terça-feira, agosto 07, 2012

O que fez Che Guevara por Quelimane?

O professor António Francisco é um dos cidadãos moçambicanos que nasceu (1958) no centro-norte do País e acabou por se radicar em Maputo. Abandonou a sua terra, Quelimane, por uma série de razões. Nos últimos 10 anos não visitou a sua cidade-berço. Esteve lá há dias. Isso serviu de mote para esta entrevista que acedeu conceder ao Canal de Moçambique.
Canal – Sabemos que  questionou os nomes das ruas de Quelimane e propôs uma mudança fundamental na toponímia que rompa com o desprezo pelos próprios zambezianos…
AF – Sim, a questão da toponímia é um outro exemplo simples, mas simbolicamente importante para a auto-estima e a valorização real e não apenas demagógica das personalidades originárias da Zambézia.Sim, provoquei esse assunto e notei que criou logo reacção. Quelimane vai comemorar 70 anos do seu aniversário como cidade. Perguntei o que estão a fazer para se prepararem para esse aniversário? Será que pensam apenas ir depositar uma coroa de flores na Praça dos Heróis? E que heróis são recordados na toponímia de Quelimane? Karl Marx, Lenine, Engels, Mao Tsé Tung, Samuel Magaia… não há um quelimanense, um único zambeziano, que seja homenageado com uma única rua. Isto é simplesmente ridículo, para não dizer flagrantemente humilhante.
Canal: Filipe Samuel Magaia é da Zambézia. Nasceu em Mocuba…
AF – Magaia? Pois, então, aí temos uma excepção, talvez a única, a confirmar a regra. Uma excepção casual, pois sabemos que o nome de Magaia foi posto numa rua em Quelimane como deve ter sido posto em ruas e escolas de muitas outras cidades. Ele faz parte daqueles pouquíssimos militantes da FRELIMO, como Mondlane e Josina Machel, que foram usados para dar nome em todo o sítio. Como se fossem os únicos heróis merecedores de reconhecimento. Por que é que Bonifácio Gruveta, líder da Frelimo na luta pela independência e primeiro Governador da Província da Zambézia, não tem uma rua? O Che Guevara fez mais pela independência de Moçambique do que Bonifácio Gruveta ou Joaquim Maquival?
Canal – Mas por lei não compete ao Município, nem sequer à Assembleia da cidade, mudar a toponímia local.
 AF – A quem compete?
Canal – Quando foi a questão na Beira da Praça André Massangaice, o partido Frelimo foi apanhado desprevenido e então alterou a lei para que tal competência fique apenas da Administração Estatal.
AF – Em que Administração Estatal? Que Administração Estatal é essa? É a Administração Estatal do que considero ser o “País do partido único”. Outra aberração que se prolonga para manter o poder de um grupo… Por quanto tempo?
Canal – Qual aberração?
AF – Setenta por cento do País e dos cidadãos em idade de votar continuam privados do direito de elegerem os seus dirigentes locais, numa clara violação dos direitos de cidadania reconhecidos pela Constituição da República. Inventaram essa táctica do gradualismo, em que se aumenta uma autarquia, não se sabe de quando em quando. Na última década foi uma por ano. Hoje temos 43 autarquias, com menos de 30% dos cidadãos a exercerem o direito de escolha dos seus dirigentes a nível local. O resto das administrações locais continua no regime do partido único, subordinadas à Administração Estatal. E depois falamos de descentralização na Administração Pública!?...
Canal – Mas isso é igual à história da Comissão Nacional de Eleições – há eleições, porquê? Apenas se fazem eleições por imposição ou a imitar o mundo dito civilizado? Por que fazemos eleições? Isto é uma democracia?
 AF – As eleições são como que uma auditoria da sociedade à governação, para permitir aos cidadãos fazer uma avaliação do desempenho da governação e gestão pública e decidir se vale a pena manter ou não a mesma equipa.
Canal – Pressupõe-se que a vontade do eleitorado é manifestada para um período de cinco anos. Depois desse período pressupõe-se que se alterou a soma das vontades de cada eleitor. Mas a Comissão Nacional de Eleições continua a refletir a proporcionalidade votada cinco anos atrás, na base da votação do plebiscito anterior e esta provoca contenciosos eleitorais para depois votar internamente e usando da maioria partidária no seu seio ditar ela própria o resultado…
 AF – Sim, isso é um detalhe importante. Mas para mim é um detalhe, quando comparado com a questão que menciono acima e debati em Quelimane. O problema de termos no País menos de 30% da população em idade de votar a exercer seu direito constitucional de escolha dos seus dirigentes locais. Os restantes cidadãos, cerca de 70%, continuam a não votar a nível autárquico.

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