quarta-feira, setembro 26, 2012

Que é isto de “genuínos” e “não genuínos”?

Ainda ecoavam na sala as palavras do presidente Armando Guebuza quando os militantes do Partido Frelimo iniciaram as “hostilidades” contra o relatório do Comité Central apresentado perante cerca de 3000 delegados e convidados ao maior evento jamais realizado pela formação política que está no poder desde a independência de Moçambique em 1975. 
Dois combatentes da luta de libertação pediram a melhoria das suas pensões de 4500 meticais (Mt.) (cerca de USD 150,00) para 30.000,00 Mt. (cerca de USD 1000,00). Consideraram que o slogan da “unidade nacional” está só no papel, pois que nem todos os moçambicanos têm acesso ao ensino superior. As primeiras críticas mais fortes levaram os funcionários do partido a defender a evacuação da imprensa da sala, assim como o corte aos “directos” feitos pela televisão estatal. Por coincidência ou não, Guebuza encerrou os trabalhos do primeiro dia com meia hora de antecedência. 
A sessão de segunda-feira iniciou-se com a intervenção mais contundente até agora em matéria de questões de fundo. Jorge Rebelo, um militante da velha guarda que se vem assumindo como um dos críticos do actual poder, centrou a sua intervenção nas questões da unidade nacional, um eufemismo para abordar a temática do racismo e as questões de abertura e diálogo. Rebelo questionou os posicionamentos atribuídos a um alto dirigente da Frelimo (declarações apontadas ao Secretário Geral, Filipe Paúnde) sobre a existência de moçambicanos “genuínos” e “não genuínos” para fazer a diferença entre nacionais negros e não negros. Lembrou depois o falecido presidente Samora Machel que se posicionou contra o conceito de minorias no país, afirmando que só reconhecia moçambicanos. Sobre as questões de diálogo e abertura, Rebelo disse que a sua ausência leva as pessoas a pensarem que todos os dirigentes da Frelimo se apoderam dos recursos do país, “o que não é verdade”. Disse também que estava preocupado com as afirmações vindas a lume na imprensa ( mediaFAX e SAVANA) em torno de pressões sobre a comunicação social. Rebelo jogou um papel crucial na proposta de Guebuza como candidato presidencial às eleições de 2004 e na extensão da presidência do Estado à presidência partidária, quando o presidente cessante Joaquim Chissano alimentava esperanças em se manter como líder da Frelimo. Aliás, Rebelo disse que Chissano quase perdeu as eleições para a Renamo em 1999, “o que deixou os militantes da Frelimo muito alarmados”. 
Depois da intervenção de Rebelo foram suspensos os “directos” televisivos sobre o debate do relatório do Comité Central e a imprensa foi convidada a abandonar a sala. 
Mas  uma militante da Zambézia, um dos maiores círculos eleitorais do país, questionou a manipulação da organização das mulheres que “é chamada a participar quando se avizinham eleições” mas é marginalizada para dar opiniões sobre questões políticas de fundo. 
Menos contundente que Rebelo, Marcelino dos Santos que foi apresentado ao Congresso como uma dos fundadores da Frelimo em 1962, disse que Moçambique devia recusar a designação de “destino turístico” e que se devia concentrar no desenvolvimento industrial decorrente dos grandes projectos da indústria extractiva.
As intervenções sobre o relatório são intercaladas com mensagens de “partidos amigos”. Guebuza, nas apresentações hierarquizou em primeiro lugar o MPLA de Angola, a ZANU-PF do Zimbabué, o ANCda África do Sul e o PAICV de Cabo Verde. Mas apresentou também como amigos os conservadores do PSD português e tratou por “camarada” o seu representante Morais Sarmento, assim como o PLD do Japão. O Partido do Congresso da Índia, uma novidade nas reuniões de cúpula da Frelimo,  fez-se representar pelo seu número quatro e ministro do Comércio, tendo-se deslocado  a Pemba em jacto privado. O Partido Comunista Português só foi apresentado  no segundo dia e a maior ovação da sala foi
para Mari Alkatiri, o secretário-geral da  Fretilin de Timor-Leste que viveu em Moçambique mais de 20 anos.

O Congresso é vivido em dois  planos. Há o programa formal e a actividade frenética de “lobby” relacionada  com as eleições que vão acontecer a  partir de quinta-feira. O Congresso escolhe por votação 64 dos 180 membros do Comité Central (CC), tendo os  restantes sido já escolhidos nas  províncias. Também vai ser eleito o Secretário-Geral e a Comissão Política(CP), o órgão executivo do CC, e de  facto a instituição mais poderosa do país, já que é da CP que emanam as orientações  políticas para o governo do país.

No campo de Guebuza, o Primeiro-Ministro Aires Ali é quem goza das maiores simpatias como candidato presidencial, para alem do ministro da Agricultura, José Pacheco. Fontes bem posicionadas disseram dizem que Diogo goza agora de apoios sólidos nos campos de figuras históricas como o ex-presidente Joaquim Chissano, o ex-ministro da Defesa Alberto Chipande e a sra. Graça Machel, a viúva do presidente Samora. Apesar de tudo ser especulação, é afiançado que Filipe Paúnde, um “fiel” escolhido a dedo por Guebuza para Secretário-Geral (SG), não permanecerá no cargo, sobretudo devido `as “gaffes” com conotação racial feitas nos últimos meses. Ao lugar, nos corredores, fala-se na concorrência da antiga Primeira-Ministra Luisa Diogo, congregando as preferências de todas as alas opondo-se a Guebuza e Alberto Vaquina, o governador de Tete que poderá ser lançado pelo campo de Guebuza caso Paúnde não consiga renovar.Assim, poderão estar de saída Eneias Comiche, Teodoro Waty, Eduardo Mulembué, Alcinda Abreu, Manuel Tomé e Aiuba Cuareneia, um antigo delfim de Guebuza. As novas promoções poderão compreender “históricos” como Pascoal Mucumbi e Cadmiel Muthemba, um indefectível apoiante de Guebuza.

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