quinta-feira, agosto 25, 2011

Fingem que pagam,nós fingimos que lecionamos

O rendimento escolar em Moçambique tem vindo a baixar progressivamente desde o ano de 2007, não obstante diversas medidas adoptadas pelas autoridades de educação, nomeadamente a mudança de currículos.Segundo um relatório sobre o aproveitamento pedagógico em Moçambique, apresentado durante o Conselho Coordenador do Ministério da Educação (MINED) realizado recentemente em Lichinga, província de Niassa, Norte de Moçambique, o rendimento na quinta e sétima classes é mais crítico.Esta situação tem impacto na queda do número de alunos graduados e afecta negativamente a demanda de vagas.De referir que o Governo introduziu, em 2006, um novo currículo de aprendizagem por ciclos de ensino, em que a reprovação é excepcional.Este novo currículo foi introduzido no âmbito da massificação do acesso ao ensino com o intuito de alcançar os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM), que preconiza que até 2015 deve ser alcançada a meta de escolarização básica universal. Entretanto, esse processo não é acompanhado pela melhoria da qualidade.À luz deste currículo, o aluno é avaliado no fim de cada ciclo, portanto, na segunda classe, o aluno deve fazer um teste final (não propriamente um exame) para aferir o que ele apreendeu e ver se pode ou não transitar. Na quinta e na sétima classes, como sempre ocorreu, os alunos são examinados.
Uma vez que a avaliação final na segunda classe raramente ocorre, os alunos transitam e chegam a quinta classe, e uma vez examinados reprovam.Na sexta classe, o modelo de progressão também é automática, e quando o aluno chega a sétima, volta a ter problemas.
O Chefe do Departamento de Estatísticas do MINED, Ilidio Buduia, disse que a progressão automática na sexta classe é motivo de apreensão porque há uma queda sistemática do aproveitamento na sétima classe.“O desperdício escolar é muito alto em Moçambique e os investimentos que o Estado faz no sector de educação não estão a ter retorno desejado”, disse.
Ao nível do ensino secundário, a tendência de queda do aproveitamento mantém-se.Dados apresentados pelo Chefe do Departamento de Estatísticas, no ano passado, apenas 49,5 por cento dos alunos da 12/a classe e 51 por cento da 11/a classe tiveram bom aproveitamento.A Directora do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE), Albertina Moreno, enfatizou os dados apresentados por Buduia.Segundo Moreno, vários estudos feitos sobre a situação da educação em Moçambique indicam que está a crescer o número de alunos que chegam a Sexta-classe sem atingir as competências básicas de leitura e escrita.Uma outra avaliação efectuada pelo INDE verificou que 30 por cento dos alunos do terceiro e quarto anos de escolaridade não atingem os objectivos do primeiro ciclo.De acordo com Moreno, esta situação é provocada por problemas de língua, gestão da escola e ausência dos alunos e professores.A interlocutora explicou que muitos alunos falam a sua língua materna em casa e quando chegam a escola aprendem na língua portuguesa, a qual não dominam.A Directora do INDE queixou-se do facto de muitas vezes os resultados dos estudos de monitoria realizados no país sobre o ensino e aprendizagem não serem utilizados para melhorar a qualidade de ensino.Os directores provinciais de educação culpam os professores e aos directores de escolas, que não estão a cumprir cabalmente com a sua missão de formar homens capacitados.De acordo com o Director Adjunto da Educação da cidade de Maputo muitos professores iniciam arbitrariamente a sua formação superior, dedicando pouco tempo as aulas e quando terminam o curso já não querem voltar a leccionar no ensino primário.“Esta situação é muito frequente em Maputo. Os professores ingressam na universidade, não informam a ninguém e quando terminam querem ser integrados no ensino secundário” disse.Outros professores abandonam os seus alunos para irem à um distrito que possua uma agência bancária para receber o seu salário e ao invés de voltar no mesmo dia ficam por lá.Esta situação é comum em Niassa e outras províncias do país, uma situação provocada pela fraca expansão da rede bancária no país, quando os salários dos professores são pagos via banco.O Director Provincial de Educação em Inhambane, Pedro Baptista, considera que a qualidade do ensino depende do gestor da escola, porém muitos deles são transferidos para outros sectores para ocuparem outros cargos.De acordo com Pedro Baptista, “antes do director da escola cumprir um ano de serviço eles são indicados secretários permanentes ou administradores distritais e não há tempo para se consolidar o ensino. Isto é muito complicado porque as direcções estão sempre a mudar”.Para o Director Provincial de Educação da Zambézia, Luís Pereira, não basta olhar para os aspectos negativos do desempenho dos professores, é preciso também analisar o que estará por detrás desta situação.“Temos que começar a pensar na supervisão pedagógica, olhar para a desmotivação dos professores por causa do pagamento de horas extras, e ainda incentivá-los ao gosto pelo trabalho” defendeu.As primeiras classes de ensino são as mais complexas e exigem muito profissionalismo e experiência dos professores porque é nelas que os alunos aprendem as bases educativas.Um estudo de diagnóstico dos professores do ensino primário e secundário mostra que apesar de se reconhecer a complexidade do ensino no nível básico, os alunos das primeiras classes são orientados por professores estagiários.O membro do Conselho Nacional da Organização de Professores (ONP), António Armando, defende que a responsabilidade relativa a qualidade de ensino é partilhada entre professores, fazedores de políticas e os gestores da educação.Segundo Armando, os professores estão desmotivados devido a sua condição salarial e de trabalho.“Há uma questão que não estamos a dar atenção: o professor está desmotivado. Temos que ter atenção nisso e não podemos desprezar. Devemos ver a questão da motivação porque os professores dizem: enquanto eles fingem que estão a pagar, nós fingimos que estamos a trabalhar”, revelou a fonte.
Por outro lado, o interlocutor considera que o país está a colher os frutos dos modelos de formação de professores adoptados.“Nós alertamos que o modelo de formação 10+1 traria maus resultados e não nos deram ouvidos e estes são os resultados que temos”, frisou ele.O modelo de formação “10+1” abrange pessoas com a 10/a classe que são submetidas a formação de um ano, tempo considerado insuficiente para o professor desenvolver competências e habilidades pedagógicas.Armando sublinhou que os curricula têm a sua quota-parte no baixo aproveitamento.Ele defendeu que “há várias políticas que são elaboradas e não se faz o acompanhamento da sua aplicação. As políticas são elaboradas, aprovadas e antes de se consolidarem são substituídas, o mesmo acontece com os curricula”.A fonte acrescentou que “um bom aproveitamento depende da mão de um bom gestor que deve acompanhar o que se faz na sala de aula, que modelo de formação se usa”.Por sua vez, o Ministro da Educação, Zeferino Martins, considera urgente acelerar a supervisão a todos os níveis, retomar as jornadas pedagógicas e capacitação dos professores nos distritos mais problemáticos.Outra medida que o ministro considera ser premente é o recambiamento dos professores para o seu nível de ensino.
“Os professores que estão a leccionar no ensino secundário do primeiro ciclo sem formação e que não estão preparados devem voltar para o seu nível. Um professor do ensino primário do segundo grau não está preparado para dar aulas a 10/a classe. Ele está preparado para o ensino primário, tem habilidades para isso e deve estar neste nível. Esta é uma oportunidade para a educação se organizar”, frisou o governante.Zeferino Martins disse que o Governo tem estado a alocar recursos para a contratação de novos professores de forma a reduzir a sobrecarga sobre os actuais. Por outro lado, estão a ser colocados livros nas escolas para que os professores possam preparar as suas aulas e recomendar aos alunos.Ainda, no sentido de melhorar o desempenho escolar, o MINED está a apetrechar os laboratórios das escolas secundárias.À ONP, Zeferino Martins instou a trabalhar para que os professores sejam profissionais tal como ocorre noutros sectores de actividade.“A ONP deve dar um contributo importante para que os professores cumpram com os acordos firmados para que pautem pelo profissionalismo, tenham brio e assiduidade. Os professores devem assistir as aulas dos seus colegas e aceitar ser assistidos”, defendeu Zeferino Martins.Ele acrescentou que ainda na formação, os professores devem desenvolver hábitos de preparação, estudo em grupo, trabalho árduo e entrega, componentes importantes na educação.Entretanto, análises técnicas indicam que contribuem para o fraco aproveitamento a falta de planificação individual das lições diárias pelos docentes, deficiente exploração das imagens dos livros do aluno para o desenvolvimento da oralidade, falta de exercitação suficiente dos alunos na introdução de vogais e consoante, bem como de realização de exercícios de ditado, copia e de redacção para o aperfeiçoamento da leitura e escrita no ensino primário.Turmas numerosas, fraca assiduidade de alunos e professores, falta de assistência mútua, inexistência e/ou fraco funcionamento das bibliotecas escolares no ensino secundário, engrossam os problemas que estão por detrás do fraco aproveitamento escolar em Moçambique.

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