terça-feira, setembro 22, 2009

SOBRE TRANSPARÊNCIA ELEITORAL

A opinião de: Luís de Brito

A transparência é um dos três princípios básicos que devem orientar o funcionamento dos órgãos de gestão eleitoral. O respeito deste princípio é essencial para criar confiança entre as diferentes forças políticas concorrentes e para garantir a integridade das eleições, isto é, para assegurar que a vontade dos cidadãos eleitores se encontra realmente reflectida nos resultados eleitorais. Tanto os grupos de observação internacionais e nacionais (com destaque para as missões do Carter Centre, da União Europeia e do Observatório Eleitoral), como o Conselho Constitucional têm identificado problemas e feito recomendações que ainda não foram totalmente tomadas em consideração pela Assembleia da República (no que diz respeito a matérias que exigem alteração legislativa), ou pelos órgãos de gestão eleitoral, nos casos em que as decisões são do foro da Comissão Nacional de Eleições (CNE) ou do Secretariado Técnico para a Administração Eleitoral (STAE). Desde 1994 que os processos eleitorais em Moçambique têm suscitado acusações de fraude e, nalguns momentos, a recusa de aceitar os resultados oficiais por partidos da oposição, com particular destaque para a Renamo. O clima de desconfiança entre as forças políticas, mas também em relação aos órgãos de gestão eleitoral, é tão forte que já por várias vezes, na sequência das eleições e tendo por base a recusa dos resultados eleitorais oficiais, houve confrontações violentas que resultaram na perda de numerosas vidas. Os casos mais graves aconteceram em Montepuez,em Novembro de 2000, onde na sequência de manifestações de protesto de simpatizantes da Renamo foram presas numerosas pessoas, tendo morrido na cadeia por asfixia mais de uma centena de cidadãos, e em Mocímboa da Praia, em Setembro de 2005, onde também na sequência de confrontos entre simpatizantes da Renamo e da Frelimo morreram 12 pessoas e ficaram feridas mais de 50. No entanto, desde as eleições municipais de 2008, tem-se assistido a esforços da parte da CNE e do STAE para proporcionarem um maior grau de transparência ao processo eleitoral, com incidência especial para a rápida divulgação pública de resultados detalhados, à medida que vão sendo apurados aos vários níveis. Esta atitude dos órgãos de gestão eleitoral, em conjugação com o trabalho dos observadores, terá provavelmente contribuído para a redução dos episódios de violência pós-eleitoral. Porém, restam ainda alguns aspectos fundamentais em relação aos quais deveriam ser tomadasdecisões para que as eleições moçambicanas sejam efectivamente transparentes e credíveis.

LISTA DOS ELEITORES E CADERNOS ELEITORAIS

O registo nos cadernos eleitorais é a condição básica para a participação dos cidadãos nas eleições. Assim, o recenseamento eleitoral e a sua actualização são os mecanismos que devem garantir a cada cidadão a possibilidade de exercer o seu direito de voto. A importância deste momento do processo eleitoral foi destacada pelo Presidente da CNE, que no decursom de uma visita de trabalho numa província assinalou e lamentou que as actividades de recenseamento não estivessem a ser acompanhadas pelos fiscais dos partidos e pelos observadores eleitorais (Notícias, 3 dem Julho de 2009). Ao mesmo tempo, existem muitas queixas dos partidos da oposição em relação ao recenseamento dos eleitores para as próximas eleições gerais, quer em relação a falhas técnicas e do material informático, quer sobre a forma como as operações são conduzidas no terreno, o que se traduz em acusações de parcialidade. De acordo com estas reclamações, as zonas em que a oposição tem habitualmente um grande eleitorado estariam a ser negligenciadas e isso estaria na origem da diminuição de mandatosm em círculos eleitorais como Zambézia, Nampula e Sofala. Para que não haja dúvidas sobre a credibilidade do recenseamento eleitoral e dos cadernos que são produzidos para a votação em cada mesa, o princípio de transparência impõe que as respectivas listagens informáticas¹ sejam acessíveis a todos os actores interessados (os partidos concorrentes, mas também os jornalistas e investigadores). Uma das recomendações aprovadas no documento “Normas e Padrões para a Realização de Eleições na Região da SADC” (aprovado pela Assembleia Plenária do Fórum Parlamentar da SADCem Windhoek, a 25 de Março de 2001) diz precisamente: “Deve ser estabelecido e organizado um sistema de registo eleitoral e deve ser dado acesso ao registo actualizado dos eleitores a todas as partes envolvidas nas eleições” (sublinhado nosso). A própria CNE, à semelhança do que é praticado por muitas das suas congéneres, deveria promover a realização de uma auditoria externa ao registo eleitoral. Uma atenção par t i c u lar ao recenseamento eleitoral nos termos Luis de Brito ¹Incluindo a lista das mesas de votos e não simplesmente a lista dos locais de votação que tem sido divulgada pouco tempo antes da votação. Isento de Registo nos termos do artigo 24 da Lei nº 18/91 de 10 de Agosto propostos permitiria, por outro lado, evitar o não recenseamento deliberado de cidadãos em determinadas zonas, e por outro, identificar os eventuais grupos, ou zonas geográficas, com menor nível de inscrição, o que permitiria definir programas de acção com vista a reduzir esta forma de abstenção. Estes programas dirigidos a públicos e regiões específicas, não só poderiam ser menos onerosos, como seriam provavelmente muito mais eficazes na redução da abstenção que as actuais cam-panhas de educação cívica e eleitoral dirigidas indistintamente a toda a população.
-Texto publicado no boletim do Instituto de
Estudos Sociais e Económicos(IESE), edição nº20 de 30 de Agosto de 2009

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