Os negócios do futebol do clã Sidat
— “Não é através da FMF que ficarei rico ou deixarei de ser rico, é graças à amizade que faço do Rovuma ao Maputo”, Shafi Sidat O ano de 2007 marca a formalização da chegada ao topo dos irmãos Sidat, nomeadamente Shafi e Feizal Sidat, com a eleição deste último para o cargo de presidente da Federação Moçambicana de Futebol (FMF), o órgão que superintende o chamado desporto-rei em Moçambique. Shafi e Feizal Sidat possuem uma série de negócios estratégicos na área desportiva em Moçambique e que foram bem expostos na presente campanha de sucesso dos “Mambas” — jogos com o Burquina Fasso e Senegal. A avaliar pelos dados recolhidos pelo SAVANA, há zonas de conflito de interesses entre os negócios do clã Sidat e a FMF, onde empresas ligadas a esta família aparecem a prestar lucrativos serviços a entidade que superintende o futebol em Moçambique. Não será, de todo, exagero, dizer que, tal como os irmãos Oliveira (o empresário Joaquim de Oliveira e o então treinador de futebol António Oliveira) no futebol português na década de 90, os manos Sidat mandam no futebol moçambicano.
Promiscuidades na FMF?
A título de exemplo, Shafi Sidat é a face visível da Liga Desportiva Muçulmana de Maputo (LDMM), clube a quem a FMF, liderada por Feizal Sidat, atribuiu a organização dos dois últimos lucrativos jogos dos “Mambas”. Shafi é igualmente a cara da Sidat Sport, a empresa de equipamentos desportivos que presentemente veste os “Mambas”. Shafi Sidat é também empresário de futebolistas como Dário Khan, Kampango e Mano (os três presentes no onze inicial do seleccionador Martinus Maria). Feizal Sidat é o homem forte da Tipografia Académica (um dos braços de negócio do grupo de media de que fazem parte ainda o jornal Diário de Moçambique e a Papelaria Académica). A Sidat Office Solutions e a Papelaria Rex são outras duas firmas onde os irmãos Sidat detêm interesses. Segundo informações disponíveis, a Académica é a firma que presentemente imprime os bilhetes dos jogos da selecção nacional (*). Pelo menos assim foi nos dois últimos jogos dos “Mambas”: Moçambique x Burquina Faso e Moçambique x Senegal.
Numa declaração ao SAVANA, Shafi Sidat confirmou que é a cara visível da Liga Muçulmana. “Não ocupo nenhum cargo na Liga Muçulmana. Mas como sou homem de desporto e conheço muita coisa, apoio na organização. Sempre dei a cara. A Liga convidou muita gente da sociedade civil e eu mesmo sem ter sido convidado me disponibilizei a apoiar por se tratar de uma coisa da nação”, frisou Sidat.
Solicitado a pronunciar-se a volta dos equipamentos desportivo provenientes da Sidat Sport e utilizado pelos “Mambas”, Shafi Sidat foi bastante cauteloso na resposta:
“Não há nada a esconder. A Sidat Sport é um dos maiores patrocinadores de todas as modalidades ou entidades desportivas. Não é só o futebol que apoia. No recente africano de básquete de clubes, as tabelas usadas no pavilhão do Estrela Vermelha foram patrocínio da Sidat Sports”, sublinhou. Sidat prosseguiu sublinhando que “as pessoas ligadas à Sidat Sport apoiavam muitas actividades desportivas muito antes desta empresa existir.
Não é através da FMF que ficarei rico ou deixarei de ser rico, é graças à amizade que faço do Rovuma ao Maputo e posso dispensar totalmente o meu apoio à FMF quando aparecerem empresas que doarem mais do que eu”. Shafi Sidat acrescentou que, no passado, a Sidat Sport já apoiou até os árbitros, “mas, devido às bocas de algumas pessoas, deixámos de patrocinar. Hoje já recebi três cartas (de pessoas ligadas à arbitragem) a pedir apoio”, precisou.
Episódios estranhos
Segundo dados apurados pelo SAVANA, episódios classificados de “estranhos” ter-se-ão registado no processo de atribuição da organização dos dois últimos jogos dos “Mambas”.
Para o jogo com a Burquina Fasso, a FMF lançou um concurso público, no qual participaram dois concorrentes: Liga Muçulmana e a conhecida firma de organização de eventos, a DESTINOS, liderada por Jorge Jacinto. Para este jogo, o caderno de encargos estava à venda na FMF a mil meticais e o período para a entrega das propostas terminava às 17 horas do dia 25 de Maio. Ao que soubemos, a DESTINOS, que terá saído lesada deste processo, submeteu a sua proposta na FMF às 15 horas do dia 25 de Maio. Contudo, de acordo com as nossas fontes, estranhamente, a edição do jornal“Notícias” do dia 25 de Maio (às 7h.00 já estava nas bancas) citava uma fonte da FMF a afirmar que a organização do jogo contra a Burquina Fasso fora atribuído à Liga Muçulmana por desistência da DESTINOS. Todavia, fonte da FMF afiançou-nos que a DESTINOS nunca chegou a desistir do concurso. Soubemos ainda que a DESTINOS protestou de imediato, mas ainda não recebeu uma resposta da FMF. Segundo as regras do concurso, o vencedor tem a responsabilidade de organizar o jogo, nomeadamente, aluguer do campo, impressão e venda de bilhetes, segurança, para além de pagar uma determinada percentagem sobre a receita do jogo à FMF. Contudo, em declarações ao SAVANA, Teófilo Nhangumele, vice-presidente para a área de marketing na FMF, desmentiu que tenha havido favoritismos a favor da Liga Muçulmana. “A FMF lançou um concurso público para os dois jogos. A data limite da entrega das propostas expirava às 15 horas do dia 18 de Maio. A única empresa (clube) que entregou a documentação dentro dos prazos foi a Liga Muçulmana. A proposta da DESTINOS deu entrada no dia 25 de Maio. Foi uma proposta que entrou tardiamente e nessa altura já tínhamos decidido a favor do único concorrente”, frisou Nhangumele. Mas informações na posse do SAVANA indicam que o prazo do concurso terminava às 17 horas do dia 25 de Maio. Sobre o equipamento utilizado pelos “Mambas”, Nhangumele foi lacónico na resposta: “O equipamento da selecção usado nos dois últimos jogos não é novo e não posso falar do elenco de Mário Coluna. Ainda não comprámos equipamento para a selecção. O que lhe posso dizer é que nos próximos jogos haverá concurso para a compra do equipamento”. Tentativas de ouvir um comentário de Jorge Jacinto, da DESTINOS, redundaram num fracasso. Na DESTINOS disseram-nos que Jacinto estava indisponível.
Jogo contra Senegal: sem concurso
Depois da vitória dos “Mambas” contra o Burquina Fasso, adivinhava-se um sucesso de bilheteira no jogo a seguir contra o Senegal. No entanto, segundo os nossos informadores, na FMF, estranhamente, para este jogo, não foi lançado nenhum concurso público. A FMF atribuiu este negócio à Liga Muçulmana, para, segundo fontes próximas do negócio, permitir que este clube fizesse um grande encaixe financeiro. “Depois da vitória contra o Burquina Fasso, estava claro que, contra o Senegal, o sucesso de bilheteira estava garantido e era um bom negócio. A probabilidade de prejuízos para o organizador era praticamente igual a zero”, comentou uma fonte próxima da FMF.
Legislação moçambicana permissiva
O regime jurídico actual em Moçambique não pune conflitos de interesses, muito menos tráfico de influências. Aliás, o próprio director do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) queixou-se recentemente desse fenómeno que já está enraizado na sociedade moçambicana. “Verificámos que a legislação deixa de fora outras manifestações de corrupção, tais como o tráfico de influências, conflitos de interesse, entre outras…”, lamentou Rafael Sebastião, em meados do ano passado quando apresentava o balanço trimestral do seu gabinete. Também a destemida Isabel Rupia, ex-directora da defunta Unidade Anti-Corrupção, vezes sem conta, insurgiu-se contra este tipo de práticas que o actual ordenamento jurídico não penaliza. Há vários ministros e seus familiares directos envolvidos em actividades directas ou próximas dos pelouros que dirigem no Executivo.
O percurso dos Sidat
Shafi Sidat, o mais novo dos irmãos, foi quem sempre se destacou no futebol: afirma-se que era um craque na forja, quando antes de ascender aos seniores abandonou os campos. Depois foi chefe do Departamento de Futebol do Ferroviário do Maputo e do Maxaquene, onde (sobretudo no clube “tricolor”) foi muitas vezes tido por salvador ao tirar dinheiro do seu próprio bolso para que pão não faltasse aos jogadores e mesmo algumas contas correntes do clube estivessem em dia. Há quatro anos, Shafi descobriu o novo “maná” dos negócios do futebol: a representação de jogadores, credenciando-se como agente-FIFA; e a representação de marcas desportivas mundiais associada à criação de uma marca local de moda, naquela que é a segunda “label” desportiva depois da “elex” do jovem empresário Rafael Alex Guenda. Feizal decidiu atacar o desporto-rei pela via da imprensa, ao adquirir a maioria das acções da Edisport, sociedade que editava o saudoso jornal desportivo “Campeão”, quando Mário Guerreiro abandonou a FMF e se desfez do primeiro semanário a cores do país, fundado por credenciados jornalistas quais Renato Caldeira (hoje afastado das lides jornalísticas), Alexandre Zandamela (retornado à Sociedade Notícias), Jeremias Langa (hoje “patrão” da informação no grupo media mais na ribalta da actualidade).
Quando surgiu a oportunidade de compra do Diário de Moçambique, Feizal Sidat e irmãos abandonaram o projecto “Campeão” e o seu substituto seria Norberto dos Santos.Curiosamente, Mário Guerreiro, antecessor de Feizal Sidat como “boss” da Edisport, e Norberto dos Santos, sucessor de Feizal, foram os concorrentes que acabaram desistindo ao se verem “antes do jogo” derrotados por Feizal Sidat na corrida à presidência da FMF, há sensivelmente dois meses. Sectores ligados às lides futebolísticas moçambicanas afirmam que Feizal Sidat há anos que já era o “presidente de facto” da FMF, com o “Monstro Sagrado” Mário Esteves Coluna a fazer apenas o papel ante o poderio financeiro de Sidat para fechar negócios e mesmo gerir a casa. Pelo que, o cargo de vogal era apenas cosmético e a sua eleição a “homem forte” do futebol nacional tratou-se apenas de uma mera formalidade.O irmao mais velho dos Sidat, Intiaz, e membro do Comite Central do Partido que gere Mocambique.
SAVANA – 22.06.2007
(*) Vencedora terciarizada do concurso para a impressao de boletins de voto referentes ao pleito de 2009.