terça-feira, julho 20, 2010

A poesia das vuvuzelas

A Copa acabou, mas só mais uma coisinha, antes de eu mudar de assunto. A vuvuzela foi uma injustiçada nas últimas semanas. Xingada por comentaristas, narradores, jornalistas em geral e grande parte dos torcedores que vieram aos estádios na África do Sul. Não 
serei eu aqui a dizer que não há problemas com o zumbido estridente das cornetas. Mas a vuvu também tem a sua poesia.Eu nem precisava repetir aqui as críticas que foram feitas a elas, mas rapidamente vou recapitular. A vuvuzela é espaçosa. Afoga músicas, o canto das torcidas, o uhhhh!! quando o gol não sai, o xingamento. Intromete-se em momentos que deveriam ser de emoção. Um exemplo é a entrada dos dois times em campo, lado a lado. A Fifa bolou uma música tipo cerimónia do Oscar para marcar esse momento, mas que mal era ouvida. As cornetas se impunham.Tudo verdade. Mas há um outro lado da vuvuzela também.Dizem que vuvuzela uniformiza a experiência de assistir um jogo. Seria um “fuóóóóó” o tempo todo. Nada mais longe da verdade. Ela tem subtilezas.Pode haver ritmo na cornetada. A maior parte do tempo, ouve-se um zumbido permanente, em tom médio, como de uma abelha. Tradução: alguns estão tocando, outros não, e ninguém está muito preocupado com “coreografias”.Mas eis que de repente as vuvuzelas acordam, geralmente quando o jogo esquenta. O estádio inteiro começa um “fó”-“fó”-“fó” pausado, todo mundo ao mesmo tempo, com barulho estrondoso a cada assoprada. Acredite: é de arrepiar.Outro exemplo: não me pergunte como isso é feito, mas de vez em quando um grupinho de algumas dezenas começa um “fó-fó-fó-fó” baixinho, intercalado por um “fó” estrondoso do resto do estádio. Uma espécie de Timbalada vuvuzélica. Carlinhos Brown não faria melhor.E há os instantes de puro drama que só o silêncio das vuvuzelas proporciona. Foi assim um dos momentos mais arrepiantes dessa Copa, o jogo entre África do Sul e Uruguai, vencido pelos sul-americanos por 3 a 0. A cada golo uruguaio o estádio silenciava completamente. Nenhuma única vuvuzelinha dissonante. Nem lágrimas traduziriam melhor essa dor.E elas também sabem respeitar momentos verdadeiramente importantes. O barulho podia ser grande o resto do tempo,mas as vuvuzelas silenciavam na hora dos hinos nacionais. Ontem, na festa de encerramento da Copa, os organizadores mostraram que não estão nem aí para as críticas. Fizeram várias referências às cornetas durante a breve, mas muito bem feita, cerimónia.Hoje, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, decretou: “Sobrevivemos à vuvuzela”. Espero ver uma ou outras delas no Brasil, em 2014.(Escrito por Fábio Zanini jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), com mestrado em relações internacionais pela School of Oriental and African Studies (Soas), da Universidade de Londres.)

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