segunda-feira, setembro 02, 2019

À quantas vamos?

"Liberdade somente para os apoiantes do governo, somente para membros de um partido - não importa quão grande a sua adesão possa ser - não é liberdade nenhuma. Liberdade é sempre a liberdade para o homem e mulher que pensam de forma diferente." (Rosa Luxemburgo, uma das mais destacadas líderes marxistas do movimento operário internacional dos princípios do século XX).
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Completam-se, hoje (1 SET), 4 anos do julgamento da crítica ao Guebuzismo, em que foram réus o Fernando Mbanze e eu. Para recordar, na época fui acusado pela PGR de prática de crimes contra a segurança do Estado por ter publicado um post no Facebook severamente crítico do Guebuzismo, e Mbanze foi acusado, pela mesma PGR, do crime de abuso da liberdade de informação ao publicar o meu post no jornal de que é editor. Daqui a 16 dias, 16 de Setembro, completam-se 4 anos da sentença histórica que nos ilibou dos crimes e expandiu o sentido de liberdade de expressão e crítica política. Entretanto, a PGR interpôs um recurso contra a sentença, em finais de Setembro de 2015, sobre o qual ainda não há resposta. Quatro anos depois!!!!!

O que aconteceu, entretanto, nestes 4 anos, em matéria relacionada com os assuntos discutidos naquele post no Facebook e no julgamento?

Primeiro, cada um dos assuntos tratados no post foi confirmado pela vida real: o endividamento descontrolado, a privatização e a financeirização do Estado, a mercadorização da soberania nacional, o desprezo pela vida dos cidadãos, o tornar o futuro refém de ambições extremas de um punhado oligárquico, a alta corrupção intelectual, social e material, o uso e abuso do símbolo PR para promoção de enriquecimento ilícito, a repressão da diferença e das vozes não alinhadas, até a violência armada no norte do país. A vida se encarregou de mostrar que o post não era difamatório. Se pecou por faltar à verdade foi por defeito - o que se passava era pior que o descrito - e não por excesso. 
Segundo, os poderes legislativos decretaram, por revisão da lei, a redução do espaço de crítica política, em direcção oposta à lógica histórica - os detentores de altos cargos políticos públicos estão hoje mais protegidos que o cidadão comum contra a crítica política. 
Terceiro, a PGR foi forçada, contra vontade e apesar de enorme resistência do regime, a investigar parte dos crimes denunciados no meu post de 2013 e, na sequência da investigação, há duas dezenas de cidadãos detidos, a maioria deles directamente ligados à figura do presidente Guebuza, entre familiares e assessores pessoais. APESAR disto, a PGR mantém o seu recurso contra a sentença que nos ilibou de crimes contra a segurança do Estado e de abuso da liberdade de informação. 
Portanto, estamos num imbróglio interessante.  A PGR considerou, em 2013, que a denúncia de crimes de lesa pátria, porque envolvendo a figura do PR, deveria ser tratada como crime contra a segurança do Estado. Entretanto, a mesma PGR está hoje a investigar parte dos crimes que na época denunciámos e já deteve uma vintena de personalidades ligadas à figura do então PR. A sentença do Tribunal, em 2015, ilibou-nos dos crimes e expandiu o sentido de liberdade de expressão e o campo de crítica política. Posteriormente, o poder legislativo legislou a restrição dessa crítica, contra o sentido lógico da história. A PGR mantém o recurso contra a sentença que nos ilibou, significando que mantém a sua acusação de termos praticado crimes contra a segurança do Estado por termos denunciado, em 2013, um modo de governação que está hoje a ser investigado pela própria PGR.
Em conclusão, segundo esta lógica da PGR, a denúncia dos crimes que a PGR hoje está a investigar é, segundo a PGR, uma ameaça à segurança do Estado. A PGR não nega que os crimes denunciados sejam crimes, mas parece considerar o acto cidadão da denúncia como um atentado ao poder, e um crime ainda maior que os crimes denunciados. 

Quer dizer, o exercício da cidadania é crime.
Resultado de imagem para nuno castelo branco julgadoAliás, outros exemplos confirmam esta conclusão. Vejamos dois. O Conselho Constitucional decretou ilícitas e sem sentido jurídico as dívidas ilícitas, resultando daí ser ilícito o Estado assumir responsabilidade sobre tais dívidas. O governo não quis saber desta decisão e continua a tentar fazer com que sejam os cidadãos a pagar essa dívida de sangue. A PGR está a investigar a dívida e já deteve uma vintena de suspeitos de vários crimes associados a ela. Entretanto, cidadãos que publicam declarações de repúdio a essa dívida e de apoio à rejeição de ser o Estado a paga-la são perseguidos, reprimidos, ostracizados. Então, qual é o crime, a dívida ilícita ou a denúncia da dívida ilícita? Ambos. A denúncia da dívida ilícita é considerada crime contra a segurança do Estado, enquanto ilicitamente defraudar o Estado num valor equivalente a 15% do PIB é tratado como "corrupção". Portanto, cidadania é crime. 
Todos conhecemos o contencioso sobre o recenseamento em Gaza: as estatísticas oficiais indicam que os dados do recenseamento eleitoral em Gaza são impossíveis. Há mais de 300 mil eleitores a mais registados, o que, no limite, dará 9 deputados mais ao partido no poder nas próximas eleições. A lógica aponta para a necessidade de uma auditoria ao recenseamento eleitoral nesta província. O que foi feito? O INE foi humilhado publicamente pelo PR, o seu presidente foi demitido, a auditoria foi rejeitada e o partido no poder começa o processo eleitoral com 3,5% de votos em vantagem antes de alguém ter votado. 
Portanto, cidadania, integridade e profissionalismo são crimes contra a segurança do poder instituído. 
Quando, perante os órgãos judiciários, a denúncia do crime e a defesa do Estado são criminalizados, então podemos concluir que o crime organizado está no poder.
A história nos absolverá.
A luta continua!

(Carlos Castel-Branco/economista)

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