domingo, outubro 24, 2010

Revolução Verde fracassou

De acordo com um relatório de auditoria ao sector agrário em Moçambique, produzido para a Inspecção Geral deFinanças (IGF) pela conhecida firma de consultoria Eurosis - Consultoria e Formação em Gestão, Lda, em colaboração com o ICC, “só 3% dos agricultores utiliza fertilizantes químicos e isso em grande parte para tabaco. Só 2% dos agricultores utiliza tractores e 11% utiliza tracção animal. Além disso, é possível constatar uma redução da utilização de irrigação, fertilizantes químicos e pesticidas”.Para os pesquisadores da Eurosis, aqueles factores são fonte de cepticismo nos agricultores sobre a utilização de novos métodos de produção. Elaborado no quadro do apoio orçamental que a comunidade internacional presta a Moçambique, o relatório é um dos instrumentos de medição do impacto desse apoio.Embora tido como base do desenvolvimento sócio-económico em Moçambique, com cerca de 3,5 milhões de agricultores estimados pelo TIA em 2007, o desempenho do sector agrário está muito aquém dos seus intentos.Algumas conclusões da avaliação indicam que a chamada Estratégia da Revolução Verde, que tem como principal objectivo promover o aumento da produção e produtividade dos pequenos produtores, não está a surtir efeitos concretos.Uma das razões por que ela ainda não vingou é a “falta de suporte para os riscos que os pequenos agricultores sofrem quando o Estado não garante a venda da produção excedentária ou não subsidia fertilizantes, tal como é efectuado, por exemplo, no Malawi e no Ruanda”.A auditoria, datada de Agosto de 2010, um mês antes da revolta popular dos dias 1 e 2 de Setembro último e dois meses antes da remodelação governamental que afectou o Ministério da Agricultura (MINAG), avalia a perfomance dequase toda a cadeia de valores do sector, desde aspectos institucionais como a gestão financeira e o procurement até problemáticas ligadas à produtividade do milho e arroz, a extensão rural, a irrigação, a divulgação de material científico, o licenciamento e receitas florestais, entre outros aspectos.O relatório apresenta conclusões e recomendações importantes para se perceber o que fazer com o sector e, sobretudo,como revitalizar o Ministério da Agricultura, que tem estado “a desempenhar um papel para o qual as instituições não estão preparadas”, segundo o mesmo documento.Na área da irrigação, uma das principais conclusões é que “o actual uso e aproveitamento dos sistemas de irrigação é muito baixo (menos de 50%) sendo uma das razões o fraco envolvimento dos beneficiários no processo de planificação e execução dos projectos de rega. Outras causas do não funcionamento efectivo de alguns sistemas de rega é a fraca habilidade dos utentes em operar e garantir a manutenção dos mesmos, o que, em parte, é justificado pela fraca capacidade de resposta em termos de recursos humanos existentes no subsector. Para os consultores, os factores apontados como obstáculos para a implementação da Estratégia da Revolução Verde prendem-se também com a necessidade de recursos financeiros e muita formação para a utilização de novas tecnologias, existência de um alto risco das expectativas sobre melhores rendimentos não serem satisfeitos, a falta de serviços de extensão e de uma boa infra-estrutura de irrigação, a utilização de insumos ainda é muito baixa . Embora o objectivo global do sector agrário, de acordo com o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA II) e outros programas como o Plano Económico e Social (PES), o PROAGRI I e II, o PAPA e do PEDSA, seja aumentar a produtividade e a produção para garantir a segurança alimentar, os consultores da Eurosis constataram que houve uma mudança de paradigma no sector. Quanto ao papel do governo, a referida mudança, segundo o relatório, parece não ter sido considerada aquando da elaboração dos Termos de Referencia da auditoria.A mesma fonte refere que existe uma grande diferença entre, por um lado, os PROAGRIs I e II financiados pelos doadores e os novos programas do PAPA e PEDSA elaborados pelo governo, visto que os primeiros dão mais enfoque à “boa governação”, “transparência” e “descentração”, enquanto os últimos dão mais enfoque aos resultados e aos distritos prioritários, em termos de aumento da produção e do rendimento. Por outro lado, a concentração do PROAGRI na capacitação institucional e na descentralização foi, provavelmente, fortemente influenciada pelas prioridades dos doadores. Para além de não mencionar com a mesma importância a necessidade da descentralização da responsabilidade e autoridade aos níveis locais, a nova estratégia do sector agrário não menciona áreas como as da necessária adopção de economia de mercado liberalizada, boa governação, transparência e prestação de contas, sensibilidade em relação às questões de igualdade, financiamento directo ao nível local dos Projectos de Desenvolvimento, promoção de iniciativas locais de desenvolvimento na área de agricultura. Existem, segundo a fonte, argumentos convincentes nos documentos do PAPA/PEDSA, apoiando os objectivos e a implementação de uma Revolução Verde em Moçambique. No entanto, falta uma discussão muito mais profunda e uma concretização sobre os possíveis riscos e problemas relacionados com a sua implementação e com a filosofia do PEDSA, incluindo subsídios e actividades chave do governo que devem ser combinadas com a descentralização e a economia de mercado.O contundente relatório, com um 332 páginas, aborda ainda aspectos relacionados com as deficiências do planeamento, orçamento e execução orçamental, a falta de análise dos dados do sector agrário, a falta de informação fiável sobre a produção de milho e arroz, a fraqueza do controlo das despesas, das receitas, emitindo recomendações com vista a melhoria das áreas de irrigação, desenvolvimento de variedades melhoradas de milho e arroz, produção e divulgação de material científico, produção de mudas de caju, pulverização de cajueiros, aplicação de vacinas, licenciamento e fiscalização de florestas. No domínio florestal, os indicadores disponíveis não permitem avaliar se a taxa de exploração é de facto conforme a capacidade de carga do recurso, avaliar a fuga ao sistema de licenciamento em vigor nem o impacto das transgressões florestais, assim como a eficiência e eficácia através de uma análise dos fluxos financeiros ao torno da floresta.(SAVANA/Armando Nenane)

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