segunda-feira, dezembro 07, 2015

Revisão constitucional para além dos partidos políticos!

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) promoveu terça-feira, 1 de Dezembro, uma conferência sobre os 25 anos da Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990 – sucedânea da de 1975, e que introduziu o Estado de Direito Democrático no país, baseado, essencialmente, no pluralismo de expressão, na organização política democrática e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem -, evento que não teve como não ser influenciado pelas questões actuais do nosso constitucionalismo, de resto ainda em (re)construção. Tratou-se, na verdade, de uma discussão oportuna e de relevância inquestionável, considerando que a CRM de 1990 acha-se, materialmente, integrada na de 2004, em vigor, por esta última, aprovada por consenso e unanimidade, ter significado a consolidação do que já se achava consignado naquela. Ou seja, se é verdade que a CRM de 1990 significou uma alteração profunda naquilo que era o Estado Moçambicano conforme o seu estatuto jurídico anterior - Constituição da República Popular de Moçambique, de 1975 -, designadamente de um sistema monopartidário para um sistema pluripartidário, não é mesmo verdade que a CRM de 2004 não corresponde a alguma alteração estrutural à arquitectura do Estado, mas sim a uma consolidação, um aperfeiçoamento, do que, em ambiente de partido único, fora introduzido em 1990. Além da qualidade do moderador [Rui Baltazar, antigo, de entre outros, presidente do Conselho Constitucional(CC)] e dos oradores (Teodato Hunguana, antigo, de entre outros, juiz conselheiro do CC; Teodoro Waty, professor universitário; e Jorge Bacelar Gouveia, catedrático em Direito), o debate constitucional desta semana foi igualmente atendido pelas chefias das bancadas parlamentares da Frelimo e da Renamo na Assembleia da República (AR), o que se afigura particularmente relevante neste momento por os deputados terem à mesa uma proposta de revisão pontual da CRM, da autoria da bancada parlamentar da Renamo.
O ponto aqui não é se se deve ou não acolher o que se propõe neste momento, e da forma e nos termos em que se propõe, mas uma reflexão sobre qual deve ser a mecânica, em especial, da revisão constitucional em Moçambique, e, em termos mais gerais, da revisão de diplomas legais estruturantes, por se ocuparem de direitos fundamentais, como é o caso do Código Penal (CPP), aprovado pela Lei número 35/2014, de 31 de Dezembro e em vigor (o novo CP) desde 1 de Julho de 2015. Do debate desta semana, emergiu uma proposta, do Professor Teodoro Waty, que, pela sua pertinência, julgamos que deveria merecer a atenção de todos: a criação, pela AR, de uma ‘Comissão de Notáveis’, que, não devendo ser partidária, mas formada com base numa lógica de ‘paridade partidária’, teria como missão, num prazo concreto, pensar a Constituição para Moçambique. Findo o seu trabalho, essa ‘Comissão de Notáveis’ submeteria, à AR, o texto do que tiver resultado das suas discussões e reflexões. Trata-se, na verdade, de uma proposta saudável e que
tem sido, em termos de espírito, a prática dalguns países, com o que ganham os cidadãos no fim do dia. Áreas estruturantes e que carecem de uma certa arte e técnica devem ser vistas para além da mera esfera político-partidária, colocando-se no topo de tudo os interesses da colectividade. No quadro actual, o risco de a lei fundamental ser revista sem o concurso sistemático e com ‘valor acrescentado’ à partida de notáveis, com obra pública, é maior. Sobretudo quando a revisão estiver a ser pensada numa perspectiva meramente conjuntural, que pode ter a insustentabilidade das opções adoptadas, a curto prazo, como sua principal marca.
O novo CP, em vigor há menos de um ano, por exemplo, está já a ser objecto de reprovação nos meios forenses, devido ao facto de nele abundarem opções jurídico-penais que se acham completamente incompatíveis com aquilo que é a centralidade da primazia dos direitos fundamentais num Estado de Direito Democrático. Como resultado disso, em muito pouco tempo deverá, muito provavelmente, ser desencadeado um mecanismo visando a sua revisão, o que, em boa verdade, poderia ter sido, eventualmente, evitado se quadros notáveis e com obra na área do Direito Penal tivessem sido sistematicamente envolvidos no processo da sua elaboração. Não se está, conforme foi sublinhado no debate promovido pela OAM, a propor um mecanismo paralelo de produção e aprovação de leis. Os deputados são, na verdade, representantes do povo e a AR a ‘Casa do Povo’. Envolver os elementos mais notáveis do povo no processo legislativo, consoante o domínio em concreto em que se esteja a intervir, só ajuda no próprio aperfeiçoamento do quadro legal.
Ter um deputado que é jurista na coordenação do processo de elaboração de uma certa lei nos parece razoável. Mas se se tiver a sorte de se ter um deputado que é jurista-constitucionalista na coordenação da revisão da CRM, tal é potencialmente melhor que se ter um jurista especializado em Direito Bancário a fazê-lo. E, se antes de tudo, se tiver o suporte de uma ‘Comissão de Notáveis’, naturalmente que a probabilidade de se ter um produto final de elevada qualidade e que corresponda aos supremos interesses do país é por demais elevada.(Ericinio de Salema)


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