terça-feira, dezembro 21, 2010

Brincar com o fogo

Até para padrões africanos o que aconteceu na Costa do Marfim cheira mal.O atual presidente, Laurent Gbagbo, foi declarado reeleito no pleito . Seu principal adversário, Alassane Ouattara, ficou a ver navios. E saiu dizendo ter sido vítima de fraude. Até aí, normalíssimo na África. Presidentes normalmente se reelegem, no voto ou na marra, e à oposição resta espernear, ir à Justiça, fazer algumas passeatas, e nada adiantar.Mas dessa vez estão brincando com fogo. O primeiro resultado apurado e anunciado pela comissão eleitoral deu vitória ao oposicionista Ouattara por uma margem clara: 54% a 46%.Governos estrangeiros e a ONU correram para avalizar a eleição do oposicionista.O presidente recorreu (e quando presidentes recorrem, as coisas podem dar resultado).Tudo indicava que seria um caso raro de alternância pacífica de poder na África. Mas hoje algo inusitado aconteceu. A corte constitucional, que é hierarquicamente superior ao órgão eleitoral, aceitou o recurso de Gbagbo, sumariamente. Da cartola, retirou um novo resultado: o presidente venceu, pela suspeitíssima margem de 51% a 49%.Isso eu nunca vi igual. Um resultado ser anunciado e depois rasgado, sem grandes explicações, em tempo recorde.Já vi eleição cujo resultado demorou mais de um mês para ser anunciado (Zimbábue, em 2008). Já vi campanha eleitoral ser cancelada pelo governo na última hora, vendo que a oposição ia ganhar (Argélia, anos 90).Mas resultado anunciado e depois cancelado, jamais.Quando digo que estão brincando com fogo, é porque a Costa do Marfim não é a Bélgica, em que as disputas eleitorais crônicas são resolvidas de forma pacífica. O país tem um histórico perigoso de guerra civil e interétnica. Desde o início da década, esteve mergulhado em caos e violência diversas vezes.Gbagbo controla a metade sul do país. Ouattara, o norte, etnicamente mais próximo dos habitantes de Burkina Fasso e que se sente historicamente discriminado. A frágil paz, até pouco tempo, era mantida por tropas francesas.Imediatamente após o anúncio do surpreendente resultado, começaram distúrbios em Abidjan, maior cidade do país. As fronteiras foram fechadas, há restrições ao trabalho da mídia, foi imposto toque de recolher. Receita tradicional para um estado de exceção.A Costa do Marfim é um dos principais motores econômicos do oeste da África. Se ela derreter em chamas, a região toda sofre. Dias tensos pela frente.(Por Fabio Zanini)

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