sábado, dezembro 14, 2013

Com base em pressupostos do Sec. XX

O partido Frelimo anunciou, finalmente, anteontem à noite (10), os seus três pré-candidatos à Presidência da República, nas eleições de Outubro de 2014. Todos, nomes conhecidos na política nacional, porque ocupam cargos relevantes na actual equipa governamental, mas nem por isso deixa de ser surpreendente a sua escolha.
A entrada de uma nova liderança na Frelimo, que não faz parte da gesta da luta armada, é um marco importantíssimo no país. Representa, verdadeiramente, um momento de ruptura com o passado e um piscar de olhos ao futuro.
De há uns anos para cá, o país vem conhecendo uma viragem crucial no seu processo de desenvolvimento económico-social, com a descoberta de gigantescas reservas de recursos naturais, que auguram um futuro diferente. Tendo a geração dos libertadores cumprido honrosamente o seu papel fundador do Estado moçambicano, impunha-se, e até em reconhecimento ao seu inigualável e irrepetível papel histórico, que se afastasse e estendesse a passadeira vermelha à renovação.
Alberto Vaquina, José Pacheco e Filipe Nhussi representam, simbolicamente, esta transição geracional no partido mais importante deste país. Mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo que são uma ruptura, parecem também uma continuidade disfarçada, ou ao menos cautelosa por parte de quem os escolheu. Porque vêm da equipa governamental em exercício e nitidamente a sua escolha tem o dedo indelével de Armando Guebuza, o seu mentor político, legitimando a ideia que há muito se especulava de que o actual presidente vai continuar a influenciar o jogo do poder a partir da liderança do partido – afinal, foi o próprio secretário-geral da Frelimo, que anunciou a estratégia de dois pôlos do poder, ainda em Agosto de 2011.
Ora, a ideia de continuidade subentende que qualquer um deles está para manter o status quo. A insatisfação generalizada que se projecta, via redes sociais ou através de manifestações cada vez recorrentes na nossa sociedade; as importantes vozes que ecoam de dentro da Frelimo, deixando transparecer sinais de fortes divisões internas, mas sobretudo o conteúdo de fundo dos resultados das recentes eleições autárquicas, indiciam que as pessoas – incluindo uma fasquia assinalável de militantes da própria Frelimo - querem mudanças reais e não operações cosméticas.
Isto torna tanto Alberto Vaquina como José Pacheco e Filipe Nhussi candidatos de risco elevado para a Frelimo. Primeiro, porque fica a sensação de que o partido no poder não escolheu os seus melhores candidatos, mas os mais leais ao pensamento dominante no partido. Confirma-se, assim, a tendência de homogeneização do pensamento dentro deste partido e da negação do diferente.
Em segundo lugar, apesar de serem ministros, não se conhece o suficiente as próprias ideias dos três candidatos, porque o modelo do partido de que fazem parte assim não o permite. E lembre-se que o eleito terá apenas 10 meses para se fazer ouvir e convencer.
Em terceiro lugar, nenhum deles tem o respaldo da participação na luta armada, que deu uma aura diferente aos dirigentes libertadores. Eles surgem agora num contexto em que os dirigentes são avaliados como homens de carne e osso, e não os semi-deuses que me ensinaram a ver nos libertadores, ao longo da minha adolescência .
Alberto Vaquina tem na bagagem dois mandatos como governador em Sofala e Tete, mas à altura das quintas eleições autárquicas, terá apenas dois anos de experiência de dirigismo, a nível central, da gigantesca máquina do Estado moçambicano. Filipe Nhussi era até há poucos anos gestor de topo nos CFM, e em Outubro de 2014, terá só seis anos de experiência de governo. José Pacheco é o que tem mais estrada dos três: já foi governador em Cabo Delgado, vice-ministro da Agricultura, ministro do Interior e agora da Agricultura. A isso, junta uma carreira irrepreensível dentro do partido. Mas, dos três, é também o que tem uma imagem pública mais problemática. A sua passagem pelo ministério do Interior foi tudo menos pacífica – o caso dos BI´s biométricos da Semlex nunca foi explicado tal como dificilmente sairá da memória de muitos moçambicanos a frase célebre a chamar vândalos aos manifestantes de 5 de Fevereiro de 2008 para no momento seguinte o Governo ceder às exigências deste movimento. Por outro lado, é preciso não esquecer que é o negociador-chefe da equipa governamental de um diálogo com a Renamo, sem resultados há vários meses. Mais: não é uma figura de gerar empatias facilmente. E isto é apenas uma parte da sua sinuosa carreira ministerial.
Isto torna qualquer um dos três vulnerável, levantando naturais reservas quanto à sua capacidade de manter uma liderança forte, capaz de reunificar o partido, reconciliando as várias tendências indisfarçadamente desavindas e estendendo a mão às elites urbanas, publicamente marginalizadas pelo presidente Guebuza, e aos jovens com diplomas universitários nas mãos, mas sem perspectivas na vida.
Face ao momento que o país vive, e em adição ao que o próprio partido Frelimo passa, impunha-se-lhe que optasse por uma transição mais tranquilizadora, mais aglutinadora, que juntasse as muitas pontas soltas dentro da Frelimo. O caminho escolhido, de afastar ainda mais dos centros do poder as vozes dissonantes, parece ser mais desagregador e de consequências imprevisíveis para a Frelimo.
Por tudo isto, prevejo o fim da Frelimo hegemónica e gloriosa, das vitórias retumbantes e das maiorias absolutas, e um maior aproximar da oposição, como os resultados das últimas autárquicas já deixaram antever.
É certo que, no curto e talvez mesmo médio prazo, a Frelimo a continuará a ser a força dominante do nosso jogo político, mas prevejo uma democracia mais equilibrada com o MDM a capitalizar ainda mais as fissuras que se vão agravar com as escolhas feitas agora pelo partido no poder, atraindo para si o eleitorado urbano desiludido com o novo curso do partido no poder.(J.Langa)

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