sexta-feira, agosto 13, 2021

“ah, não-sei-quantos”

Seria totalmente desonesto partir do princípio de que o actual Presidente de Moçambique herdou uma situação fácil. Desonesto e injusto. Ele tornou-se Presidente na pior altura. Eu dei o meu apoio a ele das duas vezes que se candidatou. 

Não me arrependo. Não o fiz por estar convencido de ele ser a pessoa certa. Fi-lo por confiar na qualidade do partido em nome do qual ele se candidatou e, também, por achar que não havia na oposição nada melhor. Mas que a sua missão ia ser difícil sem a devida experiência política, isso sempre esteve claro para mim.

Por causa disso, eu não o posso julgar pelas omissões e erros dos seus antecessores. Julgo-o pelo que está a fazer. E ao fazer isso, não coloco como critério de desempenho o alcance de resultados impossíveis para quem tem que agir no contexto em que ele tem de agir. Coloco como critério de desempenho o que ele está a fazer – e ao dizer ele, refiro-me também ao partido que ele dirige – para criar condições que lhe permitam trabalhar. E nisso há muito pouco que se diga em seu abono.

Começando pelo fiasco da “paz definitiva” (que só não está pior porque Dhlakama morreu) – que incluiu uma descentralização em contramão da democracia – passando pela perplexidade em torno da prevenção da Covid-19 (com uma insistência doentia na repressão ao invés de promover a criação de condições para que as pessoas se protejam) até à grande nôdoa que é Cabo Delgado (anos sem informar à nação, tomada de decisões de peso – como a contractação de mercenários sem aval dos representantes do povo – fraco trabalho diplomático na região – com danos que se podem revelar grandes para as nossas relações com a RSA, Tanzânia e Zimbabwe) a sua governação tem sido marcada pela perplexidade. E repito: a crítica vale para todo o partido, sobretudo para a Comissão Política que é o órgão que tinha a obrigação de o amparar dada a sua inexperiência.

Nunca governei, nem nunca governarei. 

Mas estudo a governação e, por isso, posso opinar com segurança. 

O principal desafio de governação, sobretudo em países como os nossos, não consiste na resolução de problemas. 

Consiste na criação de condições para que os problemas sejam resolvidos. É este critério que precisa de ser observado na avaliação do seu desempenho em relação a Cabo Delgado.

Sabendo do estado das nossas FDS (e ele foi ministro da defesa), sabendo da falta de recursos, sabendo das tensões que lá existiam, etc. o que ele e o seu governo fizeram para que estivéssemos em melhores condições de lidar com o problema? Sabendo que o problema ia se agravando, porque não procurou galvanizar a sociedade informando-a com transparência e consultando os seus representantes no Parlamento? Sabendo das fragilidades do Estado a vários níveis, fragilidades essas que podem ter contribuído para que o problema piorasse, o que fez para procurar consertar isso? Sabendo de vários pesquisadores mozes que no meio da hostilidade das FDS e dos bobos da corte iam estudando o problema, o que fez para os ouvir e para colher deles ideias novas sobre como melhor lidar com o problema?

Não colocar estas questões, ou pensar isso baixinho por receio de ferir susceptibilidades ou, pior, procurar identificar motivações obscuras naquele que coloca as questões (“ah, é Guebuzista”, “ah não gosta de Makondes”, “ah, tem mania de que sabe tudo”, “ah, odeia o Presidente”, “ah, esses ‘intelectuais’”, “ah, não-sei-quantos”...) é perder tempo com futilidades. E é o recurso a essas futilidades que nos impede de fazer melhor. Pior: é tentar proteger a mediocridade para nivelar por baixo o grande País que Moz é.

Repito: quando 1000 pessoas dum País que cabe 30 vezes no nosso resolve em duas semanas um problema que não resolvemos em quatro anos, é profundamente anti-patriótico achar que haja motivo para festejar.

 Não há. Temos que nos questionar. 

Temos que questionar a qualidade da liderança (e isso inclui toda a cúpula do partido e do governo). 

Temos que questionar a nossa atitude em relação ao País que é de todos nós. Não podemos cair na complacência porque não há nenhuma razão para tal.

Questionar não significa não estarmos aliviados pelo facto de os ruandeses terem feito o nosso trabalho por nós. É também uma maneira de respeitar os mozes que sofrem lá em Cabo Delgado, abandonados à sua sorte por um governo que sabe que sempre haverá quem vai compreender que não tenha feito melhor. Não importa o que Samora, Chissano ou Guebuza não fizeram, ou fizeram mal. Importa como nós hoje nos erguemos à medida do desafio.

Vimos aquela holandesa nos Jogos Olímpicos que caiu, levantou-se, continuou a correr e ainda ganhou a corrida. Se fosse Moze teria feito sorna por saber que toda a gente ia compreender. Com este tipo de postura que temos, os egípcios nunca teriam construído as pirâmides por falta de andaimes...

(De Elisio Macamo)

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