domingo, junho 27, 2010

Continuamos na Internacional Socialista

O antigo chefe do Estado moçambicano, Joaquim Chissano, concedeu esta semana uma longa entrevista ao semanário SA VA NA , na qual fala dos 35 anos da independência que se assinalam nesta sexta-feira. Chissano, que durante 18 anos foi presidente de Moçambique, aborda a sua passagem pelo ministério dos negócios estrangeiros, acordos de Nkomati, comenta sobre o MDM e não fugiu a uma pergunta sobre os seus negócios privados. Pelo caminho fala da Frelimo e do “lambebotismo" no partido, fenómeno denunciado por Jorge Rebelo.
A Frelimo mudou muito, já não é a mesma Frelimo a que se juntou nos anos 60, quando ainda era muito jovem. De movimento nacionalista para um partido Marxista-Leninista, e agora para um partido firme mente fundado na mesma ideologia capitalista que no passado combatia. Sente-se perfeitamente à vontade em ser um actor activo nesta viragem tão radical?
Naquilo
que disse está tudo correcto, com a excepção da afirmação de que a ideologia (da Frelimo) está fundada no capita lismo. Tem umas actividades que são de base capitalista, mas que os nossos objectivos ainda são socialistas. Por isso é que nunca deixamos de ser membros da Internacional Socialista, porque ainda acreditamos na justiça social, o que não é possível num sistema de capitalismo puro. Ter uma economia de mercado é normal mesmo em sistemas socialistas; é só olhar para os países escandinavos; a economia lá é de mercado, mas que nós nos baseamos nos princípios de socialismo que têm a ver… há uns que gostam de qualificar social-democracia, socialismo democrático, mas é socialismo no seu fundamento. Mas a economia de mercado é aplicável, porque com ela a competição gera maior produção e desenvol vimento das forças produtivas. O que importa é aquela outra parte; como é que depois se distribui os resultados da riqueza de maneira equitativa, tentando reduzir as diferenças entre os que têm e os que não têm. É o que estamos a fazer. Para mim, a questão é sobre os que ontem eram todos pobres. É de entre esses que estão a aparecer os menos pobres. Não é uma questão linear que os que hoje chegaram à riqueza vão continuar a ser os mais ricos. Daqueles que são pobres, basta aparecer-lhes uma oportunidade para poderem subir e ultrapas sar… isso está a acontecer aqui na nossa praça. Há pessoas que começaram num determinado nível e que hoje já estão num outro nível muito acima, e vão se ultrapassando. E há uns que caiem.
Mas os dados mais recentes indicam que o fosso entre os ricos e os pobres em Moçam bique está a aumentar. Isso contraria essa noção de distri buição equitativa…
Está a aumentar porque…. há pobreza absoluta. Mas não são esses que são absolutamente pobres que
permanecem abso lutamente pobres; há outros que se multiplicam lá na pobreza enquanto que a multiplicação para a riqueza é muito mais difícil — nascer filhos custa menos do que educá-los. Dar lhes capacidade de desenvolverem negócios custa mais isto para chegarem a dar uma produção que possa servir para todos; terem todos emprego, etc. Mas o número de pessoas que hoje têm emprego, auto-emprego ou uma ocupação que lhes dá rendimento aumentou. Claro que a população também aumenta, e é preciso ver quando falamos desse fosso a que é que estamos efectivamente e referir… ontem falava-se de um dólar por dia; não sei se hoje ainda falamos de um dólar por dia no nosso país ou estamos a falar de um dólar e meio ou de dois dólares… se tomamos tudo isso em conta podemos ver se as pessoas vivem um pouco melhor ou pior. Mas se tomarmos só um indicador, emprego e salário, cabaz mínimo feito à maneira sindical, podemos cair no desespero. Mas se tomarmos em conta todo o desenvolvimento no campo, e não nos basearmos somente naquilo que vemos nas cidades, podemos chegar à conclusão de que de facto, a pobreza está a perder terreno. As diferenças entre ricos e pobres vão nos acompanhar durante muito tempo, mas o que se quer é que os pobres vão saindo da pobreza e encon trarmos uma forma de acelerar o número daqueles que saem da pobreza. Hoje já ultrapassamos os 50%, que é a meta de 2015.
O seu ca
marada Jorge Re belo disse recentemente em público que o espaço para crítica estava a reduzir-se dentro da Frelimo. Será isso um problema de liderança, em que os líderes têm uma aversão à crítica, ou será que os quadros simplesmente se demitiram do seu sentido crítico?
Não sei, porque como eu não tenho acompanhado o Presidente da República, e tenho participado em poucas reuniões, não sei como é que eles fazem lá dentro. Mas eu nu
nca ouvi alguém a ser travado de dizer o que quisesse dizer. Segundo o que eu sei na Frelimo não é proibido dizer asneiras… o que se pode é debater aquilo que a pessoa disse; há pessoas que podem pensar que porque se debate, e que as pessoas não concordam com elas, não estão a aceitar uma crítica que tenham colocado. Não sei o que se passa, mas penso que o Jorge Rebelo deve estar a referir-se a casos concretos que poderá apresentar. Eu sei que o Jorge Rebelo gosta de colocar cenários de situações negativas para talvez a partir daí se encontrar remédios; portanto, o raciocínio dele há de ser sempre o de procurar o cenário mais difícil… que é uma demarche dele, mas não sei se ele se está a referir a críticas que ele próprio gostaria de lançar e que lhe travaram de fazer ou de outras pessoas. Mas eu notei que ele disse que havia uma tendência de pessoas quererem parecer bem, lambebotas, etc. Mas isso é normal; em todas as sociedades a gente encontra pessoas que querem parecer bem, dizendo sempre coisas boas, louvando, etc.

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