sexta-feira, setembro 18, 2009

Nos bastidores da crise

Os repórteres do SAVANA trazem aqui os bas­tidores da crise que foi desencadeada com a afixa­ção das primeiras listas às eleições legislativas na noite do dia 5 de Setembro des­qualificando, por omissão, uma parte significativa dos partidos concorrentes.

No caso do MDM (Mo­vimento Democrático de Moçambique), visto como a “terceira força” no actual pleito, apesar de não terem aparecido as listas para todas as províncias, o habitual porta-voz da CNE, Juvenal Bucuane, anunciava a 6 de Setembro, domingo, que havia seis partidos apurados para concorreram na totali­dade dos 13 círculos elei­torais: Frelimo, Renamo, MDM, Ecologistas, PVM e o PT.
Mas o não aparecimento das listas deixava a liderança do MDM intranquila. Em adição, vários elementos da Renamo, também no do­mingo, começaram a circular a desqualificação do MDM na maioria dos círculos eleitorais. Nessa mesma noite, num programa de debate político, na televisão do Estado (TVM), o habitual porta-voz da Frelimo Edson Macuácua anuncia que o MDM tinha conseguido ape­nas o apuramento em três círculos (Sofala estava de fora) e a Renamo também ficaria de fora em dois círculos.
Na manhã seguinte, 7 de Setembro, feriado, o oficioso “Notícias” reproduzia as informações de Bucuane sobre os seis partidos admi­tidos, mas a oposição estava cada vez mais intranquila pois não havia qualquer notificação da CNE. O sorteio dos boletins de voto marcado para as 12 horas na empresa Sojogo, poderia clarificar a situação. Apesar das noti­ficações para o sorteio nã
o terem chegado a todos, os partidos estavam em peso no sorteio.
Daviz Simango, o líder do MDM estava na Beira e ia recebendo as informações contraditórias a partir de Maputo. Quando ao princípio da tarde ficou claro que o MDM havia sido excluído em 9 círculos meteu-se no avião para a capital começando um circuito infernal de telefo­nemas para instituições e personalidades que pode­riam potencialmente ajudar a clarificar a situação.
Ao princípio da noite, depois de informados vários líderes religiosos com as­sento no Observatório Elei­toral Daviz tem o primeiro encontro com embaixadores da União Europeia. Os seus colabo
radores punham em marcha uma estratégia con­certada com as 17 formações total ou parcialmente ex­cluídas.
No dia seguinte Simango dá a cara pela oposição excluída. D. Jaime Gonçal­ves, o bispo Matsolo e o sheik Aminudin, perante as câ­maras de televisão, expres­sam a sua preocupação face à exclusão de partidos e à escassa informação disponi­bilizada pela CNE. Juvenal Bucuane “desaparece” como porta-voz da CNE, sendo agora a face mais visível do organismo o vogal António Chipanga. O Observatório Eleitoral solicita um encontro com a CNE. Daviz Simango encontra-se inconclu­si­va­mente com o Dr. João Leo­poldo. O MDM decide não receber os fundos atribuídos pelo Estado para as eleições enquanto não for legalmente esclarecida a sua situação.

Na mesma terça-feira há um novo encontro com em­bai­xadores da UE acrescidos dos embaixadores do Ca­nadá, Estados Unidos, No­ruega e Suíça. É solicitado um encontro dos diplomatas com o presidente da CNE, ao mesmo tempo que ganha forma um documento de forte base legal para solicitar esclarecimentos ao Dr. João Leopoldo. Os diplomatas queriam uma explicação sobre os passos legais seguidos pela CNE, se os partidos tiveram a oportu­nidade de corrigir as irre­gularidades e apresentar reclamações das decisões da CNE, que base legal foi usada para excluir listas e não candidatos.
Num encontro progra­mado muito antes dos pro­nun­­ciamentos da CNE, na quarta-feira dia 9, três conse­lheiros do “Constitucional” almoçam com embaixadores da União Europeia: Luis Mondlane, Lúcia Ribeiro e João Nguenha. Nesse mes­mo dia chega a informação que no dia seguinte o presi­dente da CNE receberia os embaixadores (UE + 4) num encontro q
ue se presumia, como é habitual, à porta fechada. Na opinião pública a tensão sobe de nível. Não há praticamente explicações da CNE. Os partidos não têm as deliberações da CNE respei­tantes às exclusões.
Na manhã de quinta-feira, quando os embaixadores esperavam ser recebidos pelo Dr. Leopoldo, irrompe pela sala o jornalista Paul Fauvet que sai momentos depois. Uma funcionária da CNE chega depois à sala informando que o encontro seria mudado para uma sala maior “dado o número pre­sente de embaixadores”. No outro compartimento estava montado o circo. Quando os embaixadores entram são recebidos pelos holofotes dos canais televisivos. O em­baixador sueco fala em nome da UE mas são as de­cla­rações do encarregado de negócios americano, Todd Chapman, que falou em português, que ganharam a maior divulgação nos media. O processo eleitoral deixava de ser discutido pelas institui­ções moçambicanas e pas­sava a ser uma matéria de intervenção da comunidade diplomática.
Logo após o tumultuoso encontro, nas escadarias da CNE é feita a concertação para se solicitar um encontro ao Presidente da Repú­blica (PR). À tarde, O MDM faz a primeira tentativa para entregar duas reclamações ao CC. Uma protestando contra a desqualificação em nove círculos eleitorais (70 páginas) e a outra solicitando a anulação do sorteio para a afixação das posições dos partidos nos boletins de voto (7 páginas). O grupo UE+4 reúne-se para preparar um pequeno documento escrito a ser lido na reunião com o PR. O CC instrui a delegação do MDM a entregar as reclamações na CNE e, para dissipar qualquer mal enten­dido, o secretário-geral Geral Geraldo Saranga esclarece a imprensa, com detalhe dos passos processuais a seguir no contencioso eleitoral.
Sexta-feira, quando os ponteiros do relógio já avançavam para as 12 horas, os embaixadores eram recebidos pelo PR. No documento lido as mesmas preocupações expressas ao presidente da CNE enfa­tizando-se que a “cre­dibi­lidade das eleições poderá ficar seriamente prejudicada” e que “rumores, teorias de conspiração e frustrações podem extravasar e re­sultarem em agitação e violência”.
O embaixador sueco, representando neste mo­mento a presidência da UE não esteve presente, se­gundo apurámos por impe­dimento. Embora se tenham registado algumas interven­ções complementares à posição de fundo em cinco parágrafos, tacticamente, segundo informações re­colhidas, o representante americano manteve-se em silêncio durante o encontro. Guebuza, apaziguador, en­fa­tizou o primado legal dizendo esperar que as instituições apropriadas trouxessem as soluções para as dúvidas suscitadas no apuramento das candida­turas.
Durante o fim-de-semana são realizados vários en­contros informais para a harmonização de posições entre a comunidade diplo­mática. Agoniza-se entre o pedido de “soluções políti­cas” e as “soluções legais” há luz do espírito men­cionado pelo embaixador sueco na reunião com João Leopoldo: as eleições são um assunto que diz respeito aos moçambicanos. A CNE tra­balha a contra-relógio para juntar às reclamações de oito partidos a documentação complementar funda­men­tando as suas decisões de exclusão. Domingo o tra­balho de fundo é concluído e convocada a plenária. No terreno começa a campanha eleitoral. São assinalados incidentes no Chókwè e em Changara. O MDM lança acusações contra a CNE nos seus comícios mas apela à calma do eleitorado. A agên­cia AIM através do articulista Paul Fauvet e o jornal “Do­mingo” atacam o encar­regado de negócios ame­ricano. Fauvet, citando uma fonte na CNE diz que as candidaturas do MDM tinham várias irregularidades. Como resposta, começam a circular cópias da documentação do MDM sugerindo que todas as irregularidades anotadas pela CNE foram supridas a 17 de Agosto, nos cinco dias subsequentes à notificação feita pela CNE. O boletim noticioso dos parlamentares europeus reproduz as notí­cias de Fauvet.
Segunda-feira os proces­sos reclamados são entre­gues pela CNE ao CC para no dia seguinte serem distri­buídos aos conselheiros. Há sinais positivos e concilia­tórios vindos do “Consti­tucional”. Eventualmente poderão ter sido “atro­pe­lados” alguns artigos na complexa legislação eleitoral, as leis têm elas próprias várias falhas propiciando erros ao sector jurídico da CNE, mas, a cada explicação vem sempre o recado ex­plícito “respeito pela lei”. Na campanha eleitoral, a Frelimo distancia-se da violência atribuída a elementos seus. O porta-voz da CNE “rea­parece” e diz à imprensa que a Comissão está a reverificar as listas, admite que possam ter sido come­tidos erros, mas invectiva contra os partidos políticos que acusa de mentirosos e de estarem de má-fé.
Terça-feira reúne-se em Maputo o grupo G-19, os países e doadores que dão apoio directo ao Orçamento de Estado e também os EUA que agora está agregado ao grupo. Em Maputo está Adam Wood, o director de África no Foreign Office britânico que é recebido pelo presidente da CNE.
Quarta-feira, 16, há duas reuniões cruciais entre os doadores, agora em formato G-19. Uma pela manhã e outra ao fim do dia para se aprovar um “draft” de um documento sobre o “mo­mento político” em Mo­çambique a ser presente ao governo”. A CNE faz sair através da edição do dia do “Notícias” um longo comu­nicado a que atribui a desi­gnação de resolução e que data de 5 de Setembro (11 dias antes). Apontam-se finalmente os motivos das exclusões mas não é dada uma explicação específica sobre a situação de cada partido.
Quinta-feira, durante a manhã, está planeada a reunião com uma repre­sentação do governo mo­çam­bicano. O G-19 não está em peso. Foi acordado que os posicionamentos serão feitos pela “troika” do grupo (Fin­lândia, Irlanda e Ingla­terra), juntamente com os repre­sentantes do Banco Mundial e das Nações Uni­das. O “princípio da condicio­na­lidade” foi afastado das posições do grupo embora esteja implícita a solicitação para uma “solução política” para que amaine o “terramoto político”. Durante a tarde, quando o nosso jornal estiver a rodar nas máquinas, o embaixador da Finlândia, fará o ponto de situação.
O Conselho Consti­tu­cional, para quem todos os olhos se viram, formalmente só tem de apresentar o seu veredicto a 28 de Setembro, mas os seus conselheiros estão todos de acordo que “quanto mais cedo, melhor”. Fala-se mesmo de uma data que poderá fazer baixar a tensão em pleno fim-de- semana.

(Elementos recolhidos pela equipa do SAVANA)

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