segunda-feira, março 21, 2016

Magnânimo é uma excelente qualidade para um presidente!

Foi logo pelas primeiras horas da manhã da última terça-feira que Iraê Lundin abriu as portas do seu escritório, em Maputo, para falar ao SAVANA sobre o último impasse que fecha os caminhos para a paz em Moçambique. Visivelmente preocupada com a instabilidade que mata, destrói e força deslocações, a académica diz que, apesar de vários doutoramentos que tem, não entende a dificuldade de aceitar o que para ela nem é pré-condição, nomeadamente, a mediação da Igreja Católica, do presidente sul-africano, Jacob Zuma, e da União Europeia no diálogo Governo-Renamo como propõe o partido de Afonso Dhlakama. Diz a docente universitária que tal postura não diminui a posição de um presidente da República, pelo contrário, mostra que é magnânimo, humilde e não arrogante. Diz que não sabe onde, mas em algum lugar o presidente Filipe Nyusi perdeu essa postura, acrescentando que ele seria muito mais admirado se pudesse reiniciar o processo de diálogo com a Renamo, com cujo presidente reuniu por duas vezes em Fevereiro de 2015. E é esse caminho do diálogo e da paz que encoraja o presidente Nyusi a seguir. Com experiências amargas do passado, diz que não há nada pior que a guerra. Considera horrível quando alguém luta com outrem para depois encontrar aquelas pessoas e ver que elas não têm rabos, não têm chifres, elas são iguais a si, têm os mesmos sonhos, as crianças delas são da idade das suas e aí pergunta então porquê lutamos. Assim, metaforiza a professora, se o problema for que um gosta do vermelho e outro gosta do amarelo, então, que se faça um vestido vermelho-amarelo para que os dois fiquem felizes. Na entrevista a este semanário, Lundin começa por recordar o fim da dé- cada de 1980 e inícios de 1990, quando esteve de pedra e cal nos esforços de busca da paz para um Moçambique dilacerado pela guerra civil entre os mesmos autores que, novamente, estão desavindos, designadamente, o Governo da Frelimo e o maior partido da oposição, a Renamo. “Tive a honra de participar no processo de paz. Os meus trabalhos trouxeram material para repensar o Estado e fazer uma parte das reformas que era necessária para que a paz pudesse ser abraçada e principalmente pudesse ser consolidada” anota, em introdução. Fá-lo com nostalgia porque, diz ela, nessa época havia muita abertura e interesse para, realmente, construir a paz. “Não havia empecilhos, não havia que isso pode, isso não pode. Considerava-se: se isso vai trazer a paz, então, pode. Era uma visão muito interessante e foram mudanças substanciais. Não foram mudanças pequenas, foram mudanças em todo o sistema político, económico, administrativo, até a percepção de cultura mudou. Foi realmente uma coisa muito substancial e para a equipa do presidente Chissano, porque achava que a paz era um bem importantíssimo, não havia o que não podia. Tudo podia se no final do dia fôssemos ter paz”, lembra com saudades.
Resultado de imagem para Iraê LundinMas diz que hoje sente falta dessa postura. “Primeiro sinto pena porque não conseguimos mantê-la (a paz). Muitos sinais foram aparecendo, 2008, 2012, o espaço para o diálogo foi fechando, dificultou até que chegamos a esta situação”, diz. Na sua óptica, hoje fala-se muito e faz-se muito pouco. “Todos os dias, quando a gente abre o rádio há alguém, um escritor, um director nacional, uma pessoa de um distrito a dizer que queremos paz. É verdade que todos nós queremos paz, mas depois não há acções concretas, como se via em 1988 a 1992”, exemplifica, ajuntando: “naquela altura a gente praticamente não falava. Não tinha gente no rádio, na televisão, não. Fazia-se e fazia-se. Tomava-se atitudes e acções governativas e ultrapassava- -se aquela questão e eu sinto um pouco falta dessa postura hoje, de tomar acções, de fazer e não só falar”. Frisa que, no passado, mudou-se a Constituição, fizeram-se leis, com as reivindicações da Renamo contempladas, esvaziando assim as suas exigências. Para além da Constitui- ção de 1990, que abriu o pluralismo político, a entrevistada cita as leis para o respeito das autoridades tradicionais, das privatizações em Janeiro de 1993, a lei de descentralização em 1994, apesar de não ter sido seguida à letra, entre outras reformas feitas pela governação do dia. É aqui onde a académica pergunta qual é o problema hoje de aceitar a Igreja Católica, o presidente sul-africano e a União Europeia na mesa de diálogo, acrescentando: “se eu me sinto confortável porque algumas pessoas me vão dar esse conforto, se elas não me inibem, se elas não são inimigas, então, deixa elas estarem lá”. Repete que não entende mesmo porque hoje é tão difícil tomar passos pequenos para restabelecer a paz, quando no passado foram tomados grandes passos que mudaram totalmente o rumo do país. “O país caminhava para o socialismo e passámos a caminhar para a economia do mercado, o país era totalmente centralizado e entrámos um pouco na descentralização.
A cultura era vista como folclórica e passou a ser vista como valorização daquilo que é a consolidação da nossa personalidade. Não existia imprensa privada, o sector privado, as organizações não governamentais, tudo isso não existia antes”, cita algumas dessas reformas. Perguntamo-la que passos precisam de ser tomados para que, tal como no passado, os moçambicanos se abra- çassem e se sintam todos cidadãos no seu próprio país. Iraê Lundin dá exemplos e recorre à metáfora. “Por exemplo, dialogar com mais gente dentro da sala. Qual é o problema? É nossa tradição. Quando temos luta lá em casa há sempre um tio. Quando o casamento não vai bem, há sempre uma madrinha. Essa é a nossa tradição de ter alguém dentro da sala. Então, qual é o problema? Eu particularmente não vejo nenhum se lá no fim do dia é para encontrar paz”, refere. Para a objectividade, perguntamos a que pessoas se refere quando fala de tios e madrinhas na sala do diá- logo e respondeu: “a Renamo quer que se ponha pessoas ( Jacob Zuma) e instituições (leia-se Igreja Católica e União Europeia) dentro da sala. Qual é o problema? Eu nem vejo isso como uma condição. Eu sinto- -me mais à vontade se vou com a minha madrinha. Então traga a sua madrinha, a sua madrinha nem é nossa inimiga. A sua madrinha tem interesses na paz, então deixa ela vir. Não consigo perceber. Com todos os doutoramentos que tenho, a minha cabeça não consegue perceber qual é a dificuldade. Não consigo, com toda a honestidade”. O que a docente entende é que, como se não bastasse, esses convidados até são amigos de Moçambique. “África do Sul tem grande interesse neste pipeline (a ligar Cabo Delgado e Gauteng) tudo o que eles não querem é que tenha guerra aqui. Inclusive somos amigos. Eu até pergunto- -me porque a Renamo vai buscar indivíduos que são tão amigas”, diz, reiterando que se há problemas no casamento não é o casal sozinho que discute, vem a madrinha e se ela não consegue vem mais gente para ajudar a ultrapassar o impasse. Até porque, para ela, faz sentido que o partido de Afonso Dhlakama proponha a presença de “madrinhas”, na mesa do diálogo. “Porque é que o presidente Nyusi começa um diálogo e depois tudo fica assim?
Então, essa massa cinzenta que se criou entre o primeiro diálogo faz com que a Renamo queira trazer as suas madrinhas dentro da sala. Eu não vejo, mas não vejo nenhum mal. Nenhum”, destaca. As responsabilidades de um chefe de Estado Para a nossa entrevistada, perante coisas muito fortes na nossa frente, como o actual xadrez político-militar moçambicano, a cabeça tem de ser mais inteligente e pragmática. Nestas situações, sublinha, os governantes têm de ser mais inteligentes e, tal como no passado, é preciso que a cabeça seja usada para mais do que só enfeitar o corpo. “Eu costumo dizer que é melhor você entregar todos os anéis dos seus dedos, para manter os dedos porque anéis você pode comprar de volta, mas dedos não”, assinala. Perante um cenário como o que se vive no Moçambique de hoje, caracterizado por confrontações armadas, mortes e destruição de bens e deslocação de homens, mulheres, crianças e velhos, a académica entende que de um Chefe de Estado, no caso vertente, Filipe Nyusi, exige-se que faça aquilo que ele disse que quer fazer e que começou a fazer há cerca de um ano, quando se encontrou com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama. “Ele entrou, encheu-nos de esperan- ça quando teve dois diálogos com Dhlakama. Aí depois ataca-se a viatura do senhor (Dhlakama), tenta- -se matar. Então, se puder resgatar o espírito daqueles diálogos que aconteceram no Indy Village que o faça”, recomenda. Acrescenta que, mais do que resgatar o espírito do diálogo, é preciso que o Chefe de Estado coloque alguma coisa em cima da mesa. “A gente não convida alguém para ir lá para casa sem oferecer um chá. É preciso pôr alguma coisa em cima da mesa. O presidente e a sua equipa podem seguir exemplos, como fez Chissano que pôs em cima da mesa com Dhlakama, uma nova Constituição, um conjunto enorme de leis, aquilo foi para cima da mesa e também o senhor Dhlakama cedeu bastante. Houve cedências de parte a parte e é isso que se chama negociação. Ninguém chega com a sua cesta vazia e sai com ela totalmente cheia, não. Você chega com alguma coisa na sua cesta e o outro também, até pode sair com o que chegou, mas mostrou que na sua cesta tinha alguma coisa para oferecer”. Perante uma Renamo que está a reivindicar governar as seis províncias do centro e norte de Moçambique onde reclama vitória nas eleições de 2014, a entrevistada opina: “essa coisa de governar as províncias seriam os dedos e, como sem dedos a gente não quer ficar, então, que se dê os anéis que é pôr na sala a Igreja Cató- lica, Zuma e a União Europeia pelo menos para iniciar o diálogo. Depois conversa, depois vamos ver o que se pode pôr na cesta de parte a parte etirar”.

Avança que daí já se pode enveredar pelo menor denominador comum que não crie problemas na governa- ção, um denominador comum que consistiria em aceitar as “madrinhas” que, afinal, serão de parte a parte, ou seja, nem serão advogados da Renamo. “Essa madrinha não é de um só, ela vai estar ali para escrever o que foi acordado, etc., etc. É preciso que esteja alguém mais neutro que não é nem de lado nenhum nem de outro, que quer a paz dos dois, tem esse interesse”, explica. “Hoje a gente abre o rádio, está a falar, fala e fala. Está bem, mas então, senhor, faz porque as pessoas estão a morrer. Há pessoas deslocadas, casas queimadas, trânsito interrompido, então, é preciso olhar para o bem maior”. Questionada se sentia que o presidente Nyusi estava a fazer algo nesse sentido, respondeu que “ele pode fazer”. Tanto é que, na sua visão, aceitar a presença da Igreja Católica, do Presidente sul-africano e da União Europeia não diminuiu a milésima parte do Presidente da República. “Não vamos perder a face se de repente aceitarmos que venha gente que não somos nós os dois. Isso não diminuiu a posição do presidente da República, pelo contrário, mostra que é magnânimo e ser magnânimo é uma excelente qualidade para um presidente da República. Mostra que é humilde, também uma excelente qualidade, mostra que não é arrogante, excelente qualidade. Então só ganha em postura”, apela, citando Joaquim Chissano como aquele que pode ser, para Filipe Nyusi, um exemplo a seguir. “O presidente Chissano hoje é um indivíduo respeitado no mundo inteiro. Dentro das nossas comunidades aqui, quando ele passa parece um Deus, porque aos nossos olhos ele é o homem da paz. Então, não diminui a um governante, só aumenta a postura dele, porque ser chefe de Estado não lhe faz um Estadista, o que lhe faz estadista são suas acções. Existem muitos chefes de Estado que não são estadistas, mas Chissano saiu do poder como estadista e hoje é visto assim dentro e fora por uma coisa que parece tão simples, mas que foi muito difícil porque foi preciso muita humildade, foi preciso muita cedência, mas o bem maior está aí e ganhamos todos e ganhou ele como estadista, nunca vai perder esse rótulo dentro do nosso país e lá fora ganhou inclusive prémios internacionais”, indica. Por isso, avança, “a postura do nosso presidente seria admirada muito mais por todos nós, muito mais, e reiniciaria aquele processo que ele iniciou há mais ou menos um ano e nos daria esse presente de Páscoa ou seja lá o que for porque realmente estamos inquietos e intranquilos”. Diz que não sabe onde, mas certamente que em algum lugar o presidente Nyusi perdeu essa postura que iniciou em 2015, com encontros com a Renamo, mas diz ter uma sensação de que ele quer recuperar.

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