segunda-feira, julho 05, 2010

O Camarada Miguel

Não era minha intenção escrever sobre os 35 anos da Independência Nacional.Não tendo estado em Moçambique naquela histórica noite, dado que o meu trajecto de retornado ao contrário (de Portugal para Moçambique) foi só em Setembro, guardo em relação à data essa mágoa e enorme respeito.Há quem ache que o percurso da Tocha da Unidade Nacional não serviu senão para gastar dinheiro, necessário para coisas mais urgentes.

Não é a minha opinião. Creio que há gestos simbólicos que têm enorme utilidade na criação de um sentido de moçambicanidade e este, creio, cumpriu bastante bem esse objectivo, desde aquele dia, em Cabo Delgado, em que Armando Guebuza, com alguma dificuldade e depois de gastar dois ou três fósforos, a acendeu, até ela lhe ser devolvida aqui, em Maputo, na Praça da Independência.E, já que falamos de símbolos, quando arrancam as obras, nessa praça, do monumento a Samora?

Mas, voltando às comemorações dos 35 anos, que fui seguindo pela RM, não pude deixar de notar um peso muito exagerado do partido Frelimo, e das suas organizações, em todo o cerimonial. É verdade que foi a FRELIMO (a Frente, não o partido) quem dirigiu a Luta de Libertação mas também é verdade que, se queremos reforçar a unidade de todos os moçambicanos, com gestos como o da Tocha, estamos a trabalhar no sentido contrário quando um partido engole completamente as celebra­ções como se elas fossem exclusivamente suas.E saliento a posição correcta do MDM que, tal como tem feito sempre, desde a sua fundação, se associou a mais esta celebração de uma data nacional.

Mas a principal nódoa na cerimónia central, tendo a ver com o que digo acima, ultrapassou em baixaria tudo o que fosse possível imaginar.Pois, a dado momento, anunciou-se que iria falar um elemento em representação dos partidos da oposição.Estando o MDM presente e sendo ele um partido com representação parlamentar seria, a meu ver, lógico que fosse ele a tomar a palavra, já que a Renamo, como é seu hábito, primou pela ausência.Não foi essa a escolha de quem organizou a cerimónia e quem foi ao microfone foi Miguel Mabote, presidente de um praticamente inexistente Partido Trabalhista.E foi o desastre completo.Mabote procurou ser mais lambe-botista que os mais exaltados lambe-botas da Frelimo. E, honra lhe seja, acho que conseguiu o seu objectivo.Aquilo foi abjecto, repugnante.E o pior momento foi quando ele implorou ao Chefe de Estado, e Presidente do partido Frelimo, que lhe permitisse tratá-lo por “camarada”.Pela rádio não me apercebi se Armando Guebuza o autorizou mas, com autorização ou sem ela, Miguel Mabote passou a tratá-lo por “camarada Guebuza” e, por vezes, por “querido camarada Guebuza”.

O que, para alguém que foi apresentado como representante da oposição do país, mete nojo.

Desde já há algum tempo que os micro-partidos da chamada “oposição construtiva” têm vindo a fazer este papel, embora não me recorde de nenhum caso em que tenham chegado tão baixo.Não tendo nenhuma capacidade de se fazerem valer pela qualidade da sua intervenção política nem pelo número dos seus militantes, os “construtivistas” encostaram-se, durante bastante tempo, à Renamo e, quando esta os sacudiu do seu capote, encostaram-se de palavra e bordão à Frelimo. Sempre vão comendo uns banquetes e mostrando os trajes nalgumas cerimónias, e o preço é apenas venderem a sua dignidade. Como esta, pelos vistos, não era grande, o preço a pagar por ela também não precisa de o ser.Não sei se nos banquetes oficiais é costume servir lentilhas mas, se fôr, creio que um prato de lentilhas para cada um dos membros deste grupo é pagamento mais do que suficiente, como perceberão todos os conhecedores das histórias da Bíblia.Mas enfim, a Frelimo que já tem no seu seio camaradas tão controversos, terá ganho mais um.Se é que não há lá dentro quem lhe feche a porta na cara... (do colunista Machado da Graça / Semanário SAVANA)

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