quarta-feira, fevereiro 20, 2019

Renamo tem medo do poder

Quando se aproxima a data de Outubro de 2019, fica claro que, pela percepção dos dados de análise disponíveis, o partido Renamo pode ter resultados históricos, e não seria ter excesso de expectativa acalentar a ideia de conquistar o poder nestas eleições. Mas o maior inimigo da Renamo é exactamente a última parte desta frase: o poder. Há uma pergunta simples e séria que deve ser feita: até que ponto está a Renamo interessada em conquistar e exercer o poder? E, se calhar, acrescentarmos mais uma pergunta: e como é que pensa tornar possível esse objectivo?
Resultado de imagem para medo do poderJá havíamos referido, aqui, neste mesmo espaço, desde os tempos de Afonso Dhlakama, que era mais politicamente evoluído, que a Renamo não pode, de ano em ano, investir contra a expectativa dos seus próprios eleitores, ou seja, é a própria Rena- mo a ser o empecilho para o seu próprio sucesso. Sempre que acreditamos que a Re- namo está suficientemente madura, é ela própria que trata de desmentir essa asserção e prefere continuar como eterno estagiário da política.Nas eleições autárquicas mais recentes ficou amplamente provado que a Renamo ganhou na maioria dos municípios estratégicos. Mesmo com a fraude eleitoral consubs- tanciada com a falsificação de editais, a Renamo teve um número significativo de as- sentos nas respectivas Assembleias Municipais, o que, em teoria, uma coligação com os membros do Movimento Democrático de Moçambique dava para a Renamo controlar a Assembleia Municipal e infernizar a vida àqueles que ganharam na secretaria.

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Mas vamos por partes. Como é que ficou o protesto da Renamo em relação à frau- de? Sabido que, por via das instituições, era impossível obter uma resposta isenta e íntegra das suas reclamações, colocaram-se possibilidades legais para a Renamo e o MDM protestarem com vigor e com resultados garantidos contra a fraude. Haviam sido avançadas duas propostas: a primeira, sendo a mais radical (em política, o radical é relativo) seria o boicote à tomada de posse e a não constituição dos órgãos autárquicos, o que forçaria uma nova eleição. A segunda, a mais leve e a mais demorada, seria tomar posse e reprovar os documentos considerados essenciais para a viabilização da governação, o que também levava ao mesmo resultado, o da dissolução da Assembleia e a marcação de novas eleições.
Estas hipóteses colocadas assim como foram parte de um pressuposto de que a Re- namo está interessada em três coisas: (1) contestar com notável vigor os resultados fraudulentos; (2) conquistar e exercer o poder e (3) impor respeito e a devida conside- ração como interveniente político relevante e sério não só aos seus oponentes mas tam- bém e, se calhar o mais importante, aos que têm depositado o seu voto nas suas ideias.  O que acontece que essas hipóteses ou premissas são apenas dos analistas. A Renamo não elabora sobre essas premissas. Tem outras premissas que até aqui são desco- nhecidas do grande público, e vai daí que as suas acções são exactamente para colocar aquele partido fora da rota da conquista e exercício do poder.
Resultado de imagem para medo do poderVejamos por exemplo nos municípios como Matola, Rubaue, Monapo e Monapo onde a fraude foi clamorosa, com a famosa falsificação dos editais. Esperava-se uma acção mais concreta da Renamo e tudo indica que isso não passou das intenções das pessoas do bem que votaram na Renamo, e a Renamo não tinha qualquer agenda de protesto.
Veio a tomada de posse nesses municípios e, na primeira oportunidade, a Renamo demonstrou que não está minimamente interessada na agenda do poder. Na Matola, dois membros do MDM concordaram em votar na Renamo para colocar os seus can- didatos a dirigirem a mesa da Assembleia Municipal, mas foi a própria Renamo que foi votar na Frelimo. O mesmo sucedeu em Ribaué e Monapo. Foram os membros da Renamo que votaram naqueles que fizeram a fraude. Ora, prova maior da falta de seriedade e esquizofrenia política não podia haver.
Os amantes das teorias de desculpabilização poderão dizer que foram três ou quatro “gatos-pingados” que, num número de indisciplina e de luta contra a fome, decidiram vender a causa por um prato de lentilhas. Pois. Pode ser. Mas é dever da Renamo, en- quanto organização que aspira ser alternativa, ter, a esse nível, indivíduos que tenham o mínimo de discernimento sobre o que está em causa. Não estava em causa apenas uns votos banais, mas um manifesto de protesto contra a fraude que ficou reduzido a
umas ambições do nível de prato de comida. É responsabilidade da Renamo recrutar e fazer-se representar por homens e mulheres à altura dos desafios que a ela se colocam. Ignorar o que aconteceu nas Assembleias Municipais como se nada fosse é passar um certificado de incompetência não aos vendedores dos votos mas, acima de tudo, à Direcção da Renamo, pelo erro de escolha dos candidatos.
Imagem relacionadaE se olharmos para as recentes eleições dentro da própria Renamo (temos o dever de saudar, aqui, o exemplo de democracia e transparência), há muitas questões que se podem levantar sobre com que argumentos a própria Renamo quer fazer face aos desa- fios que à frente se colocam. Sem querer retirar mérito aos novos eleitos para os órgãos sociais, é preciso questionar o que a Renamo pretende alcançar com as personalidades que colocou na linha da frente. Estrelismos à parte: preterir Ivone Soares, Venâncio Mondlane, Eduardo Namburete e o próprio Manuel de Araújo, entre outros quadros de inquestionável valia, é estranho. Como é que uma Comissão Política quer funcionar sem a líder parlamentar desse mesmo partido. E não é só o cargo que deve ser cha- mado como argumento. Mas as capacidades da própria líder parlamentar que são por demais notórias. Uma estratégia política que ignora Ivone Soares e outros quadros do seu quilate é questionável. Insistimos que não se trata aqui de retirar mérito aos novos eleitos, mas tão simplesmente um exercício de lógica parenta dos dados existentes. Não deixa de ser também notória a ostracização dos que apoiaram Elias Dhlakama nas eleições internas. Isso denota que o espírito democrático não reside na Renamo. Elias Dhlakama perdeu. Ossufo ganhou. Isso não quer dizer que Elias Dhlakama e seus apoiantes assinaram sua própria sentença de morte política, muito pelo contrário. É indicador de que há uma parte da Renamo que acredita nas ideias de Elias Dhlaka- ma e essas ideias e pessoas não podem ser ignoradas, porque perderam, sob o risco de criar duas Renamos, o que seria desastroso. Este é o momento de os vencedores e os vencidos juntarem-se numa única frente e trazer novas ideias e nova forma de fazer política. Não se pode perder tempo a gerir zangas de quem apoiou quem e quem votou em quem? Caça às bruxas é sinal de fraqueza. A não ser que a Renamo tenha uma outra estratégia oculta do público em que esses quadros que foram varridos são manifestamente inaptos.

É sintomático que sempre que o ecossistema político cria condições para a Renamo dar um salto qualitativo, é a própria a Renamo que investe tudo contra si mesma. Os eleitores da Matola, de Marromeu, de Monapo, de Moatize, de Tete, querem saber da Renamo o que é que se segue como acção política depois da fraude? A resposta que a Renamo tem é aliar-se à Frelimo e entregar de bandeja as mesas das Assembleias. Isso não cabe na cabeça de ninguém.Com um Filipe Nyusi completamente à deriva a fazer contas à vida, se renova, ou não, a sua candidatura, e com os seus próprios correligionários a contestarem-no e ele próprio a ter que jogar a sua própria sobrevivência, a Renamo não consegue capitalizar isso a seu favor. Com o povo com ânsia de mudança a aceitar qualquer coisa que não seja o partido Frelimo, temos uma Renamo completamente alheia aos acontecimentos e a cometer os seculares erros. Não deixou de ser patético e denotador de uma gritante falta de agenda, o facto de todo um porta-voz do partido Renamo ter convocado uma conferência de imprensa, para se distanciar de um deputado seu que foi à África do Sul assistir ao julgamento de um ex-ministro do actual Governo que é um dos responsáveis da actual miséria imposta aos moçambicanos. Qualquer partido sério devia ter um emissário para acompanhar esse julgamento ademais é necessário que esse partido participe no debate político de forma informada. Mas viu-se a Renamo a distanciar-se do tal deputado. Mesmo que tenha ido a título individual, não cabe à Renamo vir distanciar-se ou apoiar pela irrelevância da matéria neste momento do campeonato.
Em uma única palavra. Torna-se urgente que a Renamo faça uma introspecção séria sobre os ideais que defende e como pretende os defendê-los. Já não dá continuar a fingir e a empurrar as coisas com a barriga acreditando que tudo se resolve sozinho. A Renamo precisa de ter uma agenda em concreta para apresentar. De uma Frelimo esgotada já não se espera mais do que se vê. Mas parece catastrófico que a Renamo também esteja esgotada e sem ideias concretas.

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