhores jornalistas? E quando essa atitude é enaltecida como um acto patriótico?

Como é possível que pessoas com riquezas súbitas se relacionem de forma pouco dignificante com os órgãos de soberania do Estado e da Nação? E são militantes do partido no poder, o mesmo que se dizia marxista?

O tráfego de droga, a lavagem de dinheiro, as ligações perigosas entre negócios e poder, a corrupção de alto nível, não são apenas questões políticas e judiciais. São também questões de ética, de valores constitutivos de uma sociedade aberta, democrática, plural, assente no mérito e no trabalho honesto. Se há o referido, corrói-se o Estado que fica capturado e à mercê de malfeitores, alguns dos quais infiltrados ou componentes do próprio poder, criando-se inoperacionalidade e ineficiência a todos os níveis. Os tráfegos de droga e de pessoas destroem famílias e pessoas, criam miséria humana. O traficante é kafekiano, porque pensa fazer o mal, fá-lo cruelmente, ganha com o que faz, no fim procura passar a imagem de inocente e se necessário ri-se do que foi feito chamando de parvos aos restantes. Traficantes neste contexto são principalmente os mentores, os principais beneficiários e os que em posições de poder, conhecem e nada fazem para o seu combate dos tráfegos. Ou promovem acções para distrair os já distraídos.Os tráfegos têm também implicações económicas porque não se sabe quantos milhões de dólares o Estado deixa de receber de impostos, de direitos aduaneiros e de outras formas de receitas provenientes de actividades económicas. Quantos negócios de pequenos e médios empreendedores deixaram de existir pelas distorções e corrupção no funcionamento do mercado? O tráfego cria influências que não permitem a concorrência e ferem o princípio da igualdade de oportunidades. Desviam-se recursos que poderiam ser utilizados em bens e serviços públicos. O conjunto de factos apresentados de entre tantos, sugere que a aplicação do quadro lógico aplicado a Moçambique encontra consistência e coerência para ser legítimo duvidar-se se a corrupção, o tráfego de droga, as promis­cuidades (neste caso, com actos criminosos) entre política, negócios e malfeitores, a captura do Estado e o surgimento de riquezas de origem duvidosa, são partes de um sistema organizado. Para tornar as sugestões do quadro lógico em verdades irrefutáveis, são necessárias provas. E isso só é possível se existir vontade política, se forem afectos recursos às instituições especializadas de combate ao crime, se a sociedade civil romper o medo social e desmascarar situações duvidosas sabendo estar legal e fisicamente protegida. Para que isso aconteça é necessário que o poder não esteja corrompido. Se não está, muito provavelmente os criminosos e os corruptos serão detectados e julgados. Pelo contrário, se está, o poder procurará múltiplas formas de se proteger, realizará manobras diversionistas, aprofundará o controlo ideológico e dos órgãos de informação, aumentará o autoritarismo aliado à arquitectura do medo social, manipulará a opinião pública e multiplicará discursos vazios de conteúdo e argumentações tão arrogantes quanto desen­vergonhadas. Enquanto não há julgamento em tribunal, todos os cidadãos têm o direito à presunção de inocência. E as pessoas não podem ser julgadas em praça pública ou nos órgãos de informação. Mas há responsabilidades políticas. E dessas, nada se diz. (economista João Mosca)

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